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O poderoso chefão

Um dos diretores mais influentes da Rede Globo,Dennis Carvalho estreia um musical sobre Elis Regina e faz revelações da sua vida e dos bastidores da TV

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 2 jun 2017, 13h17 - Publicado em 27 nov 2013, 18h24

Habituado a comandar sets de gravação com mais de 100 pessoas e a trabalhar com as maiores estrelas da televisão brasileira, Dennis Carvalho sentiu as pernas bambearem em março passado. O episódio se deu em um jantar no Fashion Mall, quando a produtora Aniela Jordan, sócia da Aventura Entretenimento, o surpreendeu com o convite para ficar à frente de uma ambiciosa montagem com dezenove atores e orçada em 10 milhões de reais. A megaprodução homenagearia Elis Regina (1945-1982), a cantora mais completa e geniosa da história da MPB, e de quem, inclusive, foi muito amigo. Aturdido com a proposta, pediu uma semana para pensar. Aos 66 anos e um dos homens mais poderosos da Rede Globo, nunca havia dirigido uma peça, apesar de ter uma carreira quase cinquentenária na televisão. O festejado espetáculo Elis, a Musical, que estreou na semana passada no Teatro Oi Casa Grande, é um marco em uma trajetória que por si só renderia um apetitoso enredo para os palcos, com ingredientes como drogas, casamentos e divórcios com grandes estrelas e escândalos. “Hoje vivo uma fase de êxtase. Estou me sentindo como um iniciante e em alguns momentos chego a parecer uma criança, morrendo de medo.”

Ocupar um dos postos mais importantes de uma poderosa rede de televisão é o trabalho dos sonhos para boa parte da humanidade. Vive-se cercado de mulheres deslumbrantes, em meio a artistas de talento titânico, e desfruta-se todo tipo de paparico. Como um semideus do entretenimento, essa pessoa define quem terá direito à fama ou desidratará no ostracismo. O salário para fazer tudo isso gira entre 300?000 e 600?000 reais por mês. Sob esse ponto de vista, surpreende a insegurança de Dennis diante da nova empreitada. Sua entrega ao projeto foi absoluta. Assistiu a todos os testes, que atraíram 400 candidatos, e passou os últimos dois meses ensaiando oito horas diárias, de segunda a sábado. Isso acumulando suas funções de diretor de núcleo da Globo. Seu encantamento era visível nos bastidores. A cada encontro, cantarolava as canções entoadas pelos atores, vibrava com as cenas fortes e não continha as lágrimas. Tal envolvimento se explica, em parte, pelo elo entre o artista e sua obra. O diretor tornou-se muito próximo de Elis nos seus últimos dois anos de vida. Certa vez, perguntou-lhe como era ser a maior cantora do país. “Ela respondeu: ?Do que adianta, se sou baixinha e vesga??”, lembra. O diálogo foi incluído no espetáculo. A três semanas da estreia, já não conseguia dormir direito. Para quem acompanhou toda a preparação, o esforço valeu. “Ele tem o domínio absoluto da linguagem de televisão e conseguiu levar para o palco o seu bom gosto, o amor à música e o talento para a direção de atores”, exalta Nelson Motta, que assina o texto com a jornalista Patrícia Andrade.

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No musical, tudo funciona. As interpretações, em especial a de Laila Garin no papel-título, são impecáveis, o figurino é deslumbrante e as canções emocionam de verdade. Apesar de mostrar os conflitos e as dificuldades de Elis em conciliar o estrelato, as exigências da fama e a vida pessoal, optou-se por não abordar um ponto crucial: o envolvimento da cantora com as drogas. É uma licença poética da qual Dennis abre mão quando fala de si próprio. Qualquer pessoa que tenha sido exposta à quantidade de cocaína que ele consumiu, e por tanto tempo, poderia ter morrido. Começou a usar aos 24 anos, inicialmente em festas, e bateu no fundo do poço em meados dos anos 90. Ele lembra que passava três noites seguidas em claro cheirando e depois gravava o dia inteiro, com uma centena de atores e técnicos sob sua responsabilidade. O fato de as pessoas não notarem ? ou não comentarem ? fez com que o perigoso ciclo se perpetuasse até Dennis receber um ultimato de sua terapeuta: ou ele entrava para um programa de reabilitação ou seu corpo não aguentaria. “É difícil aceitar a doença e vencer a vergonha de que você precisa de tratamento”, recorda. Foram trinta dias internado em uma clínica e três anos frequentando diariamente os Narcóticos Anônimos. Agora, seus únicos vícios são o cigarro e o futebol. Torcedor fanático do São Paulo Futebol Clube, é do tipo que vê quatro jogos gravados ao mesmo tempo. Dorme e acorda cedo. “Embora seja totalmente workaholic, hoje ele curte muito estar com a família”, descreve a atriz Deborah Evelyn, sua ex-mulher, com quem conviveu 24 anos.

