Ney Matogrosso tem romances retratados no filme ‘Homem com H’

Aos 83 anos, cantor, que segue na ativa com impressionante vitalidade, é tema de longa-metragem que estreia nos cinemas em 1º de maio

Por Kamille Viola
25 abr 2025, 08h20
Jesuíta Barbosa é o protagonista de "Homem com H", filme sobre Ney Matogrosso
Homem com H: cinebiografia sobre Ney Matogrosso estreia dia 1º de maio e tem Jesuíta Barbosa no papel de protagonista (Marina Vancini/Divulgação)
Continua após publicidade

Desde 1971, ele encanta plateias com performances enérgicas e a voz inigualável. Um dos grandes intérpretes da música brasileira, ele foi resistência durante a ditadura com sua atitude transgressora, e segue desafiando preconceitos e derrubando hipocrisias. Avassalador sob os holofotes, Ney Matogrosso terá sua intimidade revelada na cinebiografia Homem com H, com o ator Jesuíta Barbosa no papel do protagonista, que chega dia 1º de maio aos cinemas. “O Ney é esse acontecimento no palco, mas, no filme, você pega na mão dele e volta para casa com ele. Acho que as pessoas são curiosas para conhecer mais sobre esse outro lado”, acredita o diretor Esmir Esmir Filho, que também assina o roteiro.

+Dupla americana The Driver Era traz sua nova turnê ao Rio

Com um recorte emocional, a trama acompanha o artista desde sua infância, em 1949 (ele nasceu em 1941), e os primeiros embates com o pai, o sargento da aeronáutica Antonio Matto Grosso Pereira, até 1993, quatro anos depois da sua morte. Uma das fontes de pesquisa foi a autobiografia Vira-Lata de Raça (ed. Tordesilhas), organizada por Ramon Nunes Mello, e o próprio cantor atuou como consultor do longa e acompanhou as gravações, que tiveram início em janeiro de 2024. 

 +Agenda de shows da semana vai de Raça Negra a Diogo Defante

A história parte da ausência de afeto do pai na infância e adolescência para mostrar como o cantor lidou com os sentimentos ao longo da vida. Os relacionamentos mais importantes do artista, além de outros casos menos conhecidos do público, também são retratados. “Eu queria tratar desse tema, mas com delicadeza, com sutileza. Não tem aquele filme Na Cama Com Madonna? Eu brinco que ele podia se chamar Na Cama Com Ney”, diz o cineasta. Um dos momentos mais marcantes dos bastidores das gravações tem a ver com o casamento com o médico Marco de Maria, com quem Ney ficou por treze anos, até a morte dele, em 1990. Em uma cena, o cantor dizia ao companheiro que não entendia por que o exame de HIV dele tinha dado negativo, e Marco perguntava se o companheiro ficaria com ele “magro, feio, com cabelo caindo, manchas pelo corpo” — antes da evolução do tratamento, os pacientes com o vírus tinham muitas sequelas visíveis da Aids. Ney, que estava presente no set, chorou copiosamente, e todo mundo se emocionou. “No fim da cena, os olhos do Ney, as palavras dele e a atitude extremamente carinhosa e generosa comigo e o Jesuíta foram dos presentes mais bonitos que recebi nessa carreira”, derrete-se o ator Bruno Montaleone, que interpreta Marco de Maria no filme.

Continua após a publicidade

+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui

Como Ney passou a maior parte de sua vida no Rio, a cidade é o cenário de muitos desses amores. Nascido em Bela Vista (MS), ele veio morar ainda criança no Rio, junto com o pai, que fora transferido para cá. Aos 21 anos, em 1961, se mudou para Brasília, onde trabalhou como técnico de patologia no Hospital Distrital, atual Hospital de Base, e lá começou a cantar. Em 1966, voltou para o Rio e, em 1971, já em São Paulo, entrou para o grupo Secos & Molhados, adotando o nome artístico de Ney Matogrosso. Com o fim do grupo, em 1975 ele retorna novamente para o Rio, onde vive até hoje, inclusive na mesma rua do Leblon. Foi prestando o serviço militar obrigatório na força aérea na cidade, aos 17 anos, que viveu seu primeiro amor, “quase platônico”: um outro recruta a quem beijou somente uma vez. “O filme mostra que a gente cria o espaço do nosso afeto, mesmo em um ambiente autoritário, preconceituoso”, pontua Esmir Filho. As filmagens aconteceram no Museu Aeroespacial, no Campo dos Afonsos, na Zona Oeste do Rio, com aviões de época, já que a história em questão se passa em 1959.

