“O momento é tenso”, diz o sherpa do Brics Mauricio Carvalho Lyrio
Negociador-chefe do Brics, o embaixador carioca fala sobre o legado que fica para a cidade com mais um encontro de lideranças internacionais no Rio

Em meio às negociações dos onze países emergentes que se encontrarão no Rio para a cúpula do Brics, um carioca ganha papel de destaque: o embaixador Mauricio Carvalho Lyrio atua como sherpa do Brasil, mesma função que assumiu nas reuniões do G20, realizadas na cidade em novembro de 2024. É dele a responsabilidade, junto a representantes de outras nações, de conduzir as discussões rumo à reunião internacional que tomará conta do Museu de Arte Moderna no domingo (6) e na segunda (7).
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Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente, Lyrio foi embaixador na Austrália (2021-2023) e no México (2018-2021), além de ter atuado na China, Argentina e nos Estados Unidos. Formado em Comunicação Social e mestre em Relações Internacionais, é autor de dois romances publicados pela Cia das Letras — Memória de Pedra e O Imortal —, “escritos em suas muitas horas de avião”, contou. De Brasília, onde se prepara junto ao presidente Lula para o Brics, ele conversou com VEJA RIO.
Qual a expectativa para a reunião? O momento é tenso no cenário internacional. Temos um bom número de confirmações, por isso esperamos uma presença forte de lideranças, mas tudo pode mudar. A aliança tem muitos países em regiões de conflito, como o Oriente Médio.
A guerra entre Irã e Israel aumenta a importância da reunião? É um quadro que não favorece acordos, fica mais difícil chegar a decisões coletivas. Enquanto deveríamos nos concentrar em temas acerca do desenvolvimento, estamos desviando verbas para o armamento. O orçamento das compras militares no ano passado chegou a 2,3 trilhões de dólares. A guerra é um ralo por onde escorrem os recursos. A mensagem é de que devemos investir na paz ó que sempre foi a posição do Brasil frente a conflitos.
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Quais temas tratados pelo grupo têm impacto direto na vida dos brasileiros? A saúde, pois além do risco de pandemias há também uma desestruturação das organizações por conta do problema orçamentário da OMS. Queremos aprofundar a cooperação entre as nações, o que será importante não só para os países do bloco, como para outros em desenvolvimento. Vamos lançar uma parceria para a erradicação de doenças ligadas à pobreza e outras doenças tropicais que são negligenciadas, como dengue e zika. Também queremos juntar esforços para ter uma COP30 bem-sucedida em novembro, bem como criar uma negociação sobre inteligência artificial.
Como seria? Essa é uma realidade dos tempos modernos, mas existem questões e não temos uma estrutura de governança hoje para lidar com isso. Queremos aproveitar as ferramentas para superar desafios de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, atenuar riscos, como desemprego, uso em conflitos militares e desinformação.
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Como disse o presidente Lula, estamos em busca de resultados que façam a diferença de forma concreta. Mas o Brics já foi criticado por pensar muito e fazer pouco… Sim, precisamos de cúpulas mais pragmáticas e a condução da presidência brasileira, que fica até dezembro na presidência, é justamente neste sentido.
Quais as suas funções como sherpa? Os sherpas são um grupo étnico do Tibete, que migrou para o Himalaia, e é conhecido por auxiliar nas expedições de alpinistas. Em reuniões internacionais, trata-se desta figura que orienta as lideranças até o ponto mais alto, que seriam as cúpulas.
Antes do Brics, o Rio recebeu o G20. O que contribui para a cidade ser palco destes importantes encontros? O Rio é a cidade brasileira mais conhecida internacionalmente, por sua beleza e condição histórica de ex-capital. Isso sem falar na forte estrutura hoteleira e malha aérea, com muitos voos internacionais. Também já provamos organização e segurança em grandes eventos. Nestas cúpulas, sempre há interesse em receber o maior número de líderes e temos uma grande capacidade de atração.
Os chefes de Estado conseguem aproveitar a estadia? Claro, basta ver o presidente da França Emmanuel Macron correndo na orla de Copacabana durante o G20. Também recebemos ministros e autoridades que fazem questão de conhecer os cartões-postais. Esse tempo é crucial dentro das agendas.
Como a sociedade civil fluminense estará presente nas discussões? Essa foi uma orientação clara do governo. Em abril, fizemos pela primeira vez uma reunião de sherpas no Palácio Itamaraty, no Rio, e ouvimos treze representantes de diferentes setores. Foi a partir destas sugestões que preparamos as declarações e decisões dos presidentes. Nos encontros, teremos presentes ainda pessoas do segmento empresarial e de movimentos sociais.
Qual legado ficará para o Rio? Lembra da foto dos presidentes durante o G20, no Museu de Arte Moderna, com o Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara ao fundo? Ela apareceu em todos os maiores jornais do mundo. Isso solidifica a imagem da cidade, que já está associada a grandes causas internacionais no mundo diplomático. Fizemos aqui a Rio-92, a Rio+20, o G20 e agora o Brics, todas iniciativas voltadas para o desenvolvimento e a sustentabilidade.
O que você não deixa de fazer quando está por aqui? Jantar com a minha família e me exercitar na orla. Já corri em vários lugares do mundo, mas não existe cenário mais belo do que Ipanema e Leblon.