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Na busca por adrenalina, cariocas aderem aos esportes ultrarradicais

Movidos a fortes descargas de adrenalina, cariocas adeptos dos esportes radicais correm o mundo à procura de aventuras cada vez mais perigosas — e que podem levar à morte

Por Carolina Barbosa e Ernesto Neves
Atualizado em 2 jun 2017, 12h32 - Publicado em 11 jul 2015, 00h59

Com duas décadas de carreira, Luigi Cani, 44 anos, é um aventureiro que adotou o risco extremo como meio de vida. Paraquedista de formação, com mais de 11 000 saltos no currículo, atualmente se dedica a voar a grandes altitudes com um wingsuit, macacão especial que permite planar. Com a roupa, já pulou sobre as construções delirantes de Dubai, o rochedo de Balls Pyramid, na costa da Austrália, e até do Cristo Redentor. Em abril deste ano, porém, sofreu um baque forte. Seu amigo, o americano Dean Potter, considerado um dos mais importantes nomes dos esportes ultrarradicais, morreu ao saltar com o mesmo tipo de traje de uma rocha a 2 300 metros de altitude, no Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia. Potter era um dos craques da modalidade e estava acompanhado de outro parceiro de aventuras, Graham Hunt, de 29 anos, que também perdeu a vida. A hipótese é que ambos tenham batido em uma formação rochosa chamada Lost Brother (Irmão Perdido).

Luigi Cani
Luigi Cani ()

Cani já havia saltado com Potter na Suíça, e a última vez que conversaram foi em 2014. “Ele era conservador nos saltos,por isso a notícia do acidente me surpreendeu”, conta Cani. “Mas quem pratica esportes de risco sabe, infelizmente, que essa é uma situação frequente. Às vezes, eu me sinto como um veterano de guerra. Você vê seus amigos morrer de uma maneira muito violenta e, não raro, tem de ajudar no resgate dos corpos. Isso pode ser bem traumático, mas chega a um ponto em que passa a fazer parte da sua rotina”, diz Cani, que no último ano perdeu três colegas praticantes do esporte. O que leva pessoas no auge da forma física, adeptas de um estilo de vida saudável e quase sempre bem-sucedidas na profissão a embarcar em aventuras esportivas que podem acabar em autodestruição? Elas mesmas dão a resposta: são viciadas em risco e experimentam uma epifania quando conseguem se safar de situações potencialmente mortíferas (confira os depoimentos ao longo desta reportagem).

O barato da adrenalina
O barato da adrenalina ()

E a ciência corrobora tal comportamento. Diante de ocasiões de perigo, o corpo produz um coquetel de substâncias entorpecentes ou estimulantes que viciam (veja o quadro na pág. 33). “O medo inicial é suplantado pelo prazer que vem depois, to­rnando-se a grande recompensa”, explica Nelson Goldenstein, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. “Acredita-se que, para algumas pessoas, essa experiência de prazer seja tão intensa que crie uma dependência, fazendo com que elas busquem riscos cada vez maiores”, conclui. Ao se exporem a situações que provocariam pânico mesmo nos mais corajosos, os atletas buscam de modo incessante novas formas de superação. “Quanto mais difícil é o desafio, mais vontade tenho de suplantá-lo”, diz o empresário Bernardo Fonseca, praticante de ultramaratonas, que, não satisfeito em esgotar o corpo e a mente correndo, resolveu fazer isso em lugares particularmente inóspitos à vida — e repletos de armadilhas, como a Antártica e o Monte Everest.

Bernardo Fonseca
Bernardo Fonseca ()
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Na medida do possível, para se resguardar antes de embarcar em cada uma dessas empreitadas, ele encara um rigoroso processo de planejamento e preparação, em que eventuais riscos e problemas são avaliados e mitigados. “O que está em jogo, na verdade, é a competição comigo mesmo”, diz Fonseca. Por isso, ao concluir o desafio, a sensação é de êxtase total. “De forma inconsciente, ao sair ileso de uma atividade arriscada, você se sente poderoso, no controle de sua vida”, explica Raphael Zaremba, especialista em psicologia do esporte e professor da PUC-Rio. “Não deixa de ser uma forma de renascimento”, completa. A experiência adquirida, somada à vontade de adicionar ainda mais perigo às aventuras, serve como trampolim para desafios ainda mais difíceis.

