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Saúde e o Morro da Conceição

Eis o registro de uma volta pelo antigo bairro da Saúde, que deve ter sua paisagem totalmente renovada em até cinco anos pelo projeto Porto Maravilha Ladeira do João Homem, na Saúde: clima de subúrbio em meio aos arranha-céus da Avenida Rio Branco São poucos os lugares que eu nunca havia pisado antes nesse miolo […]

Por Pedro Paulo Bastos
Atualizado em 25 fev 2017, 19h34 - Publicado em 4 out 2011, 01h08

Eis o registro de uma volta pelo antigo bairro da Saúde, que deve ter sua paisagem totalmente renovada em até cinco anos pelo projeto Porto Maravilha


Ladeira do João Homem, na Saúde: clima de subúrbio em meio aos arranha-céus da Avenida Rio Branco

São poucos os lugares que eu nunca havia pisado antes nesse miolo entre o Centro e a zona sul do Rio. Nesse último fim de semana, fiz parte de um trabalho de campo da disciplina de Geografia do Rio de Janeiro, da faculdade de Geografia da PUC. Percorremos diversos pontos na região central carioca que são verdadeiros marcos para a evolução urbana da cidade. Confesso que era mais ignorante do que achava. O Centro, desde o início do ano, é o meu local de trabalho, então circulo por lá sempre naquela correria e com poucas observações minuciosas. Nunca tinha visitado a ladeira que restou do Morro do Castelo. Dessa vez eu conheci, saciando uma curiosidade adormecida que já dura pelo menos uns quinze anos, desde que li pela primeira vez sobre a história do dito cujo no livro de estudos sociais da escola.

O auge da excursão, no entanto, foi algo bem diferente do Centrão: o bairro da Saúde, colado nas cercanias da Praça Mauá. Definitivamente nunca passo por lá. E jamais me imaginaria desbravando a região sozinho, não só pelos preconceitos inerentes aos que moram nas cidades grandes latinoamericanas bem como pela má fama brindada à zona portuária pela imprensa. Foi uma ótima oportunidade para subir um morro, mesmo que fosse um morro mais café-com-leite.

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Primeiro de tudo, é difícil imaginar que a Saúde, em sua posição como bairro da zona portuária, se transformará em uma das regiões mais caras da cidade nos próximos anos, graças ao projeto Porto Maravilha. Ali é quase um faroeste colado ao Centro financeiro. Duas áreas totalmente opostas e, ao mesmo tempo, conectadíssimas. Na Rua Acre, o conjunto de aproximadamente vinte estudantes chama a atenção. Basta ter cabelos em tons um pouco mais claros, como é o meu caso, que o gaiato que passa na moto vai te gritar: “Gringoooou!“. Essa situação já sinaliza a pouca intimidade que os moradores da Saúde têm com o Rio turístico. Algo prestes a acabar, reitero.

A subida para o Morro da Conceição, um dos de ocupação mais antiga no Rio de Janeiro, é feita por uma ladeira íngreme, constituída pela Rua Major Daemon. O calor que fez no sábado, quase queniano, já deixava marcas vermelhas pelos braços e nuca. Subir uma ladeira nessas condições é cruel!

Essa rua, a Major Daemon, comparte residências com uma área militar, tendo a presença do casario onde funciona o Serviço Geográfico do Ministério da Guerra. Em função dos vizinhos respeitosos, a rua torna-se bastante simpática e limpa a medida que se sobe cada vez mais até alcançarmos a parte plana, onde está a Praça Major Valô. Este é o ponto de encontro de dois logradouros sempre muito citados em livros de história, dois dos mais antigos da cidade: a Ladeira do João Homem e a Rua do Jogo da Bola.

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A subida foi gratificante, apesar da poeira parada no ar. A arquitetura do Morro da Conceição te transporta para um Rio totalmente à parte. A influência lusitana na Saúde é forte e a sensação de que estou ”respirando meus livros de história” fez-se presente em todo o momento. Lá tem um clima de subúrbio, ofuscado pelos arranha-céus espelhados do Centro, vistos ao longe entre uma paisagem e outra. Lembra um pouco Santa Teresa, mas sem as melhorias recebidas que a colina rival recebe/recebeu desde sua povoação.

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O Morro da Conceição é uma joia bruta. Percebi isso ao entrar num armazém (sim, armazém!) da Rua do Jogo da Bola esquina com Rua Mato Grosso. O prédio já foi todo descaracterizado na parte de cima, mas embaixo, onde funciona a venda, é tudo muito original. Os azulejos são incríveis. A máquina registradora deve ser da idade da minha avó, nascida na década de 20. Enquanto esperava por uma garrafa d’água, ao lado, uma senhora pedia como nos velhos tempos: “Dois quilos de feijão, uma lata de sardinha… Se tiver farinha, pode pegar também“. Ou seja, o Morro da Conceição é um lugar que, sem querer querendo, privilegia suas raízes comerciais. Prezunic, Mundial, Wal Mart nem Pão de Açúcar se infiltraram por lá. Ainda.

Seguimos toda a Rua do Jogo da Bola. Alguns trechos eram impossíveis de se descer “de frente”; os paralelepípedos escorregavam demais. Todos os sobrados variam entre si em questão de conservação. Uma das casas levava um varal estendido por toda a fachada, com blusas, shorts, cuecas e toalhas penduradas, à altura de um desconhecido que passasse por lá, como eu. Esse é outro ponto a se observar: todos se conhecem, não há o que temer. Um pequeno córrego de água suja contornava os traçados sinuosos da Jogo da Bola. Até nesse ponto o Rio antigo é presente, afinal, não foi desta maneira que aprendemos, que o esgoto escorria assim, a céu aberto?

O Largo João da Baiana sinaliza o fim da descida do Morro da Conceição. Lá é mais conhecido como Pedra do Sal, ou como Pequena África, por ter sido vivenda de escravos negros e forros. O samba tem grande importância histórica neste largo. O grafite nas paredes não me permite mentir, assim como a movimentação no boteco da Rua Argemiro Bulcão. Era um leva-e-traz de caixas de cerveja ao lado de uma pequena churrasqueira já repleta de carvão.

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A chegada à Rua Sacadura Cabral trouxe-nos de volta à parte do bairro mais agitada de automóveis, de lanchonetes populares, bancas de jornais e mais sobrados antigos. O Porto Maravilha promete mudar todo esse panorama, “para melhor”. Fica o dilema: preservar a (mega)importância histórica da região ou entregá-lo às intervenções totalitárias do investimento privado? O ponto de equilíbrio entre preservação e desenvolvimento deveria ser discutido.


Largo João da Baiana, onde fica a Pedra do Sal: ponto de encontro de sambistas das antigas e de cultura essencialmente negra.

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# Um valeu para o meu amigo Guga Kahn, que avisou-me sobre o trabalho de campo, e outro para o professor da disciplina Geografia do Rio de Janeiro (PUC), Augusto César, por permitir que eu participasse. Obrigadão!

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asruasdorio.contato@gmail.com


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