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Sertanejo arrasta cariocas de boates a blocos de Carnaval

Antes considerado brega por aqui, ritmo agora atrai milhares de fãs que lotam festas temáticas e não perdem um show dos seus ídolos

Por Carla Knoplech e Carolina Barbosa
Atualizado em 2 jun 2017, 12h16 - Publicado em 16 jan 2016, 00h00

Sexta, 8 de janeiro. Perto das 11 da noite, as portas da casa se abrem e o espaço começa a se encher rapidamente, absorvendo as longas filas na entrada. O bar fica lotado. Esquentam o vaivém e as trocas de olhares ao longo do corredor, um ambiente enfeitado com luz estroboscópica e espelhos, que leva à pista de dança. Não demora e a multidão segue a coreografia da vez sob mais efeitos visuais esfuziantes. A cena descrita se encaixa em muitos sucessos de verão na noite carioca, mas a trilha sonora que estourou nesta estação definitivamente é outra. Para alegria dos 600 presentes, o DJ da festa Celeiro, concorrida atração no Palaphita da Gávea, no Jockey Club, tira sua primeira carta da manga, ou melhor, dos pickups: Calma, canção romântica dos goianos Jorge & Mateus. É a senha para que até os mais inibidos criem coragem, puxem um par e comecem a dançar e cantar, caprichando no refrão “Calma, a sua insegurança não te leva a nada / Eu quero ser seu homem, te fazer amada / Amar, amar você até você se amar e me amar”. Seja bem-vindo (ou não): depois dos verões do Píer (1972), do Circo (1982) e da Lata (1988), chegou a vez do verão do sertanejo.

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No Rio lançador de modas e costumes, que trata a passagem da estação mais quente do ano como acontecimento com nome na história, sons nativos, a exemplo do samba e do funk, ganharam um rival exótico, forte e surpreendente. No Palaphita da Gávea, são enfileirados nas caixas de som outros hits melosos, pérolas do naipe de Aquele 1% (Marcos & Belutti) e Cê Topa? (Luan Santana). Muita gente topa. “É um ritmo envolvente, que permite dançar junto. O tipo de música de que as mulheres gostam, tem romantismo nas letras, palavras de superação”, defende a advogada Juliana Santiago Barata, 28 anos. “Depois de um fim de relacionamento, é a melhor coisa para ouvir”, recomenda. O melhor mesmo, naquele 8 de janeiro, ainda estava por vir. Às 2 da madrugada, gritinhos histéricos femininos, calibrados por drinques à base de vodca e energético, ou cachaça com mel e muito gelo, anunciam a chegada de uma dupla ao palco da Gávea. O par de voz firme e empostada, camisa de malha e calça jeans, e violão a tiracolo, ataca logo de Vai Vendo, a composição do jovem cantor mineiro Lucas Lucco, dos conhecidos versos “Esse arrocha é pra você / Que achou que eu tava aqui sofrendo / Uh! Vai vendo”, estouro nas rádios e nas noitadas Brasil afora. Ugo, da Ilha do Governador, e Bruno, de Engenho de Dentro, atração que encanta a plateia no Jockey, estão na estrada há cinco anos, já lançaram três CDs e andam com a agenda lotada. Só em dezembro foram 25 shows, a maioria em casas do Rio e do interior do estado.

O verão sertanejo chegou pelas beiradas, sem espantar o público antes de jogar o laço. “Os cariocas se deram conta de que o gênero não é só bota e chapéu, e se apaixonaram”, diz Marcelo Vital, um dos fundadores do bloco Chora, Me Liga — que desfilará pela Avenida Atlântica no próximo dia 31 —, produtor da festa Mansão 62, no Horto, e do SertaNejo Rio Festival. Adivinhe qual é o tipo de música comum a esses três eventos? “O sertanejo hoje é a verdadeira MPB e está dominando a programação das rádios”, comemora o empresário. Ele não exagera. O bloco temático Chora, Me Liga reuniu 60 000 foliões em 2015 e espera levar 80 000 ao desfile deste ano, em Copacabana. Ainda no Carnaval, a Imperatriz Leopoldinense vai desfilar pela Passarela do Samba com dois ícones do segmento, os cantores Zezé Di Camargo e Luciano, como enredo. A força dos herdeiros de Pena Branca e Xavantinho é um fato. Segundo dados da Crowley Broadcast Analysis do Brasil, empresa especializada em monitoração eletrônica de áudio, o estilo alcançou uma projeção inédita em 2015. Das 100 canções mais tocadas no Brasil, 75 foram sertanejas. 

