Livro (de ouro) aberto: a História atrás de histórias do Copacabana Palace
VEJA RIO teve acesso na íntegra aos registros dos hóspedes do centenário hotel, preciosidade que promove um passeio pela memória do poder e de celebridades
“Se estas paredes (tetos, cadeiras, camas) falassem, quantas coisas maravilhosas e terríveis contariam.” Registrada pelo escritor peruano Mario Vargas Llosa, vencedor do Nobel de Literatura, no precioso livro de ouro do Copacabana Palace, em 1997, a dedicatória evoca a curiosidade e dá a dimensão de quanto aqueles luxuosos salões guardam de história. O imponente edifício no número 1702 da Avenida Atlântica, inaugurado em agosto de 1923 pela família Guinle a pedido do então presidente Epitácio Pessoa, hospedou um infindável e variado rol de autoridades e celebridades mundiais ao longo dos últimos 100 anos, data redonda celebrada neste mês e que faz reavivar memórias como a daquele singelo guardanapo do restaurante do hotel no qual Walt Disney (1901-1966) começou a rascunhar o primeiro esboço do Zé Carioca, o carismático papagaio de terno e gravata que apresentou a cachaça ao Pato Donald e se tornou o brasileiríssimo e divertido personagem. Seu criador desembarcou no Rio em agosto de 1941 para lançar a animação Fantasia e ocupou uma das elegantes suítes do Copa. Aproveitou para visitar a quadra da Portela e degustar uma boa caipirinha.
Como tantos ilustres hóspedes, Disney foi convidado a cravar sua inconfundível assinatura no caderno com capa de couro marrom, decorado com arabescos e inscrições douradas, que hoje é tratado como uma espécie de joia rara pelos funcionários do cinco-estrelas, que tomou inspiração de icônicos hotéis que enfeitam a francesa Côte d’Azur, como o Negresco, de Nice. “É, sem dúvida, um dos itens mais especiais que temos por aqui”, define o gerente-geral Ulisses Marreiros, à frente da administração do complexo com 239 quartos frequentados por 85 000 hóspedes no ano passado. “No livro, temos o registro da passagem de personalidades do mundo todo que cruzaram nossa porta giratória”, diz.
VEJA RIO teve acesso à íntegra do exemplar fabricado sob encomenda pela antiga Papelaria União. Com 400 páginas, 338 já preenchidas, o caderno de assinaturas dos hóspedes do Copa recebe tratamento especial à altura de seu valor histórico. Ele fica guardado em uma sala monitorada por câmeras, dentro de um cofre. Só quem tem a chave, assim como a senha, é o chefe da segurança, que precisa ser acionado para liberá-lo. O livro, que pesa 4 quilos, é acomodado no interior de uma maleta de metal prateada, forrada com espuma e feltro, e só pode ser manuseado com luvas brancas de algodão, para evitar danos. “É realmente um documento de grande relevância não só para a história do Rio, como para a do Brasil. Cada personalidade que deixou seu nome por lá demonstra um pouco da amplitude que o Copacabana Palace alcançou”, avalia o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti.
Pelo menos cinco presidentes brasileiros constam na publicação, a começar por Washington Luís (1869-1957), protagonista de um dos primeiros escândalos políticos sob o teto do Copa. O governante quase morreu ao levar um tiro da amante após uma briga ali dentro, em 1928, bem no meio de seu mandato. Socorrido com toda a discrição pelo empresário Octávio Guinle, dono do hotel, foi conduzido à Casa de Saúde Pedro Ernesto e operado de emergência. O real motivo da internação acabou abafado pela versão de que tudo não passara de uma crise de apendicite. Às assinaturas de autoridades brasileiras como ele, juntam-se rubricas, comentários, dedicatórias (e mais histórias) de dezenas de chefes de Estado de todos os continentes, além de incontáveis nomes de diversos setores — cinema, música, literatura, moda, artes, esporte e ciências, como o pai da aviação Santos Dumont, que inaugurou uma das primeiras páginas do livro de ouro, no mesmo atribulado ano de 1928.
O que pouca gente sabe é que tal preciosidade foi dada como perdida entre 1946 e 1965, período em que seria substituída por outro exemplar de capa esverdeada, onde marcaram presença hollywoodianos como Ava Gardner, John Wayne e Kirk Douglas. Ninguém sabe ao certo onde estava o volume original, presente no Copa desde sua inauguração. Um dia, misteriosamente, reapareceu. Notícia a ser celebrada, uma vez que ajuda a recontar a saga do hotel que foi um marco na paisagem do bairro, contribuindo para a ocupação de toda a região e, mais tarde, para a projeção internacional do Rio. Comprado em 1989 pelo grupo Orient-Express, que virou a rede Belmond e mais tarde foi arrematada pelo grupo francês LVMH, o Copa acabou por se tornar muito além de um local para pernoitar, segundo os próprios hóspedes. “Più bello del mondo”, escreveu Sophia Loren, alçando-o ao topo dos mais belos. Outros predicados lhe foram concedidos pelo cantor Tony Bennett, que disse ser seu “hotel favorito do mundo”, e a modelo Kate Moss, que o classificou como “paraíso na terra”. Para a atriz Emma Thompson, os dias passados por lá representaram “uma memória que nunca vai me deixar”.
