Debora Bloch: “O jogo nunca está ganho”
No ar em Rancho Fundo, da TV Globo, e com série por estrear, atriz prova que mescla de talento com trabalho duro e experiência ainda vale no script moderno
Aos 60 anos, Debora Bloch fala, com seu jeito direto e sincero, sobre a relação que nutre com as redes sociais, o que ajuda a defini-la: “Tem um lado narcísico que eu não curto muito. Não gosto de ficar o dia inteiro me filmando ou expondo minha vida. Sou de outra geração”, diz. Em tempos em que artistas são escalados por critérios como os números que ostentam no mundo digital, ela é a prova de que a tradicional mistura de talento com trabalho duro e experiência ainda está valendo no script moderno. Foi aos 17 anos que subiu pela primeira vez aos palcos, contabilizando até agora mais de trinta novelas e seriados, entre comédias e dramas. Só nos últimos cinco anos, Debora fez três séries — uma delas, Dias Perfeitos (Globoplay), ainda por estrear —, um longa-metragem e a novela Mar do Sertão (TV Globo, 2022), em que viveu a divertida vilã Deodora. A personagem está de volta, desta vez na nova produção das 6, No Rancho Fundo. Em meio às gravações, a atriz contou nesta entrevista a VEJA RIO como está encarando a passagem do tempo, que sofreu com a síndrome do ninho vazio e que a pandemia a fez mais caseira, embora, carioca de espírito que é, não perca uma praia regada a uma boa cervejinha.
Com mais de quatro décadas de carreira, ainda bate insegurança ao começar um novo trabalho? O jogo nunca está ganho. Eu realmente acredito nisso, mas não nesse sentido da síndrome da impostora, de achar que não tenho capacidade de estar ali ou que não mereço. O processo, para mim, envolve estar sempre em busca do novo. Quando você acha que já ganhou, que não precisa mais aprender, se desafiar, acaba perdendo.
É a primeira vez que faz o remake de uma personagem? Sim. Só que agora a Deodora, de No Rancho Fundo, está em outro momento da vida, é dona de um cabaré. Essa experiência de fazer de uma maneira diferente algo que já havia feito é um desafio interessante.
Sua última peça foi em 2019. Pretende voltar aos palcos? Estou morrendo de saudade do teatro, mas a pandemia mexeu um pouco com o meu ritmo de produção das peças. Somado a isso, houve o desmantelamento cultural que vivemos por quatro anos, com ataque às artes e perseguição aos artistas e às possibilidades de produção. Foi um período muito difícil do país. Prefiro não citar nomes para não dar palco a ninguém. Palco quero dar só para mim (risos).
Faz distinção entre teatro, cinema e TV? Adoro cinema, mas faço menos do que gostaria. Na TV, a tendência é você ser chamada para personagens parecidos. Já no teatro, como sou sempre eu que produzo, posso escolher o trabalho. E o teatro é realmente a casa do ator, onde ele se forma, se exercita, se descobre, abre novos caminhos. É também onde há contato direto com a plateia, o que faz toda a diferença. Deu o terceiro sinal, é você e o público.
Tem sido cada vez mais comum produções, sobretudo na TV, escalarem atores tomando como base o número de seguidores e seu engajamento nas redes. Isso pode comprometer a qualidade? Com a experiência no ofício, você vai conhecendo as ferramentas para fazer um bom trabalho e, com certeza, o número de seguidores não é uma delas. Ser ator não tem nada a ver com isso.
Não acredita que esses medidores possam atrair público em projetos mais comerciais? Não vejo isso funcionar muito bem. Nesta novela das 6, tem duas atrizes de 60 anos: eu e Andrea Beltrão. Começamos juntas no teatro. É uma expertise que vem ao longo de toda uma trajetória, com a maturidade. Fizemos uma cena recentemente que, tenho certeza, só foi possível pelas ferramentas que o tempo nos deu.
“A maturidade é muito melhor que a juventude. Não que tudo sejam flores aos 60, mas não são só perdas, são muitos os ganhos”
Como é, afinal, sua relação com as redes? Para ser franca, tenho um pouco de preguiça. Prefiro gastar meu tempo com outras coisas. E tem ali um lado narcísico que eu não curto muito. Não gosto de ficar o dia inteiro me filmando ou expondo minha vida. Digo isso sem nenhuma crítica aos atores novos, que vejo dedicados a essa função. Passou a fazer parte do dia a dia deles, está no pacote. Eu não me identifico, sou de outra geração. Ao mesmo tempo, sei que é um canal importante, inclusive para divulgar trabalhos.
Seus dois filhos não moram mais no Rio. Sofreu com a síndrome do ninho vazio? Senti muito quando a Júlia, que saiu de casa primeiro, se mudou. No começo é difícil, porque você passa muitos anos da sua vida movida pela prioridade de cuidar dos filhos. Ainda me ressinto de os dois morarem longe, os vejo menos do que gostaria. Mas a gente se acostuma. É um caminho natural, sinal de que deu certo.
Como aproveita o Rio? Adoro a natureza, dar uma caminhada, sentar na beira da praia, tomar um coco, uma cerveja. E tem programas imperdíveis, como o Samba do Trabalhador. Outro dia, fui também a um samba na Rua do Ouvidor. Mas, desde a pandemia, tenho ficado muito no meu sítio.
O que faz por lá? Sou a louca do jardim. Sei o nome de todas as plantas, tenho horta, conheço as ervas. Podia fazer isso a vida toda.
A passagem do tempo está sendo generosa? Não tenho a menor dúvida de que a maturidade é muito melhor que a juventude. Não que tudo sejam flores aos 60, mas não são só perdas, são muitos os ganhos.
Você se casou de novo em 2019. O que muda nesse estágio da vida? A essa altura do campeonato, você já entende que a sua felicidade não está no outro — ela pode estar ao lado do outro. Você não fica com alguém porque precisa, mas por ser prazeroso. Simone de Beauvoir diz que em todas as idades passamos por transformações. Se não aceitar que está mudando, pode ser um sofrimento. Mas, para quem convive bem com essa ideia, é libertador.
+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui