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Por André Heller-Lopes, diretor de ópera
A volta do Dito Erudito
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Dito Erudito: poemas e a dança dos sinais

Na coluna desta semana, uma homenagem ao Dia Internacional da Dança

Por André Heller-Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 1 Maio 2020, 18h55 - Publicado em 1 Maio 2020, 18h53

Há uma fratura no ar. Na imagem rompida não conseguimos reconhecer o mundo; há novos sinais na mímica silenciosa dos dias. Porém as ruas são as mesmas, o mesmo mar e céu. Se as pessoas parecem diferentes é apenas porque estão menos ‘abertas’; estão em alerta. Elas são como as lojas do bairro que conhecemos desde sempre: agora estão semi-abertas e funcionando em horários e formas que nos são estranhos. Se o corpo é testemunha dessa tensão nova, as palavras também perdem-se de seu sentido conhecido: só nos resta entender os sinais. Quando éramos senhores imortais do mundo moderno a realidade era outra e, leves, simplesmente vivíamos (acho até que reclamávamos de uma existência repleta de liberdade, de hora de ir para o trabalho, de jantar fora com gente chata, de comprar de fim de mês no supermercado!). Agora, todo passo para fora do ‘cativeiro’ é calculado. Olhamos para trás como quem vive no poema “Pneumotórax”, de Manuel Bandeira: “a vida inteira que podia ter sido e que não foi”. O pesadelo maior é chegar ao fim do poema e ouvir que só nos resta “tocar um tango argentino.”

Nesse novo mundo de novos sinais, eis que celebramos essa semana o Dia Internacional da Dança. Aliás, melhor dizer “celebramos” — com pesadas aspas — pois poucas companhias no mundo terão passado o dia em cena, dançando. Corpos, mãos, gestos e olhares, restritos às ‘lives’. Cisnes e pássaros de fogo presos dentro de uma lâmpada magica, tal qual um gênio de Scheherazade. Porém a data não passou em branco e diversas companhia pelo mundo afora prepararam suas homenagens, do clássico ao contemporâneo. Há que aplaudir esses artistas alados e cujos códigos não cessam de me surpreender. Aliás, há muito que aprender com seus código — tanto de sinais quanto de disciplina e rigor.

Cantores relacionam-se com a terra e dela tiram seu apoio. A dança relaciona-se com o ar, negocia com o espaço o vôo e desafia a gravidade. O salto depende da confiança profunda no outro, a estética de toda uma cena pode depender da perfeição de 30 cisnes num corpo de balé que respira como um só corpo. Se com sua linguagem de sinais e mímica a dança é uma arte que vence a palavra, ela diz claramente que qualidade não se negocia; atletas, os bailarinos doam aquilo que têm de mais precioso: seus corpos.

Talvez por conta dessa urgência em viver e realizar, não faltam exemplos da vitalidade e explosão da dança em tempos de crise. Precisamos aprender com eles novos sinais e novas forma de trabalhar em parceria. Nos dias atuais de espera, em que os sinais são uma ilusão, é preciso movimentar-se. Os inertes, em sua permanente simpatia e afabilidade, são quase sempre rasos e não expressam nada. A poetisa americana Emily Dickinson escreveu: “Esta é minha carta para o mundo, que nunca me escreveu.” Nós, que esperamos o tempo passar, aguardamos igualmente uma carta que contenha um miraculoso código de tradução desses instantes.

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Essa semana reencontrei um poema e descobri que ele estava partido — foi divido entre três autores. Era conhecido como “Instantes” e atribuído ao argentino Jorge Luís Borges. Depois, em inglês e sob no nome de “Moments”, ganhou como autora uma poetisa de nome Nadine Stair. Finalmente, como “I’d Pick More Daisies”, em prosa, passou para a mão de um humorista chamado Don Herold. Assim, mesmo fraturado e flutuando no ar, encontrei no poema uma pista para entender melhor os sinais do momento. Shall we dance?

INSTANTES
Si pudiera vivir nuevamente mi vida,
en la próxima trataría de cometer más errores.
No intentaría ser tan perfecto, me relajaría más.
Sería más tonto de lo que he sido,
de hecho tomaría muy pocas cosas con seriedad.
Sería menos higiénico.
Correría más riesgos,
haría más viajes,
contemplaría más atardeceres,
subiría más montañas, nadaría más ríos.
Iría a más lugares adonde nunca he ido,
comería más helados y menos habas,
tendría más problemas reales y menos imaginarios.

Yo fui una de esas personas que vivió sensata
y prolíficamente cada minuto de su vida;
claro que tuve momentos de alegría.
Pero si pudiera volver atrás trataría
de tener solamente buenos momentos.

Por si no lo saben, de eso está hecha la vida,
sólo de momentos; no te pierdas el ahora.

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Yo era uno de esos que nunca
iban a ninguna parte sin un termómetro,
una bolsa de agua caliente,
un paraguas y un paracaídas;
si pudiera volver a vivir, viajaría más liviano.

Si pudiera volver a vivir
comenzaría a andar descalzo a principios
de la primavera
y seguiría descalzo hasta concluir el otoño.
Daría más vueltas en calesita,
contemplaría más amaneceres,
y jugaría con más niños,
si tuviera otra vez vida por delante.

Pero ya ven, tengo 85 años…
y sé que me estoy muriend

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