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O enclave das pedras

Maior concentração de joalherias da cidade, dois quarteirões de Ipanema guardam tesouros e uma tradição carioca nascida nos tempos do Brasil Colônia

Por Alessandra Medina
Atualizado em 5 jun 2017, 14h56 - Publicado em 1 jul 2011, 16h44

Com suas ruas arborizadas e o contínuo vai e vem de gente bonita, o quadrilátero formado pelas ruas Anibal de Mendonça, Maria Quitéria, Visconde de Pirajá e Barão da Torre não é muito diferente de outras áreas de comércio chique de Ipanema. No entanto, algumas peculiaridades chamam atenção. As calçadas são guardadas por uma tropa de homens vestidos de terno preto, que usam óculos escuros e aquele fone de ouvido típico de guarda-costas de gente rica ou famosa. Turistas estrangeiros chegam em romaria a um território relativamente distante das principais atrações da cidade. Por fim, há uma grande quantidade de mulheres, algumas discretíssimas, que desembarcam rapidamente de carros de luxo, enquanto outras vêm a pé mesmo, às vezes direto da academia, ainda com roupa de ginástica. Tais personagens são parte de um microcosmo único, moldado em ouro, platina, diamantes e pedras preciosas. Como uma versão em miniatura da Madison Avenue, de Nova York, e da Place Vendôme, em Paris, essa é a maior concentração de joalherias da cidade. Ali, em apenas dois quarteirões, estão as sedes de dezesseis lojas do ramo, entre elas potências como H.Stern e Amsterdam Sauer. As duas rivais, instaladas uma ao lado da outra, são tão opulentas que as fachadas de vidro, aço e mármore quase rivalizam com os tesouros de sete dígitos guardados em seus cofres. Há também estabelecimentos mais modestos, com peças singelas, como pingentes de 110 reais. “Só olhar as vitrines já é uma diversão”, diz a estudante de moda Anna Luiza Medrado. Assim como a personagem Holly Golightly, que passava todas as manhãs à porta da Tiffany?s da Quinta Avenida no filme Bonequinha de Luxo, Anna não se cansa de bater perna entre as vitrines coruscantes da vizinhança.

A maioria das pessoas costuma definir o ambiente das joalherias como espaços refinados, com balcões e móveis de bom gosto, onde vendedoras elegantes atendem consumidores abonados. Nas lojas de Ipanema, essa é apenas a parte visível do negócio. Ali, clientes especiais, que procuram peças com valor acima de 50?000 reais, são recebidos em áreas reservadas, longe dos olhares indiscretos dos demais frequentadores. Na H.Stern, localizada no andar térreo do edifício-sede da empresa, um colosso com 44 lojas espalhadas no país e 65 no exterior, há uma sala privativa para esse fim. É o único local onde é possível experimentar, sob o atento olhar do vendedor, a peça mais valiosa da casa (e também do quadrilátero). Trata-se de um magnífico colar de 1,9 milhão de reais, de diamantes e uma turmalina Paraíba de 19 quilates. Extraída de minas no estado nordestino que lhe dá nome, a pedra brasileira rara e valiosíssima, com seu tom de azul fluorescente, compõe peças que são a grande sensação da grife. Bem próximo da sede da H.Stern, a Sara Joias leva às últimas consequências o conceito de tratamento vip. Suas compradoras mais fiéis recebem atendimento personalizado no 3º andar do estabelecimento. O requinte extra se deve ao fato de a anfitriã ser a própria dona da rede, a empresária Laja Sylberman. Para um reduzido grupo ? pessoas com poder aquisitivo nas alturas e que não querem correr o risco de ser vistas entrando ou saindo das cabines exclusivas ?, as grandes joalherias enviam vendedores com catálogos e mostruários para atendimento em domicílio. A socialite Marisa Coser é uma dessas compradoras especiais. Com uma coleção avaliada em torno de 20 milhões de reais, ela é uma cliente disputada. “Compro muito lá fora também”, revela. “Mas a qualidade das pedras daqui é superior.”

Fernando Lemos
Fernando Lemos ()

Se o Brasil sempre foi visto pelos estrangeiros como um eldorado, o Rio de Janeiro, em particular, contribuiu para a existência dessa ligação histórica com gemas e metais preciosos. A partir do descobrimento do ouro e de diamantes no interior do país, no fim do século XVII, o pequeno bastião encravado às margens da Baía de Guanabara cresceu e tornou-se a capital da colônia, em 1763. Durante todo o ciclo da mineração, o Rio foi o maior escoadouro dos produtos para a Europa e, de quebra, viu encorpar em suas ruas todo tipo de comércio ligado ao segmento. A cidade ganhou centenas de ourives, atividade que atingiu o auge com a chegada da corte portuguesa. Ao longo do século XIX, tornaram-se notórios profissionais como Carlos Marin, artesão responsável por confeccionar a coroa de dom Pedro II, cravejada de mais de 700 brilhantes e pérolas, atualmente exposta no Museu Imperial de Petrópolis. Criada para facilitar a fiscalização do setor, uma vez que concentrava toda a atividade em um mesmo lugar, a antiga Rua dos Ourives, atual Miguel Couto, era o equivalente da Garcia d?Ávila de hoje. Segundo Brasil Gerson, autor do livro Histórias das Ruas do Rio, das 78 joalherias cariocas existentes em 1846, nada menos que 66 ficavam nessa via.

