Continua após publicidade

A lei é para todos

Ao enquadrar anônimos e famosos, como o deputado federal Romário, a Operação Lei Seca impõe a ordem nas ruas da cidade

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 14h56 - Publicado em 15 jul 2011, 15h51

Na madrugada do domingo passado (10), o deputado federal e ex-jogador Romário teve sua habilitação apreendida por se recusar a fazer o teste do bafômetro ao ser parado em uma blitz da Operação Lei Seca, na Barra. Ele escapou de ter o carro rebocado, pois chamou um amigo para assumir o volante, mas não se livrou da multa de 957,70 reais e dos 7 pontos na carteira pela infração gravíssima. Famoso pelo enorme talento para fazer gols e também pelas polêmicas, Romário integra o contingente de mais de 40?000 pessoas que, desde a implantação do programa no Grande Rio, perderam a carteira de motorista por estar alcoolizados ou por se recusar a soprar o bafômetro por qualquer razão, muitas delas alegando o direito constitucional de não produzir provas contra si mesmas. Enquadrar políticos, esportistas e celebridades, credenciais sempre associadas a privilégios no país, felizmente tem sido praxe nesse tipo de blitz. Como Romário, outras personalidades já foram surpreendidas na mesma situação e tiveram de passar pelo constrangimento de ter o veículo rebocado e a carteira retida, fora o prejuízo com a multa.

Iniciada em 19 de março de 2009, nove meses depois da publicação de uma lei federal que ampliou as restrições e recrudesceu a punição aos motoristas flagrados alcoolizados, a Operação Lei Seca havia abordado 525?622 veículos até a madrugada da última quarta-feira (13) na região metropolitana do Rio. Entre tantas estatísticas que impressionam (veja o quadro acima), um número em especial chama atenção. Mais da metade das 92?320 multas aplicadas ao longo do período não têm nenhuma relação com o consumo de chopes e caipirinhas pelo condutor. Elas se referem à inadimplência com o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) e ao atraso na vistoria anual obrigatória. Com a ampliação da fiscalização ? e a impossibilidade do “jeitinho” ?, muitos cariocas trataram de colocar essas exigências em dia. Uma das consequências da operação é o aumento nas vistorias realizadas pelo Detran, cujo prazo de espera neste ano pode ultrapassar dois meses. “A operação tem por objetivo educar a população e punir quem bebe e depois dirige, o que não significa que outras irregularidades serão ignoradas”, explica o major Marco Andrade, coordenador do procedimento.

Fernando Frazão
Fernando Frazão ()

A grande diferença do programa em andamento no Rio para o de outros estados é a junção de três órgãos para a atuação nas ruas: Polícia Militar, Detran e Secretaria de Governo (Segov). Quem escolhe quais veí­culos serão parados e aborda os motoristas são os agentes da PM, os únicos que têm essa competência legal. Depois de se apresentar e pedir a documentação do condutor e do veículo, o policial o acompanha até a barraca, onde será soprado (ou não) o bafômetro. Lá, os documentos são entregues aos funcionários da Secretaria de Governo para o registro do resultado do teste. Na parte de trás da tenda fica o pessoal do Detran, responsável por aplicar as multas cabíveis em caso de alcoolemia acima do permitido, a partir de 0,13 micrograma por litro de sangue. Caso a taxa esteja acima de 0,30, o infrator é preso em flagrante. O mesmo grupo acessa uma base de dados por meio de um palmtop para checar a situação do IPVA e da vistoria do veículo. Essa estrutura tripartite torna-se praticamente incorruptível, fator apontado como uma das grandes virtudes da operação. “São vinte pessoas que não se conhecem em uma mesma equipe, uma fiscalizando a outra”, diz o tenente Bruno Leite, responsável por um dos dez grupos que atuam diariamente no Grande Rio.

transitoquadro1.jpg
transitoquadro1.jpg ()
Continua após a publicidade

Os resultados são visíveis e medidos com números alentadores. Um levantamento relativo ao primeiro ano da ação mostra que houve uma redução de mais de 30% no número de mortes no trânsito carioca. No entanto, mesmo com benefícios mais do que evidentes, existem queixas. A principal delas não tem nada a ver com o hábito de beber, mas sim com os efeitos colaterais dos bloqueios. “Somos 100% a favor do teste do bafômetro e fazemos campanha contra a direção irresponsável. Mas é evidente que as operações também se tornaram mecanismo de arrecadação tributária, sob pena de apreensão do veículo em plena madrugada”, afirma o publicitário Eduardo Trevisan, criador do Twitter Lei Seca. Com mais de 200?000 seguidores-colaboradores, o microblog informa pela internet, em tempo real, os pontos onde há barreiras de fiscalização para quem quiser evitá-las. É bom lembrar, entretanto, que os agentes do poder público têm o direito e o dever de exigir que o motorista esteja com a documentação e os impostos do carro em dia.

Ser parado no meio do trajeto e ter de soprar um aparelhinho, quando se está sóbrio e com todos os papéis em ordem, é sem dúvida desagradável. No caso do Rio, a reação dos motoristas à abordagem costuma variar de acordo com a região da cidade. Os que circulam pelos bairros da orla tendem a se mostrar mais irritados. São comuns entreveros com os agentes, protagonizados até mesmo por quem deveria zelar pelo cumprimento das leis. Em fevereiro, o juiz João Carlos de Souza Correa, da comarca de Búzios, foi parado e autuado na Lagoa por estar sem carteira de motorista. Ele acusou os fiscais de desacato e o caso foi parar na delegacia. Seu Land Rover foi apreendido e o magistrado multado. “Na Zona Sul, o maior problema é que as pessoas não gostam de ser fiscalizadas. Somos sempre acusados de arbitrariedade”, afirma Dilma de Cássia, funcionária da Segov. “Na Baixada Fluminense e na Avenida Brasil, isso não acontece. Lá o pessoal costuma ser mais paciente.” Ela conta que nessas áreas já deparou com reféns de sequestro-relâmpago, foragidos da Justiça e carros roubados.

[—FI—]

A Operação Lei Seca, obviamente, não é perfeita. O ambiente, de forma geral, é intimidante. Quando há apreensão, muitas vezes os agentes não dão orientação correta a respeito dos procedimentos para a retirada de documentos e veículos, o que leva a tenebrosas jornadas em meio à caótica burocracia do Detran. Alguns especialistas acreditam que o modelo poderia ser aprimorado a partir de experiências internacionais. Na França, a fiscalização acontece na porta dos bares ou restaurantes antes de o motorista pegar o carro. “Entre os países que eu vi, lá é onde a fiscalização funciona melhor”, diz o deputado federal Hugo Leal (PSC-RJ), o autor da lei brasileira. Com todas as polêmicas e falhas a corrigir, o fato é que os xerifes da Lei Seca estão ajudando a manter a ordem na noite da cidade. E a salvar vidas.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.