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Diário de uma artista

O CCBB exibe 82 obras e objetos pessoais de Tarsila do Amaral, pintora-símbolo do modernismo brasileiro que, desde 1969, não tinha uma grande mostra na cidade

Por Rafael Teixeira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h40 - Publicado em 3 fev 2012, 11h51
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Uma consulta à lista de lugares que Tarsila do Amaral (1886-1973) visitou nos anos 1920 revela um notável traço cosmopolita da maior pintora brasileira. Na relação de países em que ela esteve, quase sempre na companhia do namorado e depois marido Oswald de Andrade (1890-1954), alinham-se Portugal, Espanha, França, Itália, Síria, Turquia, Egito e Grécia, entre outros. Boa parte daquelas andanças foi registrada em um diário de viagem, relíquia cuidadosamente guardada por sua família. É esse caderno de capa dura, pouco maior do que uma folha de papel ofício, que serve de fio condutor para a exposição Tarsila do Amaral ? Percurso Afetivo, com abertura prevista para o dia 13, no CCBB. É a primeira individual da artista no Rio desde 1969 (antes disso, ela merecera duas mostras na cidade: em 1929 e 1933). Desta vez, serão 82 obras, além de uma seleção de objetos pessoais, entre cartas, fotografias e até uma pulseira. A principal diferença em relação a retrospectivas anteriores, seja no Rio, seja em outras cidades, é a tal agenda que lhe serviu de inspiração – e que também estará exposta. Nela, quase não há anotações. As páginas são tomadas por uma vasta colagem de ingressos de espetáculos, comandas de restaurantes, cartões de hotéis, certificados de pesagem de malas e muitas fotos, entre vários suvenires que compõem um painel de suas experiências. “Resolvi organizar as peças seguindo esse modelo, com um enfoque mais emocional, que falasse ao coração e ao mesmo tempo fugisse das abordagens mais didáticas”, explica o curador Antonio Carlos Abdalla.

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Ainda que se afaste do padrão tradicional, a mostra apresenta um consistente apanhado de obras das fases mais importantes da carreira de Tarsila, garimpadas em vinte coleções, entre museus e acervos particulares. Marco do período denominado pau-brasil, com cores acentuadas, temas e motivos nacionais, a tela E.F.C.B., de 1924, estará lá. Outra que segue o mesmo estilo, também datada de 1924, é Carnaval em Madureira, com uma Torre Eiffel plantada em meio aos casebres do subúrbio carioca, visitado por Tarsila pouco antes da concepção do quadro. Da fase social, em que a artista manifestou seu lado politicamente engajado, vem um representante pouco conhecido: Crianças (Orfanato), de 1935, pertencente ao colecionador paulista Simão Mendel Guss, que cedeu ainda Chapéu Azul (1922), exemplar do início da carreira da pintora, em estilo acadêmico. O período mais importante, o antropofágico, é representado principalmente pela tela Antropofagia, pintada em 1929. “Infelizmente não conseguimos trazer o Abaporu”, lamenta a sobrinha-neta e biógrafa da artista, que tem o mesmo nome da tia e é conhecida como Tarsilinha. Ela se refere ao quadro mais famoso da pintora, pertencente ao acervo do Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (Malba).

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veja pistas sobre a origem do quadro A Negra, uma das obras-primas da pintora, de 1923

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O caráter afetivo da exposição é particularmente notável na conexão entre duas obras que serão exibidas e o diário de viagens. Trata-se de um esboço em nanquim de 1923 da tela A Negra, produzido no mesmo ano em Paris, e de uma versão de 1940, deixada incompleta. Em uma das páginas do caderno, em meio a cartões-postais de hotéis de luxo no Oriente Médio, entradas de teatros parisienses e um cartão com dados do poeta suíço Blaise Cendrars (1887-1961), está a fotografia da ama de leite da pintora, que a família acredita ter sido a inspiração para a tela (veja o quadro ao lado). “Estava folheando a agenda com uma amiga e, de repente, ao virar a página, deparei com a fotografia. Falei na mesma hora: ?Olha aqui A Negra!?”, lembra Tarsilinha.

Dona de uma biografia tão exuberante quanto as telas que produziu, Tarsila nasceu em uma rica família de cafeicultores do interior paulista. Teve uma educação primorosa, estudou em colégios internos na Europa, frequentou os principais círculos intelectuais da França nos anos 1920 e ficou subitamente pobre quando a fortuna da família virou pó na quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929. Encantou-se com o comunismo, visitou a União Soviética durante o período stalinista e trabalhou desenhando afrescos em Paris até voltar para o Brasil. Sofreu desilusões amorosas (Oswald de Andrade a trocou pela escritora e militante comunista Patricia Galvão, a Pagu, e o jornalista Luiz Martins, com quem viveria um longo romance, acabaria se casando com uma prima da pintora) e traumas pessoais (a morte da neta Beatriz, afogada, aos 15 anos, em 1949, e a perda de Dulce, sua única filha, em 1966). Com seus quadros e objetos pessoais, a exposição do CCBB oferece uma oportunidade de conhecer melhor essa artista tão fascinante, que viveu e retratou como poucos as turbulências do século passado.

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