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Por Carla Knoplech, jornalista e especialista em conteúdo digital
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Falando mal de nós mesmos

Do que é feito o seu feed do Instagram quando não há mais paisagens lindas, pratos de restaurantes, looks do dia e fotos na noitada?

Por Carla Knoplech
Atualizado em 1 jun 2020, 10h12 - Publicado em 31 Maio 2020, 13h38

Minha primeira compra de um item não-essencial da quarentena foi um pocket curso de escrita criativa da Tati Bernardi intitulado “Fale mal, mas fale de você”, que aconteceu em uma sexta-feira via Zoom. Durante duas horas, a escritora e roteirista paulistana reuniu cerca de 50 pessoas em uma vídeo-call super bem organizada para falarmos sobre crônica, conto, estrutura narrativa e esse grande exercício que é escrever, com um recorte especial para quem escreve sobre si mesmo. O meu intuito era dar uma arejada e sentar um pouco do outro lado da tela (sou professora de conteúdo digital e tenho dado diversas aulas por ferramentas virtuais, o que tem sido uma experiência muito diferente – e não necessariamente melhor – em relação à sala de aula real). Mas algumas questões levantadas ali me fizeram ir além e relacionar com o universo das redes sociais.

A Tati começou o encontro contando como – sem querer – ela se encontrou no mundo literário e remeteu o início dos fatos a um episódio trágico, mas com desfecho feliz, que aconteceu em 2001. Ela era funcionária na W/Brasil, agência do super publicitário Washington Olivetto e estava em um dia de trabalho até tarde da noite quando presenciou a chegada do motorista de Olivetto, ainda ensanguentado, relatando que ele havia acabado de ser sequestrado. Tati foi uma das primeiras pessoas a saber do ocorrido, chegou a ajudar nas ligações para avisar aos parentes, e durante a evolução do caso (ele ficou em cativeiro durante 53 dias até ser encontrado) escreveu de maneira visceral um texto sobre como era trabalhar com ele. Em uma época onde não haviam redes sociais, o texto viralizou internacionalmente.

Ao longo do encontro, com uma bibliografia organizada e indicações de diversos autores interessantes, Tati expôs algumas veias do exercício psicanalítico que é falar sobre nós mesmos e como – já previa Freud – a cura pode vir mesmo pela fala. Transpondo esta pensata para o curioso submundo da internet, penso que em épocas de pandemia mundial onde quem tem o privilégio de poder fazer quarentena está trancado em casa esperando a coisa toda arrefecer, nunca antes na história das nossas vidas tivemos que pensar tanto sobre nós mesmos. A radicalidade deste momento presente encharcado de dúvidas e questionamentos nos fez conjecturar sobre o futuro e lamentar o passado de maneira brutal. E, com tudo isso, só nos resta viver o famoso “agora”, tão bradado e emanado por clichês motivacionais. Elucubrando sobre isso passei a observar: quem são as pessoas quando não há mais a muleta dos fatores externos para se ancorar? Do que é feito o seu feed do Instagram quando não há mais paisagens lindas, pratos de restaurantes, looks do dia e fotos na noitada?

O exercício vale para todos, até para quem não se vê como um “criador de conteúdo” e não percebe que todos somos influenciadores das nossas pequenas bolhas. Quase ao fim do curso, Tati contou que odeia quando alguém pergunta se alguma história das personagens de seus livros aconteceu com ela. A escritora explica sempre que não importa, o que importa é o quanto de realismo existe naquela narrativa. “Nos é cobrada muita realidade, acho que a loucura precisa sair de algum lugar”, completa ela. Saindo da ficção e vindo pra vida real: o quanto de real e de realismo existe nas suas redes sociais?

Carla Knoplech é jornalista, fundadora da agência Forrest, de conteúdo e influência digital, consultora e professora

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