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Acessos de riso

Fenômeno de audiência on-line, com suas sátiras carregadas de nonsense e escracho, o grupo Porta dos Fundos mostra que a internet é o suporte ideal para quem quer fazer graça além dos limites da TV e do cinema

Por Rafael Teixeira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h11 - Publicado em 6 fev 2013, 18h56
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De início, a cena parece absolutamente corriqueira. Após terminar o jantar em casa, o marido pergunta à mulher o que tem de sobremesa. A resposta lacônica ? “abacaxi e tangerina” ? enfurece o homem. “Não precisa ser um pudim, se você não gosta, pode ser outra coisa. Sei lá, quer um sorvete? O que você quer?”, vocifera ele. De bate-pronto, e para a perplexidade do marido, ela começa a desfiar seus desejos sexuais mais recônditos, sem economizar nos detalhes picarescos e fazendo uso de vocabulário impublicável. A forma impassível com que a esposa declama as maiores barbaridades tem um efeito cômico infalível. Com exatos 3 minutos e 57 segundos e quase 4 milhões de visualizações no YouTube, o vídeo é o maior hit do Porta dos Fundos, grupo de humor que virou um fenômeno on-line. Criado em agosto por cinco cabeças ? os atores Fábio Porchat e Gregorio Duvivier, o diretor Ian SBF e os publicitários e roteiristas Antonio Tabet e João Vicente de Castro ?, o canal de vídeos soma até o momento 62 produções, que já foram acessadas mais de 88 milhões de vezes. Em janeiro, a página do quinteto foi a campeã de audiência no YouTube brasileiro, com 36 milhões de visualizações. “A maioria das pessoas que me param na rua quer falar dos vídeos, e não do meu trabalho na TV”, revela Porchat, que integra o elenco do seriado A Grande Família.

Porta dos Fundos vem contribuindo para desviar o eixo do humor brasileiro, tradicionalmente associado à TV e ao cinema, em direção à internet. Lançados duas vezes por semana, sempre às segundas e quintas, os vídeos produzidos pela turma são ansiosamente aguardados pelo público virtual e logo compartilhados nas redes sociais, ganhando divulgação ampla e instantânea. São, em sua maioria, esquetes curtos, de um a cinco minutos, com sátiras do cotidiano sobrecarregadas de nonsense e iconoclastia. Entre os temas abordados estão sexo, racismo, religião e passagens históricas. É impagável, por exemplo, a anedota em que o personagem Jesus é demitido de uma carpintaria por ser bonzinho demais. Pelo menos até agora, a trupe tem o mérito de passar longe do que Tabet chama de “humor de bullying”, em que se faz troça do mais fraco, um recurso muito em voga nos programas de TV da atualidade. “A gente faz mais humor em cima dos poderosos”, diz ele.

As relações entre os cinco sócios nasceram de formas variadas, mas sempre por vias profissionais. Egressos da stand-up comedy, Duvivier e Porchat estreitaram o contato no teatro. Porchat e Ian, que já dirigiu programas no Multishow e um quadro do Fantástico, fizeram um curta-metragem em 2006. Ian e Tabet, por sua vez, são criadores dos sites Anões em Chamas e Kibe Loco, respectivamente. Já Tabet e Castro foram roteiristas da Globo. Nos encontros informais do quinteto, invariavelmente vinha à baila a ideia de criar um projeto para a internet com material que dificilmente encontraria espaço na TV, fosse devido ao enredo explosivo, aos palavrões cabeludos ou ao teor de acidez da piada. Decididos a levar o projeto adiante, eles chegaram ao nome durante um jogo de mímica na casa do comediante Marcos Veras, que, por sinal, se tornaria presença constante nos vídeos. Coube a Ian fazer com que os outros adivinhassem a expressão “porta dos fundos”. Dá para imaginar para que parte do corpo ele apontou. Foi a inspiração para batizar o grupo.

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Ao contrário da estética tosca que rege a maioria dos vídeos cômicos na internet, Porta dos Fundos busca o esmero de um programa de TV, com equipamentos modernos de vídeo, áudio e iluminação, além de profissionais dedicados a fazer figurino e maquiagem. Na última segunda, VEJA RIO acompanhou a trupe numa gravação inspirada em personagens bíblicos que teve como cenário as dunas de Cabo Frio. No total, havia vinte pessoas envolvidas no processo, entre artistas, técnicos, maquiadores e motoristas. Como o local era meio afastado da cidade, um veículo da Polícia Militar acompanhou os trabalhos, um luxo reservado às produções televisivas. Foram gravados diversos takes, para dar mais opções à montagem, e quem operou a câmera foi o diretor Ian SBF. Em resumo, o trabalho é um mutirão de ideias em que os cinco podem dar palpites no roteiro, geralmente criado por Tabet, Duvivier e Porchat.

