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Nísia Trindade leva bagagem de 35 anos na Fiocruz ao Ministério da Saúde

Mestre em ciência política e doutora em sociologia, carioca liderou uma cruzada no combate à pandemia e se tornou a primeira mulher à frente da pasta

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 23 jan 2023, 13h09 - Publicado em 19 jan 2023, 19h00
Primeiras medidas: suspensão de portarias “anticiência” do governo Bolsonaro
Primeiras medidas: suspensão de portarias “anticiência” do governo Bolsonaro - (Julia Prado/Ministério da Saúde/Divulgação)
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O ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, figura conhecida pelas assertivas considerações acerca dos mais intricados cenários globais, já dizia que “a política é a arte da negociação”. A frase ganha ainda mais valor nos dias de hoje, quando os embates não raro são tomados por um surto de intolerância e incapacidade de dialogar. Por isso são bem bem-vindos à arena brasileira quadros aos quais são atribuídas essa habilidade, caso da carioca Nísia Trindade Lima, 65 anos, que chegou ao comando do Ministério da Saúde por um misto de saber técnico e reconhecida tarimba nas costuras de bastidores. Na pandemia, à frente da Fiocruz, ela articulou a parceria com a farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford que possibilitou a produção de vacinas em solo nacional — desde 2021, mais de 180 milhões de doses foram disponibilizadas à população. Não foi fácil, sobretudo num momento em que o governo federal freava iniciativas do gênero, mas seguiu adiante. “Sempre incentivei uma gestão interna participativa, abrindo a conversa com a sociedade, com os poderes da República e o setor privado”, afirma.

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Mestre em ciência política e doutora em sociologia, Nísia percorreu uma longa trilha na Fiocruz, onde ingressou como pesquisadora, em 1987, e foi escalando na hierarquia, até alcançar a presidência, em 2017. Aos 29 anos, recém-separada e cuidando praticamente sozinha dos dois filhos pequenos, despontava na carreira acadêmica. “Eu a considerava muito jovem, mas já era centrada, com uma experiência de vida e uma visão dos problemas da sociedade que chamavam a atenção”, lembra Vânia Buchmuller, chefe de gabinete de Farmanguinhos, na Fiocruz. “Ela sempre soube separar bem a vida na academia do trabalho na Fiocruz”, ressalta Maria Alice Rezende de Carvalho, atualmente no departamento de ciên­cias sociais da PUC-Rio, que orientou Nísia no doutorado. “Não posso nem dizer que a orientei. Ela sempre teve uma noção muito clara do que queria”, avalia a professora.

Longa trilha: registros da pesquisadora em 2004 (acima) e durante a pandemia (à esq.) na Fiocruz, onde ingressou em 1987 até alcançar a presidência, trinta anos depois -
Longa trilha: registros da pesquisadora em 2004 (acima) e durante a pandemia (à esq.) na Fiocruz, onde ingressou em 1987 até alcançar a presidência, trinta anos depois – (@oficialfiocruz/Facebook; Roberto Jesus Oscar/Fiocruz; @oficialfiocruz/Facebook)

Já na largada, em seu novo papel na Esplanada, Nísia revogou portarias instituídas no governo Bolsonaro que classificava como anticiência e anunciou a criação de departamentos voltados para vacinação, tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, saúde mental e enfrentamento do uso excessivo de álcool e outras drogas. Promessa de campanha de Lula, zerar a fila do SUS será um dos grandes gargalos a ser enfrentado. “Nos últimos anos, diversas políticas públicas tiveram retrocesso num país que é historicamente marcado pela desigualdade — e o SUS é uma delas”, pontuou Nísia no fim de dezembro, ao entregar o relatório final da transição, processo do qual participou. Não é o único nó no horizonte. Estudos de universidades públicas do Nordeste, Sul e Sudeste mostram que a imunização contra a poliomielite atingiu o menor patamar em dez anos, e os epidemiologistas temem que esse baixo índice de vacinação faça com que o vírus da paralisia infantil, cuja erradicação no Brasil foi reconhecida pela OMS em 1994, volte a circular por aqui.