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O esgotamento da extração mineral no país acabou por respingar no comércio de joias carioca, que só voltaria a ganhar fôlego após a II Guerra Mundial, graças, principalmente, à iniciativa de dois imigrantes europeus. Em 1949, o alemão Hans Stern abriu sua primeira loja, estrategicamente instalada na estação de desembarque no cais da Praça Mauá, então a principal porta de entrada dos turistas estrangeiros no Rio. Só em 1983 sua sede foi transferida para o prédio de doze andares na Garcia d?Ávila, onde hoje ficam não só a loja-âncora como as oficinas, os escritórios e o museu da H.Stern, aberto à visitação geral e com mais de 1?000 gemas à mostra. Outro visionário com faro para bons negócios foi o francês Jules Roger Sauer, fundador da Amsterdam Sauer, que inaugurou seu primeiro ponto comercial no Rio em 1953, ao lado do Copacabana Palace. Só em meados da década de 90 ele marcou presença em Ipanema, numa área ampla onde chama atenção um vasto acervo de pedras brasileiras franqueado aos visitantes. Entretanto, o pioneirismo no polo joalheiro do bairro não cabe a Stern nem a Sauer, mas, sim,à loja Lafite, aberta em 1972 na Rua Visconde de Pirajá e até hoje em funcionamento.

Dadas as somas vultosas que envolvem, os negócios em torno de metais e pedras preciosas costumam ser cercados de sigilo. Assuntos como quantidade de peças guardadas nos cofres ou valor do estoque são tabus, principalmente entre as grandes do setor. Já as lojas de menor porte guardam em média 2 milhões de reais em mercadorias, segundo o cálculo de seguradoras. Ainda assim, o quadrilátero é visto como um lugar seguro. Cada loja possui, em média, dois seguranças (as grandes redes têm esquemas especiais, e o número de homens é guardado a sete chaves). As estatísticas comprovam que, de fato, a área é bem protegida. Os dezoito assaltos que aconteceram em joalherias da cidade entre julho de 2010 e abril deste ano ficaram restritos aos shopping centers. A preocupação dos vendedores e proprietários em Ipanema é com outro tipo de larápio, no caso os clientes que se aproveitam da distração dos atendentes para surrupiar alguma peça. “São os nossos cleptomaníacos. Esses, sim, nos assustam”, diz Daniel Sauer, diretor da rede Amsterdam Sauer, que tem 22 filiais, uma delas em Miami. A loja já amargou prejuí­zos com senhoras elegantes que, ao provar peças pequenas como anéis, as trocaram por réplicas. “Hoje todas as peças têm etiquetas especiais, difíceis de ser copiadas ou removidas”, conta Sauer.

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Arnaud Chicurel/Hemis/Corbis (le printemps)
Arnaud Chicurel/Hemis/Corbis (le printemps) ()

Para evitarem a ação desses gatunos, os joalheiros desenvolveram esquemas próprios de segurança. O designer Antonio Bernardo, dono da rede que leva seu nome e que tem sua principal loja na área, criou um sistema que lembra o dos provadores das lojas de departamentos. Quando a estoquista entrega as bandejas de peças à vendedora, dá a ela uma ficha com o número exato de joias. Na hora da devolução é feita a checagem. Graças a esse expediente, a empresa conseguiu recuperar um anel que havia sido furtado por uma cliente. O delito foi percebido na hora, mas a gerente quis olhar as imagens das câmeras do circuito interno para se certificar. O caso foi encaminhado para a polícia e a larápia devolveu a peça.

Em um universo cravejado de glamour, em que a elegância é fundamental, a competição entre as grifes se dá de maneira sutil. Uma tática eficaz de expor as marcas é emprestar joias a celebridades para ocasiões especiais. Teve enorme repercussão a aparição da atriz americana Angelina Jolie na cerimônia de entrega do Oscar em 2004 exibindo um colar com 93 diamantes da H.Stern. Avaliada em 16 milhões de reais e criada pelos desenhistas que trabalham no prédio-sede da Garcia d?Ávila, a peça é a mais valiosa já fabricada pela grife. Com um alcance, digamos assim, doméstico, a exposição de joias por personagens de novelas também costuma ser bom negócio. Em 2009, a marca Zucker, uma das integrantes do núcleo ipanemense, moldou um anel de ouro com um coração usado pela atriz Isis Valverde em Caminho das Índias. Resultado: com o empurrão da TV, o tal anel, que custava cerca de 660 reais, virou sucesso de vendas. E mais uma vez lançou os holofotes sobre o quadrilátero brilhante da cidade.

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Jeff Haynes/AFP/Getty Images
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