Continua após publicidade

Ponto para a saúde: Fiocruz quer maconha medicinal no SUS

Iniciativa do município de Búzios é pioneira ao fornecer o óleo de Cannabis na rede pública

Por Ernesto Neves
18 ago 2023, 06h00
Uso terapêutico: pesquisas avançam e mostram eficácia no tratamento de doenças
Uso terapêutico: pesquisas avançam e mostram eficácia no tratamento de doenças (iStockphoto/Getty Images)
Continua após publicidade

Nos últimos anos, a Cannabis terapêutica rompeu preconceitos e barreiras, tornando-se uma promissora fronteira da medicina. No Brasil, o acesso à erva ainda é caro, restrito e dificultado pela falta de uma legislação que democratize seu uso. Mas há notícia recente aí a ser celebrada: em abril, a defesa da inclusão da planta no receituário da saúde nacional ganhou um aliado de peso, depois que uma das mais prestigiosas instituições científicas do país, a Fundação Oswaldo Cruz, emitiu uma nota em que advoga pela adoção da maconha medicinal no Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com a Fiocruz, já existem evidências suficientes de que a planta é eficaz no tratamento de uma série de doenças, entre elas epilepsia e esclerose múltipla, assim como na redução de sintomas como náuseas e vômito em pacientes submetidos à quimioterapia. Elaborada pelo Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da instituição, o texto afirma ainda ser crucial que o país se posicione no que entende como a vanguarda da pesquisa científica.

Para dar o verdadeiro salto, será preciso criar um arcabouço legal regularizando tanto a produção como a exploração da maconha. “O objetivo de nosso posicionamento é desconstruir o estigma e a desinformação que ainda cercam o tema”, afirma a psiquiatra Ana Paula Guljor, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, que premiou uma iniciativa pioneira em desenvolvimento na Região dos Lagos. Dois anos atrás, o município de Búzios iniciou o fornecimento do óleo de Cannabis em sua rede pública. Após enfrentar extensa burocracia para licitar o insumo, a cidade selou uma parceria com a Associação Brasileira de Acesso a Cannabis Medicinal (Abra-Rio), uma entidade sem fins lucrativos. Hoje, fornece o óleo terapêutico a crianças e adolescentes portadoras de transtorno do espectro autista e epilepsia refratária que não estão respondendo a tratamentos convencionais. Por ora, são 400 jovens atendidos. “Os resultados são fantásticos”, garante Leônidas Heringer, secretário de Saúde de Búzios. “Há casos de pacientes que usavam até trinta medicamentos para controlar as crises, mas agora só recorrem ao óleo.”

Compartilhe essa matéria via:
Iniciativa pioneira: fornecimento do óleo começou há dois anos na rede pública de Búzios
Iniciativa pioneira: fornecimento do óleo começou há dois anos na rede pública de Búzios (Ronald Pantoja/Divulgação)

Os esforços estão concentrados em ampliar a iniciativa. Em 2023, Búzios espera investir 2 milhões de reais no projeto, que, segundo os planos, deve se estender para outras faixas etárias e enfermidades, abrangendo Parkinson, Alzheimer e o controle da dor crônica. Além disso, estuda-se erguer um centro para o plantio e a pesquisa da Cannabis com assistência técnica da Fiocruz. São as próprias descobertas científicas que vêm ajudando a fazer ruir, gradativamente, o paredão da resistência em relação à erva. Pesquisas sobre as propriedades medicinais da maconha avançaram de forma significativa, sobretudo nos últimos cinco anos. Debruçados sobre os 500 derivados da planta, os pesquisadores descobriram que o CBD (canabidiol, substância sem efeito psicoativo) é eficaz no controle de dores de natureza inflamatória, como as artrites, enquanto o THC (tetra-hidrocanabinol, com efeito psicoativo) é mais indicado para dores crônicas e agudas de caráter neuropático, isto é, com origem no sistema nervoso. Também há doenças em que já se tem grau máximo de evidências sobre a eficiência da erva, o que exige uma batelada de estudos randomizados e controlados, comparando pacientes submetidos à Cannabis e ao placebo.

Continua após a publicidade

arte Cannabis

Evidentemente, há ainda um caminho a percorrer de modo a entender o completo potencial da erva, embora os sinais de benefício já apareçam. Nessa categoria, afirma a Fiocruz, estão males como síndrome do intestino irritável, glaucoma, demência e uma série de transtornos psiquiátricos. “Como a legalização da maconha continua a se disseminar mundo afora, seu emprego na medicina, sem dúvida, vai crescer exponencialmente nos próximos tempos”, diz Benjamin Land, professor de farmacologia da Universidade de Washington. Com diferentes legislações, mais de quarenta países autorizam hoje o uso terapêutico dos extratos da Cannabis sativa, um mercado que cresce a pleno vapor. As grandes potências de produção e consumo são Europa, Estados Unidos e Canadá, que ajudam a girar um mercado em elevação. Segundo a consultoria especializada BDSA, os produtos à base de Cannabis podem movimentar globalmente 61 bilhões de dólares até 2026. No Brasil, o cenário ainda é de altos e baixos para a erva, que esbarra em muros que surgem subitamente em meio ao debate. Em 20 de julho, a Anvisa proibiu a importação da Cannabis in natura, sob a justificativa de que “há alto grau de risco de desvios para fins ilícitos”.

Aliado de peso: a Fiocruz saiu em defesa da inclusão no Sistema Único de Saúde
Aliado de peso: a Fiocruz saiu em defesa da inclusão no Sistema Único de Saúde (Andre Az/Divulgação)
Continua após a publicidade

+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui

A decisão, felizmente, não afeta o uso dos medicamentos à base da erva. Desde 2015, a agência permite a importação de itens com princípios ativos extraídos da planta e, em 2019, tais remédios passaram a poder ser vendidos em farmácias. Persiste ainda, porém, a barreira financeira. De acordo com o advogado carioca Emílio Figueiredo, uma das maiores autoridades do país em casos que envolvem a liberação do cultivo da erva para fins de saúde, o custo para fazer um tratamento com canabinoides segue proibitivo. Os tratamentos giram em torno de 300 reais mensais, mas, em situações em que é necessário utilizar concentrações maiores, como no tratamento da epilepsia, o valor sobe, podendo alcançar 3 000 reais mensais. “A solução tem sido entrar na Justiça para conseguir os medicamentos pelo SUS”, explica Figueiredo. No Rio, projeto apresentado pelo deputado estadual Carlos Minc (PSB) para autorizar a distribuição pela rede pública espera por decisão da Assembleia Legislativa. Outra solução definitiva pode vir do Senado, onde se analisa uma proposta do senador Paulo Paim (PT-RS) para a criação de uma política de fornecimento gratuito do canabidiol. Também na Casa, um projeto do senador Flávio Arns (PSB-PR) aborda produção, controle, fiscalização, prescrição e importação dos medicamentos. Milhares de pacientes aguardam ansiosamente pela batida do martelo.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 39,96/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.