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Pessoas do círculo próximo da nova ministra elencam a persistência como uma de suas qualidades mais visíveis. “Nísia tem uma capacidade de entrega extraordinária e, em sua equipe, todos tendem a seguir o exemplo e trabalhar duro. Ela é firme e doce ao mesmo tempo”, descreve Cristiani Machado, vice-pre­sidente de educação, informação e comunicação da Fiocruz. Pois a cientista tem lá suas estratégias para suavizar a pesada rotina, como o hábito de escutar música clássica e MPB, trilha sonora frequente em seu apartamento de Copacabana, e o de caminhar pelo Jardim Botânico sem olhar o relógio. Mesmo de mudança para Brasília, Nísia pretende vir ao Rio com regularidade, para matar a saudade dos filhos, do neto e dos amigos, com os quais costuma alimentar elos profundos. “Quando minha filha tinha uns 7 anos, se deu conta de que não tinha padrinhos oficiais. Eu e minha esposa sugerimos então que escolhesse uma madrinha e, sem pestanejar, ela elegeu a Nísia, que está sempre presente”, conta o pesquisador Gilberto Hoch­man, da Casa de Oswaldo Cruz.

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Nascida no Catete e criada em Vila Isabel, Nísia sempre foi leitora voraz. Não à toa, sua premiada tese de doutorado parte do clássico Os Sertões, de Euclides da Cunha, para propor um paralelo entre história, literatura e as diferentes representações de Brasil. Esse trabalho se converteu em um dos principais estudos da área que se convencionou chamar de pensamento social brasileiro. “Nísia combina experiências teó­ricas e práticas na mesma medida e é uma profunda conhecedora das desigualdades do país, fundamental para pensar políticas públicas”, analisa André Botelho, professor de sociologia da UFRJ. Não será nada fácil. O governo Bolsonaro enviou ao Congresso proposta para tosar quase à metade o orçamento da Saúde — uma área que, se Nísia conseguir arrumar, deixará uma contribuição de valor incalculável.

DO RIO PARA BRASÍLIA
Além de Nísia Trindade, exemplos de outros ministros de Lula que vêm de solo fluminense

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Anielle Franco
(May Donaria/Divulgação)

Anielle Franco
Igualdade Racial

Ao fundar o Instituto Marielle Franco, a irmã da vereadora, assassinada em 2018, transformou dor em ativismo. A jornalista, atleta de vôlei e professora de inglês de 37 anos se orgulha em dizer que é “cria da favela da Maré”. Já na primeira semana de trabalho no novo cargo, após a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmar ter dificuldades de montar uma equipe diversa, Anielle entregou à ex-senadora uma lista de currículos de mulheres negras aptas a exercer funções na pasta.

Mauro Vieira
(Alessandro Dantas/Divulgação)
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Mauro Vieira
Relações Exteriores

O advogado e diplomata de 71 anos contabiliza mais de quatro décadas de experiência no Itamaraty e acaba de retornar ao cargo do qual foi exonerado após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Atuou, até o fim do ano passado, como embaixador na Croácia e chefiou equipes diplomáticas na Argentina, nos Estados Unidos e na ONU. O novo chanceler terá o desafio de aproximar o Brasil de países da América Latina, fortalecer laços com americanos e chineses e destravar importantes acordos comerciais com a União Europeia.

Esther Dweck
(Felipe L. Gonçalves/Brasil247/Divulgação)

Esther Dweck
Gestão da Inovação em Serviços Públicos

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Economista e professora da UFRJ, será responsável pela recém-criada pasta, derivada do Ministério da Economia, que funcionará como uma espécie de RH do Estado. Suas principais atribuições serão comandar a conversão digital em empresas públicas e orientar a governança corporativa em estatais. Ligada ao PT e respeitada entre colegas, Dweck, que já foi assessora econômica e secretária de Orçamento Federal nos governos de Dilma Rousseff, é considerada uma escolha técnica do governo.

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