História de pescador: quem é o brasileiro que ficou amigo de pinguim e foi parar em Hollywood
Amizade de morador da Ilha Grande que resgatou o animal e foi visitado por ele ao longo de 6 anos ganha as telonas em produção americana estrelada por Jean Reno
Nas últimas semanas, pipocaram casos de pinguins perdidos nas praias do Rio. A explicação é simples: ainda que no imaginário de muita gente eles vivam no gelo, a maior parte das dezoito espécies existentes hoje busca regiões mais quentes no inverno — e o litoral fluminense faz parte dessa rota. Quem passa por aqui é o pinguim-de-magalhães, numa das migrações mais longas de aves que não voam. São cerca de 8 000 quilômetros desbravados por ano, partindo da Argentina, do Chile e das Ilhas Malvinas. E esta não é a primeira vez que um animal da espécie decide fazer escala por estas bandas. Em 2011, teve início uma história inusitada. Depois de resgatar um desses bichinhos, muito debilitado após ficar preso em uma mancha de óleo na Praia de Provetá, na Ilha Grande, o pescador João Pereira de Souza passou a receber, ano após ano, a visita do mesmo animal, que ganhou o nome de Dindim. “Nunca vi um ser criado no mar se apegar tanto a uma pessoa. Tenho amor por ele como por um filho”, disse ele. Parece, e é, enredo de filme: a improvável amizade ganha as telonas no dia 12 de setembro com a estreia da produção americana Meu Amigo Pinguim.
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Quem assina a direção é o brasileiro David Schurmann, com uma longa carreira em documentários e muitos anos de vida em alto-mar. “Dizem que não se deve colocar animais, crianças e água em um filme, pois sempre viram um caos. No nosso tem tudo isso”, brinca Schurmann. A estrela Dindim ganhou dez intérpretes, que se revezavam de acordo com a personalidade ideal para cada cena. Eles foram acompanhados durante toda a gravação por sociedades protetoras de animais, e integram o elenco junto com o ator francês Jean Reno, conhecido por seu trabalho em filmes como Missão Impossível e O Código Da Vinci, que agora encarna de forma poética o papel do pescador João. A atriz mexicana indicada ao Oscar Adriana Barraza dá vida à Maria, sua esposa. De início, ela se desespera com o excêntrico hóspede, mas dá o braço a torcer quando percebe quão transformadora é a relação de Dindim com o marido, que vivia o luto pela morte do filho. “Nosso grande desafio foi traduzir a emoção nos animais. Diferentemente dos atores, eles não expressam emoção no rosto, mas através do corpo”, conta Schurmann.
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O diretor mapeou mais de vinte sentimentos, como a elevação da cabeça em uma situação de interesse, hora em que entrava em cena o curioso pinguim chamado Capitão. Em momentos de maior agitação, era Teodora quem brilhava, mas a maioria das cenas foi estrelada por Maui, o mais tranquilo e carinhoso de todos. Os animais vieram do Aquário de Ubatuba e foram treinados pelo argentino Fabian Gabelli com base no reforço positivo, mesmo princípio de adestramento de cães e gatos. Em cada locação foi criado um pinguinário, onde eles tinham ar-condicionado 24 horas, piscinas para mergulho e freezers cheios de sardinhas. Para manter o ambiente calmo para os animais, as cenas traziam apenas quatro profissionais além dos atores, que também passaram por treinamento — necessário, pois logo na primeira semana o ator Jean Reno levou uma bicada ao pegar um deles de mau jeito. “Foi um set muito maduro, com tudo perfeitamente orquestrado”, elogia Thalma de Freitas. A atriz carioca interpretou a mãe da menininha que, sem conseguir pronunciar a palavra “pinguim”, acabou batizando-o de Dindim na vida real.
A espécie caracterizada pela plumagem preta e branca foi vista pela primeira vez pelo explorador Fernão de Magalhães, em 1520. Tem estatura média de 70 centímetros, pesa cerca de 5 quilos e vive por 25 anos, explica o oceanógrafo e diretor do Aquário de Ubatuba, Hugo Gallo Neto. Ele não só acompanhou a produção do longa-metragem, como participou ativamente da história original. Foi sua equipe que descobriu, através de exames de sangue e marcadores, que era o mesmo pinguim que voltava sempre para visitar João. “É uma história única, sem explicação exata. Por causa da pelagem, estima-se que era um filhote e que deve ter criado um laço familiar com o pescador por causa dos cuidados”, acredita. O que também justifica o porquê, depois de sete anos com a mesma rotina, de Dindim não ter voltado mais para Ilha Grande — de espécie notoriamente monogâmica, ele pode ter formado uma família e estabelecido novos hábitos. “Esse animal, assim como toda a vida marinha, está sofrendo muito com a poluição e o aquecimento global. O filme narra uma história bonita, mas também é importante por chamar a atenção para esses problemas”, frisa.
A maré anda boa para a sétima arte no Rio de Janeiro. Um levantamento da RioFilme mostrou que 26 produções estrangeiras solicitaram autorização para filmagens por aqui no último ano, e o número de diárias pelas ruas, que somou quase 8 000, ultrapassou Paris, tornando a cidade uma das mais procuradas no mundo para locações internacionais.
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“Estamos trabalhando para facilitar e desburocratizar o processo de autorização, e atrair cada vez mais gente”, afirma o secretário municipal de Cultura, Marcelo Calero. O cenário positivo se estende também para o estado. O filme Luccas e Gi em: Dinossauros foi todo produzido em Miguel Pereira, enquanto Meu Amigo Pinguim teve cenas em Paraty (além de Ubatuba, no litoral de São Paulo, e Patagônia, na Argentina). O longa sobre Dindim, que ficou conhecido como o pinguim da Ilha Grande, acaba de fazer sua estreia nos Estados Unidos, em mais de 2 000 salas, e vai rodar trinta países levando ao mundo nossas belezas naturais e uma linda história de pescador, que ninguém poderá dizer que é mentira.