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Na subida do morro

Nos primórdios da UPP, os cariocas do asfalto iam às favelas movidos pela curiosidade de desbravar um lugar desconhecido e instigante. Agora é diferente. Em grande número, eles passaram a frequentar as comunidades atraídos por festas, bares e restaurantes de primeira que há nesses locais

Por Fabio Codeço e Rafael Cavalieri
Atualizado em 2 jun 2017, 13h06 - Publicado em 4 jun 2014, 13h17

Até a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), dois anos atrás, a área chamada de Arvrão, no alto do Vidigal, era um ponto estratégico para o tráfico, com movimentação diuturna de bandidos exibindo arsenal pesado. Talvez nenhum outro ponto da cidade seja mais emblemático da revitalização que a retomada de território por parte do estado pode proporcionar. Agora, o panorama é o oposto. O local virou endereço de um hostel descolado e do Mirante do Arvrão, hotel requintado com projeto de Helio Pellegrino, onde acontecem algumas das festas mais badaladas do Rio, frequentadas por uma multidão de jovens de classe média alta. Uma delas é a Tracks, cuja segunda edição, no último sábado (24), atraiu mais de 300 pessoas, a despeito do temporal que caiu aquela noite. Vestidos curtos, decotes generosos, saltos altos e muito brilho davam o tom do visual feminino, exatamente como nas boates mais celebradas do asfalto. Moradora de Florianópolis, a empresária Déborah Viegas esteve presente nas duas versões da festa, na última delas acompanhada de um amiga, a psicóloga Ana Cristina Cunha. “A primeira vez foi assustador, senti medo. Mas esta paisagem deixa qualquer temor para trás”, diz ela, apontando para a vista hipnotizante que o leitor pode admirar nestas páginas. “Aqui tem diversão e gente bonita. Estou super à vontade”, diz a modelo Larissa Gomes, ao lado da estudante de marketing Tassiane Mendes.

Selmy Yassuda
Selmy Yassuda ()

O fato de jovens com poder aquisitivo frequentar o morro não é exatamente uma novidade. O ineditismo desta vez está nos motivos que o levam até lá. No passado, eles eram atraídos principalmente pelas drogas e pelos bailes funk. Uns poucos ainda faziam trabalhos sociais nas comunidades. Já nos primórdios da UPP, uma nova leva de visitantes pôs os pés na favela, movida pelo espírito de desbravar um mundo desconhecido. Desfeita a curiosidade, agora vivemos uma outra etapa, em que as pessoas sobem o morro porque ali há ótimas festas, alguns restaurantes e botecos de primeira. “O perfil do público diversificou, assim como a própria noção de que favela só tem funk e droga”, afirma Pedro Veiga, coordenador da UPP Social, programa do Instituto Pereira Passos em parceria com a Organização das Nações Unidas que já investiu 1,6 bilhão de reais nessas áreas. “As pessoas podem ir inicialmente por curiosidade, mas voltam por causa da boa música e da boa comida que encontram”, completa Veiga.

Selmy Yassuda
Selmy Yassuda ()

Primeira comunidade a ser alvo do programa de pacificação, em 2008, o Santa Marta, em Botafogo, recebe milhares de visitantes no fim de semana. Para acolher confortavelmente os frequentadores das festas e ensaios de blocos, a quadra da escola de samba local foi reformada, ganhando teto e ar-condicionado. Todo primeiro sábado do mês, o ponto da muvuca fica na laje do Michael Jackson, onde o falecido popstar gravou um clipe em 1996. O lugar virou palco de eventos como o Pôr de Santa, roda de samba sempre abarrotada de gente, que muitas vezes dá uma passada antes no Bar do Zequinha, conhecido pela sua saborosa porção de frango à passarinho. Foi o que fez o casal de designers cariocas Maria Cecília e Robson Moraes, que faz expedições para descobrir os melhores pontos gastronômicos das regiões pacificadas. Elogiam o Bar do Alto, no Morro da Babilônia, no Leme, e o Bar do Omar, no Morro do Pinto, no Centro. Para convencer os amigos ainda reticentes a esse tipo de programa, o argumento é sempre o mesmo: “Os preços são ótimos, as porções honestas, e a vista quase sempre um escândalo, mas não deixa de ser um programa diferente”, diz ela.

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A inserção de novas casas noturnas, botecos e restaurantes na alça de mira dos cariocas mais abastados, em áreas muitas vezes desconhecidas por eles, trouxe um complicador na hora de escolher aonde ir. Para facilitar a missão, os primeiros aplicativos específicos com essa finalidade começam a surgir. Um dos fundadores do Easy Taxi, que ajuda a localizar, via celular, o amarelinho mais próximo, o empresário Daniel Cohen lançou na última quarta-feira uma ferramenta de grande valia. Motivado pela primeira edição do Comer & Beber da Paz, de VEJA RIO (leia mais na pág. 38), em 2013, ele criou o guia digital Favela Kitchen. Por ora disponível apenas para o sistema Android ? em breve será viabilizado para iOS ?, o aplicativo mapeou boa parte dos bares de diversas favelas pacificadas, entre elas a Rocinha, o Vidigal, o Complexo do Alemão e o Morro da Providência. “A pesquisa foi extensa. Forneceremos informações detalhadas de como chegar. Temos de usufruir disso, porque é um passeio excepcional”. Também na semana passada, a gigante Microsoft apresentou o projeto Na Área, que visa a fazer um mapeamento colaborativo de endereços comerciais e pontos turísticos dentro das favelas, com a participação dos moradores das próprias comunidades. O programa-piloto será no Vidigal, com Manguinhos e a Maré na sequência.

Selmy Yassuda
Selmy Yassuda ()

Apesar dos avanços incontestáveis, ainda há uma série de problemas que precisam ser superados. Um deles é o acesso, que muitas vezes inclui vielas íngremes e ruelas onde mal cabe um carro, quase sempre muito mal sinalizadas. Mais grave é a chaga da violência que ainda persiste em determinadas favelas. Na semana passada, houve confrontos entre policiais e traficantes na Cidade de Deus e no Complexo do Alemão, ambos contemplados com UPP. Fato é que as novas atrações dos morros vêm ganhando espaço na imprensa internacional antes ocupado apenas pelas mazelas cariocas. Elogiado pelo New York Times e pela rede francesa TV 5, o Bar do David, no Chapéu Mangueira, no Leme, destaca-se pelo cardápio que lista delícias como a feijoada de frutos do mar e o bolinho de arroz com sardinha, tudo com apresentação impecável. No fim de semana, a casa chega a receber mais de 1000 clientes. No domingo passado (25), entre eles estavam o engenheiro Marcos Adriano e a namorada, a publicitária Carolina Mori, ambos paulistas, a médica Evellyn Ferreira, o arquiteto Claudiney Barino e sua filha, a mestranda de matemática Maria Eda. “Sempre trago a paulistada para conhecer. Gosto do clima acolhedor e da comida”, diz Adriano. Realmente impressiona a capacidade que o Rio tem de renovar seu poder de sedução.

Clique para ver os vencedores do Comer & Beber da Paz 2014

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