Da boate 00, na Gávea, ao Lapa 40 Graus, passando pelo Usina 47, point da juventude dourada da Zona Sul no Leblon, muitas casas se renderam à nova ordem. Alguns donos, no entanto, promoveram a mudança com uma ponta de desgosto. “Tiramos a bossa nova dos sábados, e foi o tiro certo. Atualmente esse é, para o meu desespero, o dia que mais enche”, reconhece, com bom humor, Rafael Sampaio, sócio do Barthodomeu, em Ipanema. “O sucesso é tanto que cantores de outras tendências, nos demais horários, estão adotando essas músicas nos seus repertórios, de olho no couvert artístico”, entrega o empresário. Dono do Palaphita da Gávea, Mário de Andrade Netto faz coro com Sampaio: “Sertanejo está longe de ser a minha praia, mas o tíquete médio por pessoa cresce no mínimo 20% nesse tipo de festa. Dá muita mulher, e isso faz uma noitada de sucesso. Acabei me rendendo”. Realizada em sua casa, a festa semanal Celeiro foi redimensionada. Passou a ocupar mais espaço a partir da edição programada para 15 de janeiro. Mas grande mesmo é a Pense em Mim, tributo ao sertanejo clássico que costuma reunir 2 000 pessoas, com direito a distribuição de chapéu na entrada, música ao vivo bem romântica e touro mecânico. A última aconteceu em 25 de dezembro, com entrada a até 180 reais, e nova data já está agendada para 12 de fevereiro.

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Entre falsetes, dor de cotovelo e, vá lá, alguma picardia, a curtição urbana com um quê de festa agropecuária vem tirando espaço do samba e do funk. Basicamente, muda o fundo musical, mas não mudam as intenções, o que explica a boa aceitação. “É um estilo musical que ajuda muito na azaração. Se você consegue tirar uma menina para dançar, já é meio caminho andado”, vai direto ao ponto o assistente financeiro Victor De Santis, 25 anos, que estava com o amigo Bruno Cardoso, 22 anos, em recente edição da Celeiro, na Gávea. A propósito: ambos se encontravam acompanhados por duas belas moças. “As frequentadoras desse tipo de festa são mais selecionadas”, conta. As cariocas já deram um jeito de adaptar o visual sertanejo e escapar do clichê ao misturar vestidos estampados com cores vivas da Farm e sandálias rasteirinhas a adornos mais característicos. Uma bolsa de franja, por exemplo, é bem-vinda, assim como uma peça ou outra de couro — seja uma saia, seja um colete. Já o chapéu é polêmico e divide opiniões. Ainda assim, alguns frequentadores entram completamente no espírito, de chapéu e tudo.

Atentos a esse novo público, profissionais da rede curitibana de boates Wood’s — especializada no universo sertanejo — acalentavam há tempos a ideia de abrir um endereço no Rio. A marca tem catorze unidades espalhadas pelo país. Para evitar dissabores, decidiram chegar de mansinho. Duas festas foram realizadas no ano passado, no Morro da Urca e no Parque da Bola, estrutura montada no Maracanã. Juntas, atraíram mais de 6 000 pessoas, dando força ao plano de inauguração de uma filial temporária na Zona Sul. O novo ponto deve abrir as portas ainda neste semestre. “O público que encontramos foi uma turma bacana e elitizada que, se antes apresentava resistência, agora abraçou o sertanejo”, comenta Rafael Setrak, um dos sócios da Wood’s. A oposição já foi mais forte, é verdade. Há quase 25 anos, em 1991, Leandro (1961-1998) e Leonardo, dupla de grande sucesso à época, pisaram no Canecão pela primeira vez. Fizeram quatro shows na conhecida casa de espetáculos. Em texto publicado no Jornal do Brasil, o prestigiado crítico musical Tárik de Souza desancou os autores de Pense em Mim. Entre outros petardos, definiu a apresentação como “um crossover perverso de sertanejo, jovem guarda e brega romântico”. Grave, decretou: “O mar virou sertão. Com cactos de plástico”. Tárik, eles voltaram com força. E a galera está adorando — pelo menos por um verão.

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