O ano em que a Barra quase saiu do mapa do Rio
Em 1988, um plebiscito que pretendia emancipar a Barra da Tijuca promoveu polêmica na cidade. Relembre! A capa do Caderno “Cidade”, do JB de 4/7/88 Não tem jeito. A Barra da Tijuca sempre será um bairro destacado da cidade do Rio de Janeiro pelas suas particularidades. Não que sejam ruins, como muitos costumam afirmar – […]
Em 1988, um plebiscito que pretendia emancipar a Barra da Tijuca promoveu polêmica na cidade. Relembre!
A capa do Caderno “Cidade”, do JB de 4/7/88 |
Não tem jeito. A Barra da Tijuca sempre será um bairro destacado da cidade do Rio de Janeiro pelas suas particularidades. Não que sejam ruins, como muitos costumam afirmar – é tudo uma questão de gosto. O que implica nisso tudo é a paisagem e a funcionalidade de lá, que difere em muito com a urbanização ocorrida nos bairros mais antigos do Rio. A diferença é tanta que, vulgarmente, poderíamos chamar a Barra da Tijuca de outra cidade. Ou pelo menos, de um grande subcentro, que atende em muito a zona oeste. Ultimamente, tudo vem acontecendo na Barra, não só no que tange às grandes corporações, mas como em serviços e em grandes atrações de entretenimento. Porém, há quase 24 anos, essa imagem da Barra como um local “separado”, ou mais independente, digamos assim, já era percebido. E por pouco ela não sai do mapa do Rio.
Em 3 de julho de 1988 ocorreu, com o apoio da Assembleia Legislativa e da Justiça Eleitoral, o plebiscito que pretendia tornar a Barra da Tijuca em um local emancipado do Rio de Janeiro. A polêmica foi grande e o público ficou bastante dividido. De acordo com os números de votação divulgados em reportagem do Jornal do Brasil de 4 de julho daquele ano, 5 785 pessoas votaram pelo sim, 354 pelo não e 78 corresponderam a votos nulos e brancos. A grande zebra do plebiscito deveu-se ao fato de que o quorum mínimo não fora atingido; eram necessários pelo menos 23 978 votos para que a votação fosse validada, e o total de votantes foi de apenas 6 217.
O Jornal do Brasil ainda comenta sobre o motivo do não comparecimento dos moradores na votação, e sobre um suposto boicote a ela. Diz que o domingo quando ocorreu o plesbiscito foi um belo dia de sol, como há tempos não fazia, o que levou muita gente às praias do bairro. Na TV, o ídolo Ayrton Senna competia com Alain Prost no GP da França de Fórmula Um, “que deixou o eleitor em casa pelo menos até as 11 horas”. Além disso, os torneios de futevôlei que alguns condomínios organizaram, como o Barramares, colaboraram para incentivar o descaso com a votação. A facilidade era tanta para a participação do eleitor que as urnas ficavam na portaria, bastando descer o elevador para votar. Ao longo da Avenida das Américas, ônibus foram disponibilizados para transportar eleitores às seções eleitorais mais afastadas. Mesmo assim, elas ficaram vazias. Quem teve de trabalhar como mesário classificou o plebiscito como “um verdadeiro tédio”.
Militantes do PDT, PMDB, PT, PC do B, PV e PSB trabalharam contra a emancipação, enquanto o Condomínio Nova Ipanema, onde morava o empresário Roberto Medina, era considerado um grade reduto do sim, de acordo com o JB.
“Plebiscito não tem quorum e Barra continua carioca”, por Oscar Valporto
Jornal do Brasil, 4/7/88 – 1º caderno – 10a
Nenhum emancipacionista esperava ficar tão longe do quorum. Faltaram nada menos que 17 mil 761 votos para que o plebiscito de emancipação fosse válido, o que tonrou a apuração muito mais rápida do que a Justiça Eleitoral esperava. Exatamente às 19h32 de ontem, duas horas e meia antes de sua própria previsão, o juiz Hamilton Lima Barros anunciou o resultado do plebiscito: 5 mil 785 votos sim, 354 votos não, 69 nulos e nove brancos. O total de votantes foi de 6 mil 217, apenas 12.96% dos eleitores da Barra e um número bem abaixo dos 23 mil 978 votos (50% + um) necessários para que o quorum fosse atingido.
