Filme Geni e Zepelim pode ser repensado após críticas de pessoas trans
A diretora Anna Muylaert gravou um vídeo devido à repercussão do assunto com nomes da comunidade trans, como a cantora Liniker e a atriz Renata Carvalho

Na última terça (15), foi anunciado que Thainá Duarte seria a protagonista do filme Geni e o Zepelim, inspirado na música homônima de Chico Buarque. A notícia gerou uma série de críticas, já que a personagem, na peça para a qual a canção foi composta, é uma travesti.
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A diretora do longa, Anna Muylaert, publicou um vídeo nesta quarta (16)
“No processo de criação do filme, entendemos que a letra do Chico e o conto de Guy de Maupassant, Bola de Sebo (1880), no qual Chico diz ter se inspirado, poderia ter várias leituras”, argumenta a diretora.
“Poderia ser uma mulher trans, uma mãe solteira, uma carroceira da favela do Moinho, uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade, poderia ser uma floresta atacada diariamente por oportunistas”, prossegue ela. “Por uma questão de lugar de fala, escolhemos fazer uma prostituta cis na Amazônia”.
A cineasta rebate acusações de que estaria fazendo “transfake”, que se refere a atores cisgênero representando personagens trans. “Não é transfake, a ideia era fazer uma personagem cis mesmo”, diz.
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A canção Geni e o Zepelim integra a Ópera do Malandro, musical escrito por Chico em 1978. Na peça, Geni é descrita como uma prostituta trans. Na montagem original, dirigida por Luís Antônio Martinez Corrêa (irmão de Zé Celso, também já falecido), ela foi interpretada por Emiliano de Queiroz. Na adaptação para o cinema, de 1985, sob a direção de Ruy Guerra, ficou a cargo de J.C. Violla.
“Diante da reação da comunidade trans, eu quero vir aqui abrir o debate e jogar a pergunta: essa letra do Chico, o mito Geni hoje em 2025 só pode ser interpretada como uma mulher trans?”, pergunta Anna Muylaert. “Se toda a sociedade, não apenas a comunidade trans, mas todos os fãs da música, se a gente computar que realmente só podemos interpretar a Geni como trans, a gente vai repensar o filme”, afirma.
Personalidades trans, como a cantora Liniker se posicionaram na publicação, que já conta com mais de 2 400 comentários. “Eu acho que, no Brasil que a gente vive hoje, o debate ser aberto como votação se é certo ter uma pessoa trans ou cis nesse papel ou não já nos expõe grandemente. O Brasil não é um país acolhedor aos nossos corpos e trajetórias, principalmente se tratando de um protagonismo numa produção audiovisual”, frisa ela.
A atriz Renata Carvalho foi outra a entrar na discussão. “Então, se você ou seu filme for acusado de racismo, você vai vir a público pedir a opinião das pessoas brancas? Então você precisa que pessoas cisgêneros (que são as que importam) validem você retirar a principal característica da personagem? Se Geni não é travesti, não é a Geni”, analisa ela.
“O que nós estamos pedindo é respeito por Geni e por todas as pessoas trans e travestis que continuam sendo apedrejadas até hoje. Seu filme será mais uma pedrada, mas o que vale mesmo é a arte, não as pessoas, né mesmo? Você deve fazer o filme que quiser, da forma que quiser, e eu como uma travesti e transpóloga fundadora desse movimento tenho o direito também de fazer qualquer apontamento crítico embasado, responsável e com muita ética”, finaliza.
As críticas, no entanto, não ficaram restritas à comunidade trans. Camila Pitanga, por exemplo, foi uma atriz cisgênero que se posicionou. “Você pode fazer o filme que quiser, com certeza… Mas pondero que essa interpretação serve, sim, ao apagamento doloroso de mulheres trans. São poucos personagens com esse protagonismo, entende? É uma escolha que fere”, pondera.
A atriz e diretora Debora Lamm também se manifestou. “A leitura e interpretação de qualquer obra é naturalmente livre, mas o que é liberdade sem pensarmos também no humano? Vivemos num mundo onde o apagamento de pessoas trans é naturalizado, muito pouco refletido. Não operaria então por uma icônica Geni cisgênera, é um balde de água fria na possibilidade de fazer diferente! A Geni é a oportunidade, infelizmente ainda rara, de uma protagonista trans!”, defende ela.
Anna Muylaert é autora de filmes com forte crítica social, como Que Horas Ela Volta? (2015), que critica a forma como o trabalho doméstico acontece no Brasil, e o O Clube das Mulheres de Negócios (2024), uma sátira ácida da sociedade patriarcal.