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Blog sobre as ruas do Rio de Janeiro
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Rua Leite Leal e Rua Sebastião de Lacerda, Laranjeiras

Nos fundos da Rua das Laranjeiras, o charme de uma vizinhança cheia de detalhes para observar Casas Casadas. Monumento arquitetônico neoclássico em Laranjeiras funcionava como residência multifamiliar; hoje é sede da Riofilme. por Pedro Paulo Bastos Por uma fração de segundos tive a impressão de estar em outro lugar que não fosse o Rio de […]

Por Pedro Paulo Bastos
Atualizado em 25 fev 2017, 19h14 - Publicado em 7 fev 2013, 22h30

Nos fundos da Rua das Laranjeiras, o charme de uma vizinhança cheia de detalhes para observar


Casas Casadas. Monumento arquitetônico neoclássico em Laranjeiras funcionava como residência multifamiliar; hoje é sede da Riofilme.

por Pedro Paulo Bastos

Por uma fração de segundos tive a impressão de estar em outro lugar que não fosse o Rio de Janeiro. Era o cruzamento da Rua das Laranjeiras com a Rua Leite Leal, onde estão localizadas as Casas Casadas, monumento arquitetônico neoclássico no bairro de Laranjeiras. A sua lateral se assemelha àqueles modelos de residências anglo-saxônicas, que se vêem muito em algumas ruas de Nova York, onde o acesso a cada apartamento é feito através de uma escada – às vezes longa, às vezes curta – que dá diretamente para a rua. Assim como esses modelos residenciais lá dos states, as Casas Casadas também foram originalmente um empreendimento imobiliário de estilo multifamiliar. Por sinal, elas são algo totalmente diferente do que comumente se criou na sua época, 1880, e do que restou nos dias de hoje, 2013. Pelo menos para mim, a ideia de residência multifamiliar sempre beira o imaginário do cortiço de Aluísio de Azevedo, ou então das casas geminadas dos bairros que tinham um caráter mais operário. Não foi à toa que me senti um estrangeiro ao deparar-me com tamanha rara beldade.
 
Quem gosta de imprevisibilidade no espaço urbano deveria fazer uma visita mais apurada por Laranjeiras, um dos mais antigos e tradicionais lugares da cidade do Rio. Mesmo inclusa no rol de bairros nobres – notoriamente os que estão na zona sul -, Laranjeiras surpreende por sua versatilidade, que pode fugir em muito ao estereótipo de “bairro nobre com comércio sofisticado”. A convivência de elementos opostos é bastante acentuada. Veja só: as Casas Casadas ali, cheias de pompa, nem um pouco medíocres, estavam acompanhadas de sacos de lixo abandonados pelas calçadas, à espera de alguém que as recolhesse. Moscas pousam e voam de acordo com os seus instintos. Do outro lado, uma oficina mecânica convive com um prédio de classe média. À primeira vista, poderia ser uma reles oficina mecânica, dessas que imaginamos mal-cheirosa e encardida, o que já bastaria para contrastar com a ideia de “prédio de classe média”. Todavia, um detalhe no topo da sua fachada chama a atenção para sinalizar de que não se trata de um imóvel ordinário: a nomenclatura kühn. O letreiro está acoplado ao prédio, é inerente à sua construção. Consequentemente, outros detalhes acabam ficando em evidência, como a simetria e inclusão das figuras geométricas. É uma fachada que tem estética. Seria um imóvel art déco? Será que houve uma mudança de funcionalidade ou ali já era predestinado para ser uma oficina mecânica? Divago em meio a tantas referências.

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Adentrando. O gradeado das Casas Casadas, que, além das escadas, são seguidas por um jardim até o portão de entrada. Ao lado, a fachada da oficina mecânica com nomenclatura
kühn.


Os porões. Duas casas, frente à frente, estados de conservação opostos, ambas com porões.

A sucessão de contrastes prossegue ao longo da pequenina Rua Leite Leal. Uma antiga residência, aparentemente espaçosa e desocupada, mais vertical do que plana, com tijolos à mostra, encara uma outra igualmente contemporânea à sua época. Ela tem seus detalhes preservados e ainda muito bem caracterizados, a cor pastel já um pouco escurecida, mas com dependências nitidamente habitadas, cheias de vida. Um mesmo imóvel deste porte no Centro, berço das construções aqui no Rio, provavelmente já estaria fadado ao desmoronamento. Ambas têm porões. Seja no imóvel mais conservado ou no outro que deveria ganhar uma remodelagem, é incrível como as janelas de porões não perdem o seu caráter obscuro. Na do número 108, parecem dois olhos mal-assombrados prestes a despejar – ou te sugar para dentro de – todas as coisas pavorosas do universo. Se esse imóvel estivesse colado à pedreira que há no final da rua, onde está o condomínio Pomar das Laranjeiras, os elementos se complementariam para formar o cenário ideal de um filme de terror, desses com espíritos rebeldes, candelabros e uivos de lobos. Desculpem-me; dei asas à minha imaginação.
 
