‘Diretoria do Flamengo me enche de vergonha’, diz pastor Henrique Vieira

Teólogo chama de 'mesquinha e inescrupulosa' a reação dos cartolas às mortes dos "Garotos do Ninho" e repudia a pressão pela volta dos jogos

Por Cleo Guimarães
29 jun 2020, 11h30
Henrique Vieira: pastor lançou um livro sobre o poder revolucionário do amor e esteve cotado para ser o candidato do PSOL à prefeitura (Instagram/Reprodução)
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Ator, ex-vereador e pastor da Igreja Batista do Caminho, na Gávea, Henrique Vieira é autor do livro “O Amor Como Revolução”, no qual defende o poder renovador do amor para uma sociedade mais justa e sem preconceitos. Filiado ao PSOL, ele  foi uma das faces de Jesus no último carnaval da Mangueira e teve seu nome cotado para ser o representante do partido na corrida pela prefeitura. Henrique conversou com VEJA RIO sobre política, amor, futebol, isolamento e religião. ‘É fundamental que as pessoas não generalizem os evangélicos”, diz.

Fernanda Montenegro disse recentemente que o coronavírus parecia ser um castigo de Deus, que veio como se fosse um grande dilúvio. O que você acha disso? Do ponto de vista teológico, da minha tradição de fé, não vejo como um castigo, uma punição. Não vejo Deus como alguém que provoque sofrimento para nos ensinar. Vejo Deus como aquele que participa conosco da condição humana, que chora as nossas lágrimas, sente a nossa dor. O sofrimento vem da aleatoriedade, da dinâmica própria da vida e das injustiças humanas. Nunca de Deus.

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Além de pastor, você é ator e escritor. Como vê a política cultural de Jair Bolsonaro? É importante dizer que se trata de um governo com dispositivos fascistas, que utiliza a violência como forma de gestão. O Bolsonaro promete a morte daqueles que o criticam e que pensam de forma diferente. Isso não é uma hipérbole, não é um exagero. O presidente várias vezes elogiou a tortura e a ditadura e prometeu a morte dos seus adversários e inimigos. Ele acha que pode eliminá-los. Evidentemente isso ataca a cultura, porque é característica típica de regimes autoritários atacar a diversidade cultural, reduzir investimentos e criar uma narrativa de cultura única, de pensamento único, uma lógica que suprime a diversidade e a pluralidade. Isso se materializa claramente com menos editais, menos investimentos, menos transparência. É deliberado: o objetivo é desmontar qualquer politica de incentivo à cultura no Brasil. A cultura é vista como inimiga, então ele segue o padrão fascista: o objetivo da Secretaria de Cultura é eliminar, destruir a cultura.

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O presidente disse, no ano passado, que indicaria um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF. O que você acha que ele quis dizer?  “Terrivelmente evangélico” é a expressão perfeita do que seria a morte do evangelho. O discurso de Bolsonaro vai contra tudo o que Jesus ensinou. Alguém terrivelmente evangélico é alguém como ele: intolerante, racista, bélico, que não respeita a diversidade e que tem um projeto cheio de interesses inescrupulosos voltados ao poder. Mas não se pode generalizar os evangélicos no Brasil.

Não é uma generalização, mas os evangélicos costumam ser associados ao conservadorismo. Sim. Existem algumas expressões evangélicas com muito poder político e econômico, até canal de televisão. Eles conseguem reverberar com facilidade tudo aquilo que  pensam, o que eles creem. É verdade que existe um conservadorismo no campo evangélico e que há evangélicos que se relacionam com o poder de forma inescrupulosa, mas o evangélico não é só esse. O campo evangélico é basicamente popular, composto majoritariamente por mulheres e pela população negra. Existem muitas igrejas comprometidas com a defesa da democracia, dos direitos humanos e da Justiça social, e experiências belíssimas  como o movimento negro evangélico, movimentos que debatem e defendem a diversidade sexual  e combatem as desigualdades.

Você é torcedor do Flamengo e já se posicionou contra a atual diretoria do clube. Onde estão errando? Sou flamenguista demais, em níveis alarmantes. Tenho orgulho do Flamengo em relação à torcida, à tradição popular, ao fato de ser o time do povo, mas tenho vergonha da diretoria do Flamengo, sinto repúdio. A relação com a tragédia do incêndio dos ‘Meninos do Ninho’ é vergonhosa, mesquinha  e inescrupulosa. Não há dinheiro no mundo que amenize a dor da morte de um filho, de um parente, mas essa mesquinhez para negociar a indenização com as famílias é inaceitável, assim como a pressão para voltar a jogar no meio da pandemia. O Flamengo não é uma ilha. Não joga contra si. Depois de pressionar pela volta do campeonato, jogou contra o Bangu. O Flamengo diz que tem critérios rigorosos de higienização, que testa todos os jogadores, mas e os do Bangu? E os gandulas, os funcionários? É tudo tão mesquinho e inescrupuloso que eu sinto uma vergonha enorme.

Há cerca de um mês seu nome começou a ganhar força dentro do PSOL e você chegou a ser apontado como o provável candidato do partido à disputa da prefeitura neste ano, o que acabou não acontecendo. Você, que foi vereador em Niterói,  pensa em voltar à política? Essa é uma ideia que eu não descarto num horizonte a médio prazo. Considero que em algum momento da minha vida eu posso traduzir a minha militância numa candidatura para mostrar que é possível ser evangélico e defender a causa dos pobres, o estado laico, a cultura e a diversidade.

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