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Jornalista sobre Nova York: ‘Até a cidade que nunca dorme parou’

Na Big Apple desde 2014, Louise Peres relata o périplo de voltar para casa, em meio ao Covid-19, e a situação alarmante no coração financeiro mundial

Por Louise Peres*
Atualizado em 16 mar 2020, 19h55 - Publicado em 16 mar 2020, 17h01

Foi um verdadeiro périplo desde que saí do Rio. Eram 11 da noite de quarta (11) e eu aguardava já no portão de embarque do Aeroporto de Viracopos, em Campinas, a chamada para o voo que me levaria de volta aos EUA. Na TV americana, Trump anunciava o banimento de aviões vindos da Europa em direção ao país, à exceção do Reino Unido, a partir daquela sexta-feira 13. Meus amigos em Nova York, sabendo que eu já estava em trânsito, me mandaram mensagem na mesma hora. Naqueles cinco minutos entre a notícia e a hora de embarcar eu me questionei se deveria seguir viagem. Resolvi não pensar muito, avisei meus pais e embarquei.

Foi uma viagem longa e tensa. Não sabia o que me esperava. Quando finalmente cheguei em casa, no Brooklyn, no início da tarde do dia seguinte, mal me dei tempo de processar o real estado das coisas. Minha geladeira estava mesmo oca após três semanas longe, então fiz logo o que todo mundo mandava: “vai estocar comida!”. O cenário pré-apocalíptico no mercado que frequento perto de casa não me assustou muito, era o mesmo de sempre às vésperas de um aviso de nevasca ou furacão por aqui: filas enormes, umas prateleiras vazias, mas nada fora do normal. As pessoas foram gentis comigo e ainda tinha até papel higiênico. Havia um frenesi no ar, mas todo mundo ainda parecia estar vivendo normalmente.

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Naquelas primeiras 24 horas de volta a NY eu fiquei na dúvida se não tive a dimensão da situação só porque estava longe ou se realmente tudo tinha evoluído tanto assim da noite para o dia. E sim, foi a segunda opção. Primeiro o travel ban na quarta; depois o estado de emergência no estado de Nova York, o fechamento da Broadway e de centros culturais como o MET e o MoMA, além de uma série de imposições a eventos e aglomerações decretados na quinta (12). Reuniões presenciais que me fizeram voltar para cá foram transferidas para chamadas de vídeo, as empresas todas aderindo ao home office. Aos poucos, a ficha dos nova-iorquinos foi caindo.

Wasabi: às moscas com o Covid-19 (Rafaelly Xavier/Divulgação)

No domingo (15), o governador de NY Andrew Cuomo publicou uma carta aberta a Donald Trump no “The New York Times” pedindo que o presidente tome medidas drásticas enquanto é tempo: já são mais de 700 casos no estado, o que nos coloca à frente de Washington, onde a epidemia começou. Pressionado por professores e familiares de alunos, o prefeito Bill de Blasio anunciou que escolas estarão fechadas e não devem reabrir pelo resto do ano letivo, que terminaria em maio. Recebi dezenas de e-mails de cafés, restaurantes, bares, lojas e estabelecimentos de entretenimento que frequento informando sobre a suspensão voluntária de funcionamento até que estes, no domingo à noite, também receberam ordem oficial de fechar.

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Ao contrário de outros países em um período mais crítico e avançado da crise, como Itália, França e Coreia do Sul, em que o governo federal interveio, nos EUA a maior parte dessas medidas têm sido tomadas em nível local. Diante da falta de ação da Casa Branca, prefeitos e governadores estão fazendo o que está dentro de seu alcance. Especialistas em epidemias e políticas de saúde concordam que os EUA, a maior potência do mundo, falharam miseravelmente no preparo para enfrentar o coronavírus, mesmo com o primeiro caso da doença detectado há seis semanas, em Seattle. O país está atrasado na realização de testes, no diagnóstico de casos e no preparo de leitos extra para acomodar doentes graves – número que de acordo com projeções de estudiosos deve explodir nos próximos 20 dias. Em pleno ano eleitoral, a inércia de Donald Trump diante de uma situação calamitosa como essa é assustadora. A falta de uma resposta à altura de uma crise de tamanhas proporções é, sem dúvida, o que mais alarma os nova-iorquinos.

Metrô no horário de rush: vazio (Rafaelly Xavier/Divulgação)

Foi inevitável me perguntar se voltar pra cá foi mesmo uma boa ideia. Dei muita sorte de ter vindo naquele momento, porque já no sábado o caos se instalou em grandes aeroportos como o JFK, com centenas de passageiros vindos da Europa, atual epicentro da pandemia, formando filas enormes à espera da imigração e confinados em um mesmo espaço fechado – o extremo oposto do distanciamento social pregado por especialistas e tão necessário nesse momento. O número de casos confirmados na cidade de Nova York no dia em que cheguei era 95. Em 4 dias já passam de 329 (dados de domingo, 15 de março, 18h no horário local).

Tem sido muito estranho assistir à cidade que nunca para, assim como outras partes do mundo nesses primeiros meses do ano, parar. Parece uma distopia, coisa de filme de ficção científica mesmo: ruas vazias, metrô às moscas, a Times Square praticamente deserta. Para frear o coronavírus, aprendemos com a China que parar é imprescindível. Autoridades de saúde recomendam que a população fique em casa, mas muita gente não entende a necessidade e ignora o apelo. O cofundador do site de fóruns Reddit Alexis Ohanian comprou um painel enorme na Times Square para fazer um apelo à Big Apple: ficar em casa significa salvar vidas #AchateACurva, diz o anúncio, referindo-se à queda vertiginosa na curva de novos casos quando comunidades evitam o contato social.

Apelo na Times Square: #flattenthecurve (AdQuick/Reprodução)

Nós, nesse momento, estamos em um estágio ligeiramente mais avançado da epidemia em comparação ao Brasil. Se há um apelo que posso fazer, é o mesmo que você já deve ter ouvido incontáveis vezes nos últimos dias: FIQUE EM CASA. Reduzindo ao mínimo nossos contatos sociais, uma pessoa doente passa a contaminar em média só uma pessoa em vez de 3. Você é saudável, mas pode estar a uma pessoa de distância daqueles em risco caso contraiam a COVID-19: o chefe fumante, o pai idoso, o amigo com deficiência imunológica. Esse é um momento de pensar no coletivo. Quanto mais rápido contivermos essa epidemia, mais cedo ela vai acabar. Eu sei que é difícil e inimaginável estar trancado em casa, principalmente em um lugar como o Rio – vocês são privilegiados, SIM! – mas existe algo mais importante em jogo nesse momento: a saúde dos cariocas, esse povo maravilhoso que não se compara a nenhum outro no mundo.

Protejam-se, lavem as mãos, mantenham a calma e cuidem uns dos outros. Vai ser maravilhoso abrir uma cerveja de garrafa na calçada de novo quando isso tudo passar*.

*Aqui a gente vai brindar dentro do bar ou em casa mesmo, porque beber ao ar livre é proibido. Viram? Poderia ser bem pior.

*Louise Peres é jornalista, ex-repórter de VEJA RIO, radicada em Nova York desde 2014. Em relato para Carolina Barbosa.

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