A Rua Leite Leal termina onde a tal da pedreira se encontra, e esse trecho final é protegido por uma cancela que, apesar da sua natureza intimidatória, reafirma, com uma singela placa, o direito da livre circulação de pessoas e automóveis pela rua. Ou seja, não é porque conseguiram a autorização da prefeitura para instalar uma cancela que aquele espaço agora é privatizado, regido por leis que não as públicas. Atitude espirituosa e pertinente, digna de cópia para outras ruas fechadas de outros bairros, que insistem no uso da arrogância para limitar o pedestre. É justamente ali, ao lado desta cancela, onde se inicia a Rua Sebastião de Lacerda, a rua-irmã à Leite Leal, que vai desembocar lá na Rua das Laranjeiras novamente. O casario amarelo, na esquina formada pelas duas ruas, chama a atenção pela sua majestuosidade – lá funciona a ONG Sociedade Brasileira para a Solidariedade (SBS) -, embora a grande verdade mesmo é que foi outra coisa que ofuscou a sua beleza tão logo eu adentrei a Rua Sebastião de Lacerda.

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Flores. Gosto muito de flores e fiquei procurando por elas ao longo da Rua Leite Leal, como essa flor amarela e a orquídea branca
.


O trecho “cancelado”. A placa avisa que, apesar da cancela, o logradouro é público e, portanto, a circulação é livre. A Rua Leite Leal termina onde há a pedreira.


A rua-irmã. O casario amarelo, onde funciona a ONG Sociedade Brasileira para a Solidariedade, determina o início da Rua Sebastião de Lacerda, que, diferentemente da Leite Leal, tem vista para o Cristo.

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Quanto mais rico seja um bairro, mais desenvolvido e organizado ele será, concordam? Entretanto, no Brasil como um todo, ainda sofremos de um mal bastante ultrapassado, peculiar tanto a bairros “ricos” como a  bairros “pobres”: a fiação aérea. É impressionante como na Rua Sebastião de Lacerda o emaranhado de fios dos postes resulta em algo tenebrosamente feio. O pobre do Cristo Redentor, com vista privilegiada para Laranjeiras, aparece aos nossos olhos de maneira sutilmente achavascada. Os fios surgem de geradores e, como que em ziguezague, vão cortando o espaço aéreo da rua. Uns pairam solitários pelas fachadas das casas, enquanto outros atuam em conjunto. Uns rígidos, outros mais frouxos. Infelizmente ainda não se tem previsão alguma de quando a fiação da cidade será toda subterrânea.

A Rua Sebastião de Lacerda é majoritariamente formada por casas, só que menos antigas do que as encontradas na Rua Leite Leal. Os imóveis ali não têm tanta afeição histórica quanto os do logradouro vizinho, o que não os torna desmerecedores de apreciação. No primeiro trecho, até um pouquinho antes da curva, elas seguem um padrão mais verticalizado, onde o térreo não está no mesmo nível que a rua. Já a partir do número 45, as residências são mais simples, estão junto à via, possuem apenas um pavimento e contam com portas que dão de cara para a área pública. Sim, não há muros nem cercas! As prevenções individuais se sustentam no gradeamento das janelas e portarias. As casinhas levam cores vibrantes e são margeadas por calçadas mais estreitinhas, recriando um panorama parecido ao da Rua Duque Estrada, na Gávea, que também tem um desenho sinuoso e uma sucessão de casas geminadas.


A rua dos fios. A maior concentração da fiarada está em frente a essa vila. Em seguida, o estilo das residências no trecho inicial da Sebastião de Lacerda.

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Pitoresco. Os azulejos coloridos dão maior poesia à numeração das casas na via, que variam de estilos, como essas, próximas à curva, bastante integradas com o nível da rua.


Já nas Laranjeiras. Outros modelos residenciais com paisagismo sofisticado que deixam a dúvida se são apartamentos ou uma única casa, logo em frente aos grafites do Largo Maria Portugal.

Mesmo dispondo de uma fiação horripilante, a Rua Sebastião de Lacerda consegue ser discretamente poética. A vista para o Cristo conta muito, é claro – em um dos seus melhores ângulos, com os braços abertos diretamente para o bairro -, mas foi na numeração das casas onde encontrei a descontração que a rua precisava: os azulejos com bordas coloridas. Em uma parede encardida da rua, esse modelo de numeração era o elemento ideal para tornar a própria falta de pintura da parede em algo bonito. O que dizer então dos grafites? Estão por grande parte dos muros livres, com dizeres criativos e cartuns caprichados. O Largo Maria Portugal, a praça que conecta a Sebastião de Lacerda com a Rua das Laranjeiras, também é repleto de intervenções artísticas interessantes. Na verdade, ambas as ruas são repletas de intervenções artísticas, de todos os tipos e épocas, independente do trecho que se esteja percorrendo. Resumo da ópera: são ruas cheias de informação.

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