Julia Botelho
Julia Botelho ()

É comum entre os aventureiros radicais a passagem por várias modalidades, em uma espécie de escalada da adrenalina. A advogada niteroiense Julia Botelho, 28 anos, começou a praticar montanhismo em 2009.Três anos depois, decidiu que era hora de adicionar uma dose extra de emoção. Optou pelo basejump. Diferentemente do popular bungee jump, em que o praticante despenca de pontes preso a um cabo elástico, aqui a queda não tem proteção, e é preciso abrir um paraquedas em questão de segundos. Criado nos anos 70, o esporte é tão perigoso que continua ilegal em diversos países. É frequente ocorrer prisões após atletas concluírem o voo.Um dos passatempos preferidos de Julia é atirar-se do topo da Pedra da Gávea, a 842 metros de altura. Já foram 186 saltos, um deles no Dedo de Deus, em Teresópolis, no início do ano. “Após pisar no chão, eu relaxo completamente. Mas é igual a uma droga, logo você quer mais”, compara Julia. Hoje, ela tem como meta saltar de montanhas inexploradas por outros esportistas, além de ini­ciar-se no wingsuit, exatamente a mesma atividade que levou o americano Potter à morte.Com equipamentos pouco convencionais, cursos preparatórios e extensas jornadas de planejamento e estudo, os esportes ultrarradicais são uma brincadeira cara. Em alguns casos, a logística chega a ser tão complexa que uma única empreitada exige um polpudo investimento.

Henrique Pistilli
Henrique Pistilli ()

Os 45 dias que Bernardo Fonseca passou no Monte Everest e que lhe renderam o título de campeão na ultramaratona de 60 quilômetros custaram 50 000 reais, por exemplo. A prova na Antártica consumiu 12 000 euros apenas na inscrição para a competição. “Não é algo que dê para fazer todos os dias, mas a experiência vale cada centavo”, afirma ele. Os atletas do perigo ainda têm de bancar a parafernália que carregam — um equipamento de paraquedas, usado pelos adeptos do basejump, não sai por menos de 7 000 reais. Há outra despesa fundamental: a apólice de seguro. Montanhista e instrutor de escalada de rocha, o carioca Bernardo Rubim gasta 3 600 reais por ano com o quesito. “E para viagens internacionais faço um seguro à parte, caso precise de atendimento ou resgate”, diz Rubim, que três anos atrás se perdeu durante uma expedição na Patagônia.Muito do frisson que hoje existe em torno dos esportes de superação vem da glamourização dos desafios e situações de risco em livros, filmes, programas de TV e internet.

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Bernardo Rubim
Bernardo Rubim ()

Um exemplo é 127 Horas, produção baseada em um livro autobiográfico do alpinista Aron Ralston, em que o protagonista, vivido pelo ator James Franco, se vê em uma enrascada terrível ao se aventurar no Grand Canyon. Lançado em 2010, o filme faturou 60 milhões de dólares, mais de seis vezes o valor de produção. O gigante Warner Bros prepara-se para ir além com Caçadores de Emoção — Além do Limite, repleto de cenas com atletas de elite e um orçamento estimado em 100 milhões de dólares. De olho nesse crescente potencial econômico, a marca de energéticos Red Bull tornou-se referência ao não só patrocinar eventos esportivos, como também investir em competidores. Financia 750 atletas, distribuídos por oitenta países e 170 modalidades. No Rio, um dos playgrounds preferidos de quem gosta de se arriscar subindo montanhas, pulando delas ou enfrentando o mar, são sete os esportistas radicais patrocinados pela marca austríaca, entre eles os surfistas Carlos Burle e Maya Gabeira. Em outubro, a propósito, ela voltará a Portugal para tentar descer a maior onda do mundo. Na primeira tentativa, quase morreu — só um detalhe para uma legítima caçadora de emoções.

Raquel Iendrick
Raquel Iendrick ()

 

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