Após lançar o filme O Exterminador do Futuro — Gênesis no Brasil, em 2015, Arnold Schwarzenegger registrou no valioso caderno uma das frases mais conhecidas do cinema: “I’ll be back” (eu voltarei). Nos diversos idiomas, junto a imagens e desenhos que acompanham nomes estelares que circularam por ali em tempos distintos, as ilustres assinaturas do livro de ouro do Copacabana Palace ajudam a recriar não apenas o que se passou naquelas faustosas dependências, mas na própria trajetória do país desde a longínqua década de 1920. São curiosidades e memórias que tornam a festa do centenário do grande hotel ainda mais divertida.
Acesso de fúria
Aos 26 anos, Orson Welles (1915-1985), que havia acabado de lançar Cidadão Kane, obra-prima do cinema, morou por seis meses no Copa, em 1942, para dirigir um filme nunca finalizado. Tinha até título: É Tudo Verdade, composto de quatro histórias sobre a cultura e a diversidade étnica do continente americano — uma delas passada no Carnaval carioca. Insatisfeito com os rumos que a produtora RKO queria dar ao projeto e depois de uma inflamada briga com a namorada, uma atriz mexicana, o cineasta tomou-se de fúria e jogou louças e a máquina de escrever pela janela de sua suíte num fim de tarde.
Confusão no baile
Cenário de Flying Down To Rio, primeiro filme da dupla Fred Astaire (1899-1987) e Ginger Rogers (1911-1995), o hotel era também tema central do enredo. A película abordava supostos problemas enfrentados por seu fundador, Octávio Guinle. Mas não há registros das duas estrelas por lá naquele ano de 1933 — eles filmaram tudo num estúdio em Hollywood, à exceção das tomadas de fundo. Ginger, porém, ocupou uma suíte em 1955, para aproveitar o Carnaval carioca, e ali protagonizou alguns barracos com o marido, o jovem ator Jacques Bergerac, nos memoráveis bailes do Copa. O casal acabou voltando mais cedo para os Estados Unidos.
Show de bola
Em 1977, Rod Stewart, fanático por futebol, encantou-se pelo talento de um peladeiro anônimo que viu jogar na praia e o convidou para uma partida para lá de sui generis, na suíte presidencial. Após quebrarem alguns objetos, o astro pop foi convidado a se retirar do hotel. “Ele saiu sem problema algum. Pediu desculpas, foi extremamente bem-educado”, lembrou o então diretor-geral, José Eduardo Guinle , já falecido. Em 2015, Rod regressou para um jantar no Cipriani e foi recebido de braços abertos. “Tão bom estar de volta ao Palácio”, derreteu-se no livro de ouro. O capítulo de hóspedes problemáticos, e também expulsos, conta ainda com Justin Bieber.
Terapia na praia
Em 30 de novembro de 1954, Carmen Miranda (1909-1955), já consagrada internacionalmente, retornou ao Brasil após catorze anos. Viciada em álcool e remédios, a cantora veio para um período de desintoxicação e, por quatro meses, recebeu tratamento médico hospedada no melhor hotel da orla. Reza a lenda que a Pequena Notável pensou em cometer suicídio, mas desistiu depois de admirar a bela vista do mar pela janela de sua confortável suíte. Foi sua última visita ao país. Não muito tempo depois, nos Estados Unidos, ela teve um ataque cardíaco e faleceu, em agosto de 1955, aos 46 anos.
Cada mergulho um flash
Oito meses antes de morrer de overdose, aos 27 anos, a cantora americana Janis Joplin (1945-1970) esteve hospedada no Copa para um período de desintoxicação. Era véspera do Carnaval de 1970, e ela resolveu nadar nua na piscina. Duas décadas depois, foi a vez de Diana (1961-1997) pedir privacidade para um mergulhinho noturno. “As luzes da piscina foram apagadas para ela nadar, de madrugada”, conta Cassiano. Mesmo assim, a princesa seria flagrada por um paparazzo. Anos mais tarde, em 1996, foi inaugurada a black pool, de fundo preto e exclusiva para hóspedes do 6º andar, que afastou as curiosas lentes de famosos que queriam dar suas braçadas em paz.
