Julia Lemmertz: “Não aguento ficar quieta”
Após rodar o Brasil com apresentações gratuitas, a atriz e grande elenco estreiam o espetáculo teatral 'Os Mambembes' no Rio

Depois de estrelar as séries No Ano Que Vem, do Canal Brasil, e Justiça 2, da Globoplay, Julia Lemmertz passou o final de 2024 viajando com os amigos. Mas não foram férias: ela esteve em turnê com o espetáculo Os Mambembes, adaptação da comédia clássica de Artur Azevedo, de 1904, que conta a história de uma trupe de artistas que roda pelo Brasil.
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A vida imita a arte e junto com Cláudia Abreu, Deborah Evelyn, Leandro Santanna, Orã Figueiredo, Paulo Betti e o músico Caio Padilha, Julia embarcou em um ônibus que passou por cidades do Maranhão, Pará, Espírito Santo e de Minas Gerais. As apresentações aconteciam na rua, muitas vezes para pessoas que nunca haviam ido ao teatro.
Agora o espetáculo chega ao Rio, a partir de quinta (15), no Teatro Casa Grande, em uma temporada que segue até o final de junho. Em entrevista a VEJA RIO, a atriz porto-alegrense de 62 anos contou sobre a sua preparação, falou de representatividade em papéis para a sua idade e mostrou o lado ativista ao fazer oposição ao corte de árvores previsto durante as obras de revitalização do Jardim de Alah. “Vou morrer lutando”, garantiu.
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Como foi viver a experiência de viajar com uma companhia teatral? O perrengue fica muito mais divertido. Voltar para esse lugar de grupo é como renovar os votos com a profssão. Estar em coletivo, ainda mais viajando de ônibus, ficando apenas uma noite em cada cidade, te obriga a fazer de tudo um pouco.
De que forma se prepararam para fazer um espetáculo na rua? Ensaiamos debaixo de um viaduto no Sambódromo, para ter noção de como seria. Era muito calor e barulho, moto passando, sirene de ambulância… Depois disso, sabia que daríamos conta de fazer em qualquer lugar.
Encerrar o contrato com a Globo te deu mais liberdade para investir em projetos como esse? Fiquei quase 30 anos na Globo e nunca deixei de fazer teatro. Era um corre-corre, e sei que não é todo mundo que eles permitem que faça isso. O mais difícil era conciliar com cinema, que exige mais tempo fora.
O cinema foi a sua escola? As pessoas tem mania de dizer que minha carreira começou no cinema, mas não é verdade. Só tapei um buraco em um flme quando era criança. Sou flha de atores de teatro, cresci nas coxias. Mas quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescer, não dizia atriz. Sonhava em ser veterinária, fonoaudióloga ou oceanógrafa. Quando pintou a possibilidade de trabalho numa novela na Band, em 1981, decidi testar e peguei todo mundo de surpresa. É como falamos na peça: ser artista é uma sina, é um destino.
Muita coisa mudou depois de fazer 60 anos? Essa é uma fase interessante da vida, você não se preocupa com nenhuma bobagem. Mas sinto falta de histórias interessantes que retratem essas mulheres potentes, falem sobre assuntos como menopausa. Estou em uma lacuna: com 40 anos já era mãe de homens muito mais velhos na fcção, agora ainda não sou velhinha o sufciente para fazer uma avó. Onde estão estas personagens?
O que pensa sobre essa febre de procedimentos estéticos? Quando trabalhamos com imagem, queremos fcar bonitos, ter uma pele boa, mas chega uma hora que não há mais o que fazer. De quê adianta fcar esticando a cara e o resto do corpo? Tem que malhar muito para criar massa muscular nessa idade, tomar suplemento, comer proteína, vira uma loucura. Você acaba infeliz porque não vai mais atingir aquele ideal da juventude.
Você se considera vaidosa? Não posso ser vaidosa enquanto atriz para poder interpretar mulheres reais. Em Justiça 2, me livrei de qualquer vaidade ao fazer uma mulher com baixa autoestima. Daí acaba que, na vida real, muitas vezes tenho que lembrar que sou uma pessoa pública e não posso andar descabelada por aí.
Depois de 20 anos juntos, você e o Alexandre Borges mantêm hoje uma relação de amizade. Como construíram isso depois da separação? Tempo, minha flha. Separar depois de décadas juntos é como pular de um avião em movimento. Mas fico feliz em ver que nosso amor se transformou. Temos uma conexão eterna, não só pelo Miguel, nosso flho, mas por tudo que passamos juntos.
Tem vontade de encontrar um novo amor? Não, estou bem assim. Não vou me casar nunca mais. Prezo muito a minha liberdade. Talvez um namoro, mas não tenho a manha do sexo casual. Não é para mim, ainda mais nessa altura do campeonato.
Como se sente em relação à segurança com a escalada da violência na cidade? Tenho medo de usar o celular na rua, de passar em alguns lugares de noite. Sofro tabém com a truculência da polícia matando inocentes nas favelas. … uma violência contra a população travestida de violência contra o crime. Quando você vê uma série como Vale o Escrito, entende que o Rio de Janeiro é tomado pela milícia. E eu aqui brigando pelas árvores do Jardim de Alah, coitada de mim…
A questão ambiental se tornou missão para você? Tenho um neto de 8 anos e penso muito no mundo que vai fcar para ele. A humanidade está retrocedendo, foi criado um sistema que promove a desinformação para se retroalimentar. Durante as nossas viagens, passamos por lugares que literalmente estavam queimando. Eram cenas de flme de terror. E aí vem uma pessoa querendo cortar todas as árvores de um parque como o Jardim de Alah, visando só dinheiro…
Por ser uma pessoa pública, levantar essas bandeiras tem um impacto maior? Falo porque não aguento ficar quieta. Pago meus impostos como qualquer cidadão e não admito ser passada para trás. Fazer uma tirolesa no Pão de Açúcar é uma sacanagem, assim como desmatar o alto da Gávea para construir um condomínio. Temos que cobrar uma conduta justa dos nossos governantes. Vou morrer lutando – e de pé, como uma árvore.
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