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Tanto esmero na produção revela ainda outra faceta da iniciativa. Sem dúvida, o fator preponderante na criação do canal foi a liberdade irrestrita que a internet proporciona. Porém, eles miram também a qualidade para poder vender o produto por um bom preço e, assim, torná-lo rentável. Portanto, nada de estoicismos em nome do humor. Hoje, Porta dos Fundos é uma microempresa com 21 funcionários contratados. Do quadro fazem parte os seis atores do elenco fixo, todos eles assalariados: Clarice Falcão (namorada de Duvivier), Letícia Lima (mulher de Ian), Júlia Rabello, Rafael Infante, Marcus Majella e Luis Lobianco. Por ora, o negócio é autossustentável. A principal fonte de renda é o próprio YouTube, que recompensa os vídeos mais acessados com uma verba de 1 a 3 dólares por fatia de 1?000 visualizações. Num cálculo conservador, o grupo já faturou cerca de 200?000 reais nestes cinco meses.

Outra receita vultosa vem das corporações, justamente elas, que são um alvo frequente da verve cômica da trupe. Um dos primeiros esquetes postados caçoava de uma rede de comida rápida italiana ? que, embora não fosse nomeada, era uma referência óbvia ao Spoleto. Numa reação, dizem eles, inesperada, a empresa procurou o grupo com a proposta de bancar a produção de dois vídeos com o mesmo espírito, que acabaram veiculados no site do próprio restaurante. “Chegamos a pensar em uma resposta protocolar, mas logo vimos que a melhor solução era nos juntarmos a eles”, diz Antônio Moreira Leite, diretor de marketing do Spoleto. A iniciativa levantou a suspeita de que os esquetes com menção a marcas conhecidas pudessem ser patrocinados ou feitos com o intuito de faturar com essas mesmas empresas depois. O ápice da desconfiança ocorreu há duas semanas, com um vídeo sobre a Coca Zero. Poucas horas depois de ele ter sido lançado na rede, a empresa resolveu entrar na brincadeira e postou uma mensagem espirituosa na página do refrigerante no Facebook. Em 24 horas, acumulou mais de 1 milhão de visualizações. Os sócios juram que não houve combinação, negativa endossada pela Coca-Cola. Fato é que o grupo já seduziu o mercado publicitário. A Fiat e a Caixa Econômica Federal encomendaram vídeos aos humoristas.

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Novidade por aqui, o humor na internet feito com alto investimento no texto e na produção é uma realidade lá fora. Criado por dois universitários em 1999, o College Humor fez enorme sucesso com suas paródias de séries e filmes e acabou adquirido por uma grande empresa de comunicação. Outro exemplo bem-sucedido é o Funny or Die, concebido pelo comediante Will Ferrell e pelo cineasta Judd Apatow, diretor das comédias O Virgem de 40 Anos e Ligeiramente Grávidos. Do exterior, a turma do Porta dos Fundos diz ter tido a influência de Monty Python, Seth MacFarlane e Mel Brooks. Daqui, o crédito vai para o programa TV Pirata e o escritor Luis Fernando Verissimo.

Com o empuxo do êxito em tão pouco tempo, outras portas se abriram para o trabalho do quinteto irreverente. Eles agora elaboram o roteiro de um longa-metragem. “Pensamos em algo como Pulp Fiction, em que várias tramas se entrelaçam, mas voltado para a comédia”, diz Porchat, referindo-se ao filme de Quentin Tarantino. Emissoras de TV também vêm sondando a turma. “Não vou dizer que não faríamos nunca, mas hoje isso não faz parte dos nossos planos”, garante Ian. Numa vida em paralelo mais comportada, Duvivier está envolvido com os ensaios do musical Como Vencer na Vida sem Fazer Força, de Charles Möeller e Claudio Botelho, enquanto Porchat participa das filmagens de Concurso Público. “Não duvido que muita gente vá ao teatro estimulado por ter me visto no Porta dos Fundos”, diz Duvivier. “Tem sido uma projeção absurda, muito maior do que a gente imaginava.” Com faro comercial e inventividade para fazer graça, eles definitivamente entraram pela porta da frente do humor brasileiro.

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