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O Rio de Chico Buarque, que completa 80 anos na cidade que o inspira

Da pelada sagrada no Recreio aos jantares semanais no Jardim Botânico, os programas preferidos do gigante da MPB no lugar onde se sente “menos estrangeiro”

Por Kamille Viola
Atualizado em 21 jun 2024, 14h03 - Publicado em 21 jun 2024, 06h06
Chico Buarque
Chico Buarque: o artista já morou em algumas cidades, mas foi no Rio que se fixou há algumas décadas (./Divulgação)
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Ele chega aos 80 anos, cravados em 19 de junho, como um dos mais admirados expoentes da MPB, à qual trouxe pura poesia. Sua trajetória é vasta: lá atrás, em 1966, Chico Buarque alcançou reconhecimento nacional com a vitória de sua composição A Banda, no II Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record. Ao longo das décadas, a versatilidade de sua obra (e, por que não, também o encantamento produzido por seus olhos de azul intenso ou “cor de ardósia”, como preferem alguns) ajudou a manter sua popularidade e prestígio. Suas aparições e entrevistas, porém, foram se tornando cada vez mais rarefeitas, o que lhe rendeu a — injustificada, dizem os mais próximos — fama de tímido.

A polarização na cena política dos últimos tempos fez dele alvo da extrema-direita, o que o levou a mudar certos hábitos. Ainda assim, o artista, mesmo caseiro, não abre mão de desfrutar a cidade que escolheu para viver. “O Chico é uma pessoa simples, que gosta de boas conversas. Já me chamou para jogar bola, mas, como eu não jogo, marcamos um café. A última vez que o vi foi no show da Mônica Salmaso”, comenta o cantor Moyseis Marques, que conheceu o ídolo em 2014, quando viveu o protagonista do musical Ópera do Malandro.

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Embora nem sempre tenha vivido nestas praias — ele passou boa parte da infância e da juventude em São Paulo, além de ter morado por duas ocasiões em Roma —, é no Rio onde Chico se sente menos estrangeiro. “Cida­de Maravilhosa / És minha / O poente na espinha das tuas montanhas”, canta ele em Carioca, música dos anos 1990. A relação com o Rio, aliás, se entrelaça com sua obra: a cidade, seus bairros e paisagens são citados em diversas canções (veja abaixo).

Há alguns anos, Chico se instalou em uma cobertura no Alto Leblon, com paredes envidraçadas que revelam a deslumbrante paisagem praiana. Costumava fazer caminhadas pelo calçadão, mas, desde que foi xingado na saída de um restaurante no bairro, o programa se tornou mais raro. Foi trocado por andadas no Clube Federal, na mesma área. A jornalista Regina Zappa, vizinha com quem Chico construiu uma relação de confiança, fala: “Ele é muito caseiro, mas gosta, por exemplo, de sair com os netos”, conta a autora de Para Seguir Minha Jornada: Chico Buarque, de 2011, que em julho ganha versão atualizada.

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Uma rotina da qual o compositor não abre mão é ir a bons restaurantes. Chico bate ponto em duas casas renomadas do Jardim Botânico: o italiano Grado e o Escama, de peixes e frutos do mar, onde costuma se reunir com um grupo de amigos que inclui Vinícius França (seu empresário), o cineasta Miguel Faria Jr. (que dirigiu o documentário Chico: Artista Brasileiro) e o jornalista Rodrigo Paiva (diretor de comunicação da CBF). Lá, ele se senta à mesa da varanda e escolhe pratos de ostras e cavaquinha, acompanhados de um bom vinho.

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Dia desses, visitou o Il Leone, no Humaitá, do mesmo dono da finada Osteria Dell’angolo, em Ipanema, onde era habitué. “É um cara muito reservado, mas, se você chegar nele, não é uma pessoa arredia”, comenta o jornalista Hugo Sukman, responsável pelos textos de apresentação dos últimos discos de Chico. “É um excelente entrevistado quando quer falar. Mas acho que só quer falar quando faz sentido. A obra fala por ele”, diz.

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Entre shows, manifestações e futebol com os amigos: saídas cada vez mais pontuais
Entre shows, manifestações e futebol com os amigos: saídas cada vez mais pontuais (Fotos Mauro PIMENTEL/AFP; arquivo pessoal;/Divulgação)

Outra atividade sagrada para o artista é a pelada com os amigos, às segundas e quintas, no campo no Recreio. Chico arrematou o terreno em 1978 e fez do local a sede de seu time, o Politheama (originalmente, dedicado ao futebol de botão), frequentado por gente chegada, como Antônio Pitanga, Carlinhos Vergueiro e seu neto Chico Brown. Por lá, já bateram bola grandes nomes da seleção brasileira, de Paulo César Caju a Ronaldo Fenômeno, passando por Zico, Júnior e Romário.