Uma das canções escolhidas pelo próprio Dennis para a trilha de Elis, a Musical é a composição Aos Nossos Filhos, de Ivan Lins, que considera o hino sentimental de sua vida. Trata-se de um pungente pedido de desculpas aos descendentes pela ausência prolongada em função do trabalho excessivo. A letra começa com os seguintes versos: “Perdoem a cara amarrada / Perdoem a falta de abraço / Perdoem a falta de espaço / Os dias eram assim”. Faz todo o sentido quando se leva em conta que, em 1991, ele experimentou aquilo que define como a pior dor que alguém pode sofrer: a morte de um filho. O diretor estava no estúdio da Globo quando foi avisado de que a ex-mulher Christiane Torloni, ao manobrar o carro na garagem de casa, em São Conrado, havia caído com o veículo em um barranco e o filho de ambos, Guilherme, de 12 anos, tivera traumatismo craniano no acidente. Ao entrar no hospital, foi a própria atriz quem deu a notícia da morte do menino. “Saí gritando pelos corredores todos os palavrões que sabia como quem xinga a própria vida”, lembra. “A dor é indescritível. Você não supera jamais, apenas se acostuma a viver com ela.” Guilherme era irmão gêmeo do ator Leo Carvalho, 34 anos. Dennis também é pai de Tainah, 32, da união com a atriz Monique Alves (1962-1994), e de Luiza, 20, com Deborah Evelyn.

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A imagem de grandes diretores quase tão célebres quanto os astros que apareciam à frente das câmeras remonta aos primórdios da indústria cinematográfica de Hollywood. Figuras como Cecil B. DeMille tornaram-se conhecidas pelo estilo tirânico e por mandar e desmandar nos grandes estúdios. De certa forma, Dennis se enquadra nesse perfil. São famosos seus berros nos sets de gravação, bem como as duras em atores que não decoram direito suas falas. Também costuma ter pavio curto para ataques de estrelismo. Na primeira temporada de Sai de Baixo, na segunda metade dos anos 90, eram notórias as brigas dos atores ? particularmente as que tinham como pivô o humorista Tom Cavalcante. Em um arranca-rabo durante as gravações, abandonou o set por uma hora e deixou todos lá plantados, esperando. “Pareciam crianças. Dei um castigo”, diverte-se o diretor. O tempo também costuma fechar quando um ator se atrasa. Pontualíssimo, Dennis não admite furos. Até hoje não digeriu, por exemplo, um episódio envolvendo a atriz Ana Paula Arósio, que simplesmente desapareceu às vésperas das gravações de Insensato Coração, em 2010. “É uma desequilibrada. Nunca deu justificativa”, ataca. Como se vê, a ausência de papas na língua também é uma de suas características ? que por sinal já magoou profissionais mais sensíveis. Durante as gravações de Anos Rebeldes, enquanto comandava uma cena da suíte onde ficam os diretores, reclamou com um técnico pelo fone que a equipe usa: “A Malu (Mader) é muito chata, fala demais”. A atriz, que também estava conectada à rede, ouviu. Ficaram uma semana sem se falar. Hoje o episódio está superado. “O Dennis me levou para a TV e sempre foi determinante na minha carreira”, enfatiza ela.

Tamanho poder não significa que ser diretor é apenas mandar e ser obedecido. No passado, Dennis viveu alguns apuros e constrangimentos em embates com a chefia. Em 1985, chegou a ser demitido ? e recontratado 24 horas depois. Ele pôs no ar, desavisado, cenas da novela Corpo a Corpo embaladas com uma música de Milton Nascimento, um de seus maiores amigos, que não tinha autorização da gravadora. Da mesma forma, ter no currículo sucessos como Dancin? Days, Vale Tudo, Celebridade e Anos Rebeldes não significa que pode fazer o que quiser sem prestar contas a ninguém. Em 1991 Dennis levou um pito homérico do então vice-presidente da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, logo nos primeiros capítulos de O Dono do Mundo. Inspirado nas produções cinematográficas, decidiu criar um clima especial no estúdio, com um fog artificial. O chefão odiou. “Tira isso! Está tudo esfumaçado, não se vê nada”, vociferou Boni.

Assim como acontece com os atores, o fato de ser uma figura pública rende dissabores que vão muito além do assédio de interessados em obter uma chance de ouro na TV. Recentemente, Dennis enfrentou a dor de cabeça de ser alvo de um processo judicial movido por um ator do Rio Grande do Sul. O rapaz, chamado Nil Gomes, entrou com uma ação em 2011 alegando que tivera um caso com o diretor em troca de um papel numa novela e que este não cumprira o acerto. A Justiça deu ganho de causa ao chefão da Globo, mas um vídeo foi postado por Gomes no YouTube, onde está até hoje, e já conta com mais de 20?000 visualizações. O episódio toca em um ponto sensível em torno da ambição sem limite de jovens atores que topam tudo por um papel e da falta de escrúpulos de diretores no exercício de seu poder, naquilo que se tornou conhecido como teste do sofá. Para o Dennis, a questão é assunto encerrado. “Isso jamais aconteceu. Estaria pondo em xeque a minha capacidade como homem e usando a minha profissão, que é sagrada”, afirma. Sua preocupação agora é com a próxima novela de Gilberto Braga, que deve dirigir em 2014, e o comando de uma nova peça. “Demorei muito para fazer teatro, agora não saio mais”, afirma. A julgar pelo resultado de Elis, a Musical, o rapaz parece que tem futuro.

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