A derrota foi acachapante. Não houve sequer uma seção em que a metade dos eleitores aparecesse para votar. O melhor resultado do sim foi na 36ª seção, instalada no condomínio Nova Ipanema, onde mora o empresário emancipacionista Roberto Medina. Ali, votaram 113 pessoas das 500 inscritas na seção: 105 votaram sim e oito votaram não. Na outra ponta desse cabo de guerra, na 674ª seção, em Vargem Grande, votaram três gatos pingados: dois pela emancipação e um contra.
Com um quorum tão baixo, a contagem, feita pelos próprios mesários das seções, foi muito rápida. Às 17h20min, vinte minutos após o fechamento das urnas, o presidente da mesa da 11ª seção, Oswaldo Ferreira Neves, chegava ao Riviera Country Clube – onde os votos foram somados – com a urna debaixo do braço. “Numa eleição com tão pouca gente, nós tínhamos que contar rápido mesmo”, explicou o perito contador Oswaldo. Na sua seção, no condomínio Riviera Del Fiori, votaram 78 eleitores: 76 pelo sim e dois pelo não. Todas as seções têm, em média, 500 eleitores.
Derrotados antes mesmo da contagem, os emancipacionistas demoraram até mesmo a chegar ao salão do clube, que foi colocado à disposição do juiz Hamilton Lima Barros. Cada urna que era entregue aos representantes da Justiça Eleitoral tinha seu mapa conferido e, depois, a mulher do juiz, Berenice Barros, anunciava o resultado.
Para os emancipacionistas, os piores resultados vinham dos subúrbios. Em Vargem Grande, cada urna da escola municipal Professor Teófilo Moreira da Costa trazia uma má notícia. Além dos três votantes da 674ª seção, outras quatro seções – a 678ª, a 677ª e a 675ª – receberam apenas quatro votos cada. Na seção mais procurada de Vargem Grande, a 684ª, votaram 13 eleitores: 10 pela emancipação, dois contra e um anulou o voto. Em Vargem Pequena, o quorum também ficou em torno de 5%. Na seção mais procurada, a 686ª, votaram 35 pessoas (29 sim, 4 não e dois nulos). Na 683ª seção, a menos procurada, só 16 eleitores foram às urnas, 15 pelo sim e um pelo não.
Nem mesmo nos redutos da alta classe média, onde os emancipacionistas depositavam sua esperança, o comparecimento ao plebiscito foi maior. Pouco depois das 18h, o juiz da 7ª Zona Eleitoral, Siro Darlan, chegava ao clube com o resultado das 10 seções de sua zona que participaram do plebiscito e estavam sediadas no Itanhangá Golf Club e no Marina Clube. Dos 4 mil 454 eleitores das seções, votaram apenas 544 (12,2%): 499 pelo sim, 30 pelo não, quatro brancos e 14 nulos.
Os melhores resultados para os emancipacionistas vieram dos grandes condomínios mas mesmo assim o comparecimento foi pífio. Apenas seis seções receberam 100 ou mais eleitores: três em Nova Ipanema, uma no Novo Leblon, uma no Atlântico Sul e uma no Barramares. Era a vitória da estratégia de boicote na casa do adversário. No salão do Country Clube Riviera, os partidários do não antecipavam a festa enquanto esperavam o resultado oficial.
O anúncio final só demorou por causa do próprio desânimo dos emancipacionistas. Os juízes demoraram a encontrar um fiscal do sim para abrir cinco urnas em que os presidentes da seção haviam lacrado o mapa do resultado junto com os votos. Por volta de 19h20min, o juiz Hamilton pegou o microfone, e discursou para elogiar os partidários das duas correntes pelo “procedimento democrático”, a Polícia Militar e a Justiça Eleitoral, lamentar um incidente com uma equipe de TV e, finalmente, anunciar o resultado.
Depois, tudo foi festa. Os partidários do não gritavam “a Barra é do Rio” e o “Rio unido jamais será vencido”. O vice-prefeito Jó Resende, do PSB, abraçava o deputado Vivaldo Barbosa, do PDT. O deputado estadual Milton Temer (PSB) cumprimentava usa companheira de Assembléia, Jandira Feghali (PC do B). A administradora regional da Barra, saiu do salão carregada nos ombros dos vencedores. “Vamos comemorar”, conclamava Vera, enquanto tinha seu nome gritado pelos partidários do não. Com o filho pequeno no colo e a filha pela mão, o juiz Hamilton Barros Lima saiu cansado mas satisfeito com o trabalho. “Não houve sequer uma impugnação. Foi uma vitória da democracia”.
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