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O santuário dos motoqueiros

Concessionária de motos recém-aberta no Recreio reúne aficionados de Harley-Davidson, uma turma adepta do estilo ?mão no acelerador e pé na estrada?

Por Renan França
Atualizado em 5 jun 2017, 14h48 - Publicado em 14 out 2011, 18h24

Por onde vão, eles não passam despercebidos. Sua chegada é sempre anunciada pelo ronco característico de máquinas possantes. À medida que se aproximam, outros hábitos denunciam a presença e a identidade da tribo. Logo de cara, dá para perceber que zelam muito pouco pela boa forma e não se incomodam com umas boas gordurinhas a mais. Há espaço de sobra, portanto, para muitas tatuagens pelo corpo. De jeans, óculos escuros e trajando uma ou outra peça de vestuário preta, os aficionados de motocicletas Harley-Davidson costumavam se reunir em bares, esquinas e postos de gasolina da cidade. Pois agora eles ganharam um santuário de verdade. Na última semana de setembro foi aberta no Recreio dos Bandeirantes a primeira loja da marca no Rio. A intenção, evidentemente, é vender modelos que custam entre 25?000 e 65?000 reais. Mas o endereço tem servido também como ponto de encontro para todos os cariocas que comungam da mesma paixão. Aos sábados, a partir das 9 horas, a concessionária lota graças a um café da manhã oferecido aos presentes. “Ter uma dessas é pertencer a uma família. Só quem tem compreende o significado disso”, ressalta o dentista Wagner Sanches, dono de um modelo Ultra Electra Glide, de 64?000 reais.

Mas o que é exatamente fazer parte dessa turma? Em poucas palavras, trata-se de cultivar um estilo muito próprio que se reflete nas roupas, no vocabulário e especialmente nas aventuras vividas. Tão abundantes quanto as tatuagens são as histórias que eles acumulam em sua rotina estrada afora. Vidrado no mito desde a infância, o carioca João Raphael Mello juntou suas economias e se mandou para os Estados Unidos quando completou 25 anos. Fez um curso de mecânica especializada em Harley-Davidson e assim que pôde comprou uma moto. Nos dois anos em que esteve radicado por lá, perambulou montado em sua máquina por rodovias da Califórnia e do Deserto do Arizona. Hoje, seu fascínio pela Harley é uma mistura de devoção e opção de vida. De volta ao Brasil, em 2008, Mello tornou-se vendedor, e traz na pele, entre caveiras e dragões, referências à marca. Seu próximo projeto é desenhar o objeto de adoração no peitoral. “Será o máximo”, diz ele, que pilota uma Dyna Super Glide Custom, modelo de 35?000 reais.

Fernando Lemos
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O desejo de sair por aí com os cabelos ao vento e desbravando novos lugares é o fator de união dessa legião de motociclistas (eles detestam ser chamados de motoqueiros). Como a turma enfatiza, um “harlista” não é tão somente consumidor de um produto, mas sim alguém que faz uso de uma marca para expressar certa filosofia de vida. Ao comprar uma Harley-Davidson, a pessoa está habilitada a ingressar numa patota que se espalha pelo mundo e, inclusive, tem o reconhecimento formal da empresa. Assim, o feliz proprietário ganha automaticamente a filiação temporária à confraria, vinculação que pode ser estendida mediante o pagamento de anuidade. Em 1983, foi criado nos Estados Unidos o Harley Owners Group (HOG, Grupo de Proprietários de Harley). Com 10?000 cadastrados no Brasil e mais de 700?000 no mundo, o HOG tem entre suas atividades a promoção de encontros de aficionados. O principal deles é o Harley Days, que em sua última edição foi realizado em Barcelona e contou com a presença de 500?000 fãs. Pela primeira vez o evento irá acontecer no Rio, no período de 4 a 6 de novembro, na Marina da Glória. Estão programados passeios pela cidade, “test riders” e exposição de produtos, além de espetáculos de música e performances.

Esses grandes encontros costumam agregar multidões. Em 2003, mais de 250?000 devotos compareceram à festa de centenário da marca, realizada em Milwaukee (EUA). A dentista Valéria Aranha é uma das muitas seguidoras que transpõem fronteiras para ir aos eventos. Motociclista há apenas seis anos, ela já encarou a Rota 66, rodovia de quase 4?000 quilômetros entre o litoral da Costa Oeste americana e a cidade de Chicago, uma espécie de Caminho de Santiago dos harlistas. Apesar do pouco tempo de prática, ela se orgulha de ser uma das campeãs de milhagem no país: seu velocímetro registra mais de 100?000 quilômetros rodados, feito que lhe valeu uma placa de reconhecimento da Harley-Davidson. “Minha maior aventura foi viajar até Ushuaia”, relata Valéria, referindo-se ao ponto no extremo sul do continente.

[—FI—]

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A história desse mito do asfalto remete ao começo do século passado, quando, numa pequena garagem de Milwaukee, no estado americano de Wisconsin, os jovens irmãos Arthur e Walter Davidson, em parceria com o amigo William Harley, instalaram um motor em um quadro de bicicleta. Depois de obter um empréstimo bancário, o trio abriu uma fábrica e intensificou a produção. O êxito foi veloz. No começo da primeira década, a máquina já fazia sucesso no país, com mais de 200 pontos de venda espalhados pelos Estados Unidos. Na II Guerra Mundial, as tropas americanas usaram 90?000 motos e sidecars daquela grife. Terminado o conflito, ela deu um salto extraordinário e ganhou a fama que a acompanha até hoje. Contou para isso a ajuda de Hollywood (veja o quadro acima). As Harleys começaram a aparecer em filmes sempre associadas a tipos libertários e rebeldes. Em O Selvagem, de 1954, Marlon Brando guiava um modelo. Assim se uniam duas lendas da cultura daquele país. A fita mais representativa do estilo on the road, porém, foi Sem Destino (Easy Rider, 1969), na qual Dennis Hopper e Peter Fonda vagueiam acelerando suas motos.

Selmy  Yassuda
Selmy Yassuda ()

A essa altura, a Harley-Davidson havia muito já tinha se tornado uma instituição e se transformara numa poderosa máquina propulsora de venda de toda sorte de objetos: botas, camisetas, jaquetas de couro, coletes, cintos e bolsas. Apesar da pujança aparentemente inquebrantável, a empresa deu uma derrapada com a chegada ao mercado da concorrência de fabricantes japoneses. De três décadas para cá, no entanto, recuperou o fôlego e se expandiu ? dentro e fora dos Estados Unidos. A loja recém-inaugurada no Rio é a oitava do Brasil, país onde foram vendidas em 2010 cerca de 4?000 dessas motos, e que tem previsão de negociar neste ano 500 unidades a mais. “Os grandes eventos da década serão no Rio. Portanto, era natural abrirmos aqui uma franquia”, afirma o gerente Maurício Turquia. “Sem contar que a cidade propicia passeios maravilhosos.” Não estranhe, portanto, se, daqui por diante, você vir aqueles tipos inconfundíveis com maior frequência por aí.

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