Torcedor do Fluminense, Chico era normalmente visto em jogos do Tricolor e imortalizou seu amor pelo esporte em músicas como Receita pra Virar Casaca de Neném. “Se não fosse o futebol, não sei se a gente teria tanto contato”, afirma o cantor e compositor Guinga, parceiro na música Você, Você, do álbum As Cidades (1998), e assíduo no Politheama desde o início dos anos 1990. “Se ele está em turnê, mudamos o dia da pelada para não deixar de jogar”, conta.

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Quando julga necessário, Chico não se furta a se manifestar politicamente. Se no passado ele combateu a ditadura com a música, hoje faz vídeos em apoio a candidatos, como ocorreu na campanha de Marcelo Freixo à prefeitura em 2012, e ainda sai às ruas. Assim foi nas passeatas contra o impeachment de Dilma, a morte de Marielle Franco e a negligência de Bolsonaro durante a pandemia, no dia em que o Brasil atingiu 500 000 mortos pela covid-19.

Era seu aniversário, e ele agitava a bandeira por mais vacinas e auxílio emergencial à população. Pagou o preço por não ficar em cima do muro: passou a sofrer difamações e ouvir impropérios de estranhos. “Politicamente falando, ele é aquela pessoa que está no momento certo, no lugar certo. Quando o Brasil precisou, ele estava lá. E ainda está”, elogia a cantora Teresa Cristina.

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Desde que lançou Estorvo, em 1991 (embora tenha publicado Fazenda Modelo em 1974), Chico se reveza entre literatura e música. Mesmo que suas turnês sejam mais esparsas atualmente, o Show de Verão da Mangueira, em que aparece todo ano, é uma chance de vê-lo. O evento surgiu em 1998 para angariar fundos para o carnaval que se tornaria campeão daquele ano, com o enredo Chico Buarque da Mangueira. Como escritor, o artista também conquistou a crítica, tendo recebido três prêmios Jabuti, um Oceanos e um Camões, este o mais relevante da língua portuguesa.

Agora, prepara-se para lançar, em agosto, Bambino a Roma, autoficção inspirada nos dois anos da infância que passou com a família na cidade (à qual voltaria durante a ditadura). “A relação entre a literatura e a música está cada vez mais próxima para ele. É claro que a canção As Caravanas é parente dos dois últimos livros dele, Essa Gente e Anos de Chumbo e Outros Contos. O Chico faz uma profunda reflexão sobre o Brasil contemporâneo e sobre a cidade”, analisa Hugo Sukman. Vale visitar o seu Rio de Janeiro.

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A cidade em versos

Letras de Chico Buarque que cantam o Rio

As Caravanas

As Caravanas (Caravanas, 2017)

É um dia de real grandeza, tudo azul
Um mar turquesa à la Istambul enchendo os olhos
Um sol de torrar os miolos
Quando pinta em Copacabana
A caravana do Arará, do Caxangá, da Chatuba
A caravana do Irajá, o comboio da Penha

Futuros Amantes

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Futuros Amantes (Paratodos, 1993)

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Homenagem ao Malandro

Homenagem ao Malandro (Chico Buarque, 1978)

Eu fui fazer um samba em homenagem
À nata da malandragem
Que conheço de outros carnavais
Eu fui à Lapa e perdi a viagem
Que aquela tal malandragem
Não existe mais

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O mundo de Chico

Do Rio à França

Essa Gente

Chico nasceu no Catete e morou em Copacabana (onde, mesmo vivendo em São Paulo, passava seus verões), Jardim Botânico, Gávea e Leblon. Mas nem só de Zona Sul se faz sua cidade. Ele frequentou a casa de Pixinguinha, em Olaria, e por muitos anos participou de uma pelada em Madureira. Vez por outra, no entanto, dá suas escapadas da Cidade Maravilhosa. Passou a pandemia escrevendo Anos de Chumbo e Outros Contos em Itaipava, Petrópolis, onde tem casa, e, em 2021, casou-se em um cartório de lá com a advogada Carol Proner, trinta anos mais nova. Chico também possui um apartamento em Paris, na bela Île Saint-­Louis, onde passa temporadas.

Em 2019, ficou na Cidade Luz para se dedicar à literatura — solicitou, inclusive, um visto de longa duração. Em uma entrevista ao jornal francês Le Monde, em junho daquele ano, contou que em Paris sentia mais tranquilidade para circular e escrever, devido ao “clima de ódio que se espalhava pelo Brasil”. Apesar disso, garantiu, não tinha vontade de deixar seu lugar.

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“A cultura não tem o menor valor aos seus olhos (do governo Bolsonaro). Mesmo assim, eu quero continuar a viver no Brasil, não quero viver longe de meu país”, declarou. Em outubro, lançou Essa Gente, uma tragicomédia com traços autobiográficos sobre um escritor decadente que atravessa uma crise financeira e afetiva enquanto o Rio de Janeiro se encontra em colapso à sua volta. Com seus altos e baixos, o Rio é uma cidade que nunca deixou de amar.

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