+Nova mostra no CCBB destaca artistas visuais negros, indígenas e LGBT+

Continua após a publicidade

Outras regiões da cidade também serviram de locação para os romances de Ney. No Bairro Peixoto, foram feitas as cenas que se passam na rua Carlos Góis, no Leblon, em 1976, já que o sub-bairro de Copacabana preserva um ar daquela época. Ney namorava Regina Chaves, do grupo As Frenéticas (vivida no filme por Lara Tremouroux), e os dois moravam com Luizinho (Bruno Parmera), que era seu secretário e amigo. “Ele sempre conta a história desse apartamento ‘onde muitas coisas aconteceram’ e dá aquela risada”, diverte-se o roteirista e diretor do longa. Era um período muito sexual de sua vida — ele contou em entrevista a VEJA que olhava para a plateia e desenvolvia uma relação “quase sexual” com ela. “Tinha vontade de transar com toda aquela gente”, disse. No filme, isso é retratado em um plano-sequência que mostra ele voltando para casa, e cada esquina em que ele vai passando, entrando no apartamento, depois no quarto, vai mudando a pessoa. “A gente mostra muitas noites de loucura, de prazer que ele viveu na Carlos Góis”, adianta Esmir Filho.

+Espaço Sérgio Porto recebe espetáculo de dança Novo Fluxo, da Cia Híbrida

Na Arpoador, foi recriado o momento em que Ney e Cazuza (outro grande amor do cantor, interpretado por Jullio Reis) se conhecem na praia. Para evocar o clima de 1979, foi preciso realizar uma extensa pesquisa de elenco, para encontrar figurantes com corpos  “naturalmente magros”, como era comum na Zona Sul carioca no período. Além disso, carros antigos foram estacionados na calçada. E, se o filme em geral tem uma estética mais livre com a câmera, nesse momento ele traz quadros mais fixos, que recriam imagens feitas por Alair Gomes, pioneiro da fotografia homoerótica no Brasil: ele registrava corpos masculinos da janela de seu apartamento, em Ipanema. Para além dos cenários, o longa traz outras referências que faziam parte do universo de Ney, como os livros do escritor Caio Fernando Abreu (de quem Cazuza era amigo), por exemplo. Homem com H também fala sobre como é ser um homem que se relaciona com outros homens no Brasil dos anos 1940 aos 1990. “Nem dá para enquadrar o Ney em algum rótulo, porque ele não gosta de se enquadrar em nada. Eu acho que o que as pessoas verão na tela é a vida de um artista em descoberta da sua sexualidade atravessando os tempos”, arrisca o diretor do longa.

Continua após a publicidade

+Contagem regressiva: Rio recebe o maior show da carreira de Lady Gaga

Ney segue em atividade com impressionante vitalidade. Recentemente, viralizou um vídeo dele saltando no palco com a legenda: “Como está seu joelho aos 23? O dele está assim, aos 83”. Autor da biografia publicada pela Companhia das Letras, o jornalista Julio Maria credita parte dessa boa forma à genética. Ele conheceu o irmão mais velho do artista, Gay de Souza Pereira (Ney é o segundo de cinco filhos, três homens e duas mulheres) e Beíta de Souza Pereira, a mãe, hoje com 102 anos e vivendo com o filho famoso. A outra parte, no entanto, deve-se à disciplina do artista, que não bebe, se alimenta de forma saudável, dorme cedo, faz exercícios diariamente e tem uma fonoaudióloga que o acompanha. “O tempo já podia ter minado a relevância dele, mas o Ney não vive do próprio passado. Está sempre envolvido com algum projeto novo, dele ou de alguém. Não envelhece nem no corpo, nem na ideia”, vaticina o biógrafo. Para Bruno Montaleone, a importância do cantor vai além da grandiosidade de sua carreira artística. “Mais do que um ícone da nossa cultura, ele é um homem à frente do seu tempo, livre, autêntico e consciente desde sempre, inclusive do real significado da palavra ‘resistência’”, argumenta. O público pede bis.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Assinantes da cidade do RJ

A partir de 35,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.