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A hora da estrela Teresa Cristina

Para combater suas angústias, cantora recorreu às redes sociais, como todo mundo, e acabou criando o mais notável dos programas surgidos na pandemia

Por Pedro Tinoco
Atualizado em 5 jun 2020, 18h06 - Publicado em 5 jun 2020, 06h00

As aglomerações diárias chegam a reunir mais de 6 000 pessoas – mas calma lá que a farra é virtual. Recheado de samba e outras bossas, o repertório de música brasileira costuma ganhar emocionantes interpretações a capela em meio ao burburinho de anônimos e famosos. Noite adentro, os papos vão da chacota à política, passando por surpreendentes aulas de história. Rola até azaração.

Já bateram ponto por lá, entre vários nomes conhecidos, as atrizes Camila Pitanga e Patricia Pillar, além de estrelas musicais como Caetano Veloso, Chico César, Daniela Mercury, Diogo Nogueira, Roberta Sá e Simone. Saída despretensiosa para driblar as dores do isolamento e outras angústias, a live comandada pela cantora Teresa Cristina em sua conta no Instagram tornou-se um fenômeno de prestígio e popularidade. O programa, criado sem patrocinador nem produção requintada, traz o melhor das festas possíveis neste período de pandemia.

A temporada on-line estreou em 16 de março, dia em que o governo estadual decretou estado de emergência no Rio de Janeiro. “Estava tensa com a Covid-19, com este presidente que nós temos, preocupada com minha família e com minha sanidade mental”, lembra a cantora. Ela então fez o que todo mundo faz principalmente em tempos de confinamento: foi desabafar na internet.

Pioneira na recente safra de lives de artistas, Teresa surpreendeu-se com a boa acolhida – foram mais de 3800 curtidas – e seguiu em frente. Após uma incursão pelo Twitter, acomodou-se no Instagram. “Achei mais fácil de usar, não entendo muito de tecnologia, mas consegui fazer funcionar com uma luz legal e interagir com as pessoas”, conta. E bota interação nisso.

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Todo dia ela faz tudo sempre igual. Encara a faxina da casa, a cozinha e, muito a contragosto, até esporádicas visitas ao supermercado. Depois das obrigações domésticas, do almoço e de um cochilo reparador no começo da noite, equilibra o celular sobre a mesa – estrategicamente escorado em frascos de álcool em gel -, liga a câmera e abre o sorrisão. Está começando mais uma live.

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Enquanto havia BBB, o horário de início era sempre depois do reality show, agora gira em torno das 22 horas. Cada sessão parte de um tema, devidamente pesquisado ali entre o almoço e o cochilo. Ela já celebrou discos clássicos, entre os quais Outras Palavras, de Caetano Veloso, e Luz, de Djavan, e personalidades como Angela Ro Ro, Belchior, Candeia, Chico Buarque, Clara Nunes, Dona Ivone Lara e João Gilberto.

Explora ainda assuntos diversos – a lista vai de “temas de novela” e “velha guarda da Portela” a “toda forma de amor” e “ancestralidade” (a emocionante pauta de 13 de maio, Dia da Abolição e também dos Pretos Velhos, na tradição da umbanda). O que não varia de uma live para outra é o toque sem frescura da produção amadora. Teresa, a mãe, dona Hilda, de 80 anos, e a filha, Lorena, de 11, moram no 2º andar de um imóvel na Vila da Penha que tem o térreo ocupado por seu irmão, com a família.

Nos fundos do terreno vive a irmã, também com a família. “Suburbano vive em oca, né? Nas lives todo mundo ouve o som alto do vizinho, o carro das delícias que passa oferecendo coisas no alto-falante, o cachorro do meu irmão latindo”, relata a cantora. A produção se completa com a ajuda do sobrinho, Luiz Alberto, o “Fu”, que faz as vezes de contrarregra, e, à distância, do amigo Felipe Lins. “Felipe é o meu porteiro, fica olhando as mensagens para avisar quem chegou, mas é um porteiro de araque. No dia em que a Anitta apareceu, nem viu”, cutuca Teresa, antes de mais uma inconfundível gargalhada.

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A plateia vibra. Mensagens e emojis sobem pela tela sem parar. A farra diante do celular dura, em geral, até as 2 da madrugada. Já foi mais longe em pelo menos duas ocasiões. Na homenagem a Luz, a cantora, empolgada, além de revisitar as dez faixas do disco de Djavan, passou cinco horas interpretando a obra do músico alagoano – “e sem repetir nenhuma canção”, jura.

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No tributo a Zeca Pagodinho, o pagode só terminou depois das 4 horas, na alvorada de 23 de abril, quando começaram a espocar na vizinhança os tradicionais fogos anunciando o Dia de São Jorge. Músicos conhecidos e gratas surpresas dividem a telinha com a anfitriã. “Tenho acompanhado, é muito aconchegante te ouvir, parece uma serenata, uma roda de samba com amigos e fãs, uma felicidade”, derramou-se Daniela Mercury em sua canja na noite dedicada a temas de novela.

De pijaminha, a cabeça encostada no sofá, Caetano Veloso deu as caras no tributo a Clara Nunes, em 8 de maio, trocou amabilidades com a “dona da casa” e causou comoção mesmo sem cantar. “No dia da visita do Caetano chegamos a 6 800 pessoas ao mesmo tempo, com um número final de 40 000 visitantes”, comemora Teresa Cristina. O sucesso dessas noitadas no Instagram é um caso a ser estudado.