Sente a maresia
“Bob abriu a porta com um grande sorriso, um bandolim nas mãos e um cheiro forte de maconha.” A cena, narrada com riqueza de detalhes no site da seleção de futebol da Jamaica, ocorreu em março de 1980, no Copacabana Palace. Consta ainda que algumas das músicas das lendárias bedroom tapes, fitas inéditas descobertas após a morte do ídolo do reggae Bob Marley (1945-1981), foram criadas numa das suítes. “A modelo Bárbara Fialho, que foi casada com Rohan, um dos filhos de Bob, contou que Pray for Me era uma delas”, atesta Cassiano Vitorino, gerente de comunicação do Belmond Brasil. Ele já havia sido diagnosticado com câncer quando a compôs. Faleceu em maio do ano seguinte.
Copa e cozinha
Carla Camurati talvez seja dona das mais doces lembranças do Copa. A atriz e diretora de 62 anos passou a infância entre éclairs, tortas e frutas frescas cobertas por marzipã, pois seu avô, Enrico, era confeiteiro do hotel e a levava para passar os domingos por lá. Mais tarde, gravou ali cenas do filme Copacabana, de 2001. “O Copa tem sido, ao longo da minha vida, um lugar que só trouxe alegrias. Desde pequena, saracoteando pela cozinha com meu avô, até hoje, realizando meu filme. Gosto muito de estar aqui”, declarou-se no livro de ouro, com direito a um autorretrato.
Festinhas (nada) privadas
Hóspedes de carteirinha, os Rolling Stones garantiram três páginas no livro de ouro — em 1998, 2006, 2016. Na primeira década dos anos 2000, Mick Jagger e companhia foram anfitriões de uma festa que reuniu mais de 1 milhão de pessoas. O show que deram na praia é tido como o maior da carreira da banda, com direito à passarela ligando o hotel ao palco. Uma década depois, foi uma after party reservada, após uma apresentação no Maracanã, que fez história por ali. O passe era um adesivo com a icônica boca dando língua, a marca dos Stones. No mesmo ano, o Coldplay também embalou uma comentada festinha fechada a vips no Mee, o restaurante asiático do Copa.
Um Taj Mahal para chamar de seu
O artista que transformou em música um suntuoso mausoléu em mármore branco, o Taj Mahal, escolheu um hotel imponente como um palácio para viver neste país tropical. Jorge Ben Jor é atualmente o único morador do Copacabana Palace. Ele se mudou depois de ter parte da casa em que morava destruída por um temporal, pouco antes da pandemia — período, aliás, no qual reinou absoluto naquele território, que dividia somente com uma administradora. “Fiquei um ano e meio sem ir à rua”, contou ele a Washington Olivetto no podcast W/ Cast. De lá para cá, compôs algumas canções, inclusive uma sobre Copacabana, e até deu canjas em eventos que aconteciam por lá.
A vida vem em ondas
Último romântico assumido, Lulu Santos abriu as janelas de um Copacabana Palace vazio no Dia dos Namorados de 2020, quando o hotel fechou suas portas pela primeira e única vez na história, por 132 dias, durante a pandemia. Ali, ele transmitiu uma live pelo YouTube. “A ideia foi dele, que viu a oportunidade de fazer uma apresentação de forma segura, pois todos os envolvidos haviam se submetido a testes para Covid e cada integrante de sua banda tocou num quarto”, lembra Cassiano. Na ocasião, Lulu deixou no livro de ouro um verso seu ainda mais cheio de significado naquele momento: “A vida vem em ondas como um mar (em Copacabana)”. Foi o último registro até o fim do fatídico período pandêmico.
Um ano de festas
As novidades que marcam os 100 anos do Copa
No ano do centenário, as comemorações começaram bem antes da data oficial que marca o centenário do Copa, em 13 de agosto. A fachada do hotel já voltou a ser mais clara, toda no mesmo tom perolado da construção original, e ganhou um novíssimo sistema de iluminação — uma recauchutada para emoldurar a superfesta planejada para o dia 26, anunciada como o Show do Século. A estrela será o DJ Alok, que subirá em uma plataforma giratória de 360 graus para poder ser visto de toda a Praia de Copacabana, a 26 metros de altura (acima dos postes de iluminação da orla, que chegam a 20 metros). A expectativa é reunir mais de 1 milhão de pessoas.
Durante todo o mês, o reformado teatro do hotel, onde Fernanda Montenegro estreou em 1950, exibe a segunda temporada de Copacabana Palace, o Musical. Quem for assistir poderá ver de perto o recém-renovado Hall da Fama, com a exposição permanente de fotos de chefes de Estado e celebridades como Nelson Mandela e a princesa Diana, também presentes no livro de ouro, e a famosa piscina (aquela em que Janis nadou como veio ao mundo), que teve seu entorno todo repaginado. Guarda-sóis e espreguiçadeiras em tecidos personalizados, inspirados na era áurea do hotel, conferem elegância à icônica pérgola. Como se vê, o Copa completa 100 anos com um olho no passado e o outro firme no futuro.