“O fenômeno das lives de artistas, às quais as pessoas assistem por tempo considerável, como se estivessem na plateia de um show, é algo novo”, explica Elis Monteiro, professora da Fundação Getulio Vargas e especialista em marketing digital. “Com sua produção amadora, Teresa Cristina tem um componente que é entendido como genuíno e atrai plateia qualificada. Ela é o que chamamos de influenciadora de influenciadores”, acrescenta, antes de concluir: “Isso é muito valioso, ela influencia pelo talento, pelo prestígio”.

Frequentador assíduo das lives da cantora, o ator Luis Lobianco destaca a espontaneidade da artista, “uma comunicadora nata, sempre à vontade, com sua cervejinha, seus salgadinhos, falando sobre tudo com propriedade”. Dois momentos impagáveis já registrados comprovam o que ele diz. No primeiro, entre canções de Chico Buarque, Teresa se levantou às pressas da cadeira para matar uma barata (“Pela primeira vez na vida, tenho horror”, entrega).

Mais recentemente, em um emocionado tributo a João Gilberto, a cantora deu um faniquito quando recebeu a visita do ex-presidente Lula, seu maior ídolo na política. “O berro que soltei deve ter sido ouvido em Vista Alegre”, calcula. Lobianco virou fã. “Só não acompanho sempre porque é como uma festa. Quando entro, automaticamente, já pego meu gim, minha água tônica, meu gelinho. E não dá para ir a uma festa toda noite”, afirma.

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Muita gente, no entanto, aderiu sem hesitar à boemia digital diária, que em média atrai cerca de 3 000 visitantes por noite. A professora carioca Jéssica Pinheiro, 26 anos, faz parte dessa turma constante e é uma das fundadoras do fã-clube Cristiners. No Instagram (@cristinersoficial, mais de 3 200 seguidores) do grupo, admiradores discutem cada live, trocam memes inspirados pelas tiradas de Teresa (“Minha live, minhas regras” é uma delas) e compartilham histórias. Jéssica e outras quatro administradoras da conta também se encarregam de ações como o suprimento de cerveja, salgados e outros mimos entregues diariamente na casa da estrela.

“É um movimento muito bacana, já temos ‘cristiners’ em doze estados, formam-se amizades que de outra forma jamais teriam acontecido, tudo em torno do encanto pela obra da Teresa”, diz Jéssica. Outros desdobramentos das “lives da TT” são o CrisTinder, apelido gaiato para a azaração de todas as noites que se desenrola durante o show, e até um “After TT”, continuação do agito que o ator Lucio Mauro Filho promoveu em seu Instagram. Tem mais: desde 12 de abril, no YouTube, a cantora entoa repertório das antigas com a mãe, dona Hilda, nas Jovens Lives de Domingo. “Faz um bem danado para a cabeça dela, mamãe se prepara a semana inteira”, conta a filha.

Empolgada, Teresa Cristina não cansa de pensar em temas para novas edições. “Nossa música é muito rica, tenho assunto para muito depois da quarentena”, garante. Longe dos palcos, sua principal fonte de renda, ela também busca algum tipo de parceria comercial nessa aventura on-line. “Nunca foi fácil”, reconhece.

Nos anos 1990, Teresa estudava letras na Uerj, estagiava como vistoriadora no Detran e fazia bicos de manicure nos fins de semana quando ganhou de um amigo um CD do sambista Candeia. “Acendeu um negócio na minha cabeça, ouvi o disco e percebi que sabia aquilo tudo, era o que eu, criança, ouvia com meu pai. Do nada, decidi fazer um show cantando as músicas de Candeia”, lembra. O espetáculo levou anos para acontecer – só foi realizado, por conta própria, em 2013.

Bem antes disso, em 1998, Teresa Cristina estreou como cantora no antigo Bar Semente. Desempenhou, no pequeno palco sob os Arcos, papel fundamental para o renascimento da vocação musical e boêmia da Lapa e consagrou-se como respeitada intérprete de MPB. “Teresa é autêntica, toma conta das lives com sua formação sólida, conhece muito de música. Eu me sinto no Circo Voador, entre amigos. Ela proporciona o mais próximo que, hoje, podemos ficar de uma roda de samba, de um boteco de verdade”, agradece Patricia Pillar.

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A atriz é uma “cristiner” de primeira hora como, entre outros, sua colega Cissa Guimarães, a estrela do vôlei Fabi, a economista Laura Carvalho e a juíza Andréa Pachá, a quem cabe o veredicto: “Em momento tão duro, Teresa demonstra generosidade quando se dispõe a acolher as pessoas todas as noites. Ela criou um oásis, um espaço de afeto que define a nossa humanidade e, de certa forma, nos salva”. Hoje é dia de live da TT.

Retratos de família

Raiz: Teresa nasceu em Bonsucesso e cresceu na Vila da Penha (Acervo pessoal/Divulgação)

 

Com a mãe: Dona Hilda é presença garantida nas lives dominicais (Acervo pessoal/Divulgação)

 

A filha Lorena: No palco até os nove meses de gravidez (Acervo pessoal/Divulgação)

 

Carnavalesca, sim: A cantora tem lugar cativo nos blocos de rua (Sabrina Mesquita/Divulgação)

 

Sintonia fina: Turnê no exterior com Caetano (Rafael Berezinski/Divulgação)
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