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Em busca do corpo perfeito

Cariocas adotam os testes genéticos como forma de acelerar o efeito das dietas e dos exercícios físicos na perda de peso

Por Lais Botelho
Atualizado em 2 jun 2017, 13h15 - Publicado em 15 jan 2014, 15h22

Com 32 anos, 54 quilos e 1,64 metro, a atriz Juliana Knust se enquadra na categoria à qual boa parte das mulheres almeja chegar: a das que têm um corpo sem nenhum sinal de gordura. Para manter a forma, ela adota a fórmula da dieta restritiva conjugada a exercícios, com foco na corrida. Há dois meses, partiu para um caminho alternativo. Resolveu esmiuçar seus genes para descobrir como pode usar a herança genética em benefício das curvas perfeitas. Para isso, coletou uma amostra de saliva, que foi acondicionada em um tubo e enviada a um laboratório em San Diego, nos Estados Unidos. Lá, técnicos especializados em decifrar mutações do DNA humano extraíram o código genético e analisaram segmentos desse material em máquinas denominadas sequenciadores, que se utilizam de chips para converter sinais químicos em informações digitais. No mês passado, Juliana recebeu os resultados no Brasil. A análise indicou que ela tem uma propensão inata a metabolizar carboidratos e cafeína de maneira pouco eficiente, devendo ficar longe de tais substâncias. Seu corpo reage melhor a exercícios aeróbicos, que devem ser incorporados a sua rotina, pois os genes indicam tendência a recuperar com facilidade o peso perdido e risco para doenças cardíacas. “Ao adotar um novo estilo de vida a partir dessa análise, pude perceber que os benefícios são reais”, conta ela, que é mãe de um menino de 3 anos e hoje exibe 2 quilos a mais de músculos e 3% a menos de gordura.

Felipe O?Neill
Felipe O?Neill ()

Por mais que pareça roteiro de filme de ficção científica, a experiência vivida por Juliana está se tornando rotina entre cariocas obcecados por manter a boa forma. Por 1?890 reais é possível vasculhar o código genético em busca de indicadores que revelam a maneira como o corpo processa açúcares, gorduras e proteínas, se temos tendência a sentir mais fome, se absorvemos corretamente as vitaminas e como reagimos aos estímulos dos exercícios físicos. Médicos, nutricionistas e preparadores esportivos acreditam que, a partir desses dados, alterações na dieta e no treinamento esportivo prescritas de maneira individualizada levem ao aprimoramento da performance e a melhores resultados no processo de emagrecimento. “Nossa ideia foi criar um teste que pudesse ser usado como ferramenta de tratamento para ajudar as pessoas a perder peso, diminuir a quantidade de açúcar no sangue e prevenir o surgimento de doenças”, explica Michael Nova, diretor médico do Pathway Genomics, um dos laboratórios americanos onde o material coletado no Rio é analisado. Desde que os testes começaram a ser feitos aqui, há cerca de sete meses, aproximadamente 250 pacientes da cidade já se submeteram à análise de seus genes em busca do corpo perfeito.

Felipe O ()

O perfil de interessados nesse tipo de informação é tão eclético quanto abrangente. No grupo há desde marombeiros obstinados em manter o corpo sarado até gordinhos em eterna guerra contra a balança, passando por aqueles que pretendem prevenir futuros problemas de saúde. Dona do salão de beleza Crystal Hair, Ivani Pimenta se encaixa nessa última categoria. Ela realizou o teste em março do ano passado, logo depois de sofrer uma crise de diverticulite. Sua ideia era realinhar a alimentação com o perfil genético para evitar novos problemas. Com os resultados em mãos, sua nutricionista, Patricia Davidson, sugeriu a eliminação de glúten, lactose e carnes vermelhas de seu regime alimentar, acrescentando soja para compensar a ausência de proteína animal. Mas foi no quesito exercícios físicos que Ivani se surpreendeu. O teste indicava que seu perfil estava ligado diretamente a atividades de resistência, como corridas e caminhadas ? coisas que ela raramente fazia. “Eu sempre preferi musculação e fugia da esteira o máximo que podia”, confessa. “Mudar hábitos não é agradável nem fácil, mas eu me sinto mais disposta, minha pele mudou para melhor, meu porcentual de gordura baixou e ganhei massa muscular. Estou a mil por hora”, entusiasma-se.

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Desde que foram criados, há cerca de quatro anos, os testes genéticos voltados à boa forma conquistaram, de imediato, uma legião de adeptos entre atletas de alto desempenho. Nos Estados Unidos, eles foram adotados por jogadores estelares da National Basketball Association (NBA), como Kobe Bryant, do Los Angeles Lakers, e LeBron James, do Miami Heat. No Rio, a ferramenta chamou a atenção do diretor médico do Ultimate Fighting Championship (UFC) no Brasil, Márcio Tannure, que já indicou o teste para grande parte de seus clientes, entre eles o lutador Vitor Belfort. “O exame tem se mostrado muito proveitoso. No caso de atletas de alto rendimento, pequenas mudanças podem significar uma medalha”, diz o médico. Coincidência ou não, Belfort brilhou no ringue em novembro ao nocautear o norte-americano Dan Henderson logo no primeiro round. Histórias assim estimulam esportistas amadores como o empresário Roberto Antunes, de 36 anos, que, afastado da academia de ginástica há uma década, enfrentava sérios problemas de obesidade. Ao seguir as orientações prescritas a partir do diagnóstico, passou de 138 para 84 quilos em oito meses. “Hoje eu me considero um garoto de 17 anos. Estava com baixa autoestima, em depressão. Ganhei valores para a vida”, afirma ele, que atualmente treina boxe duas vezes ao dia e se orgulha do feito.

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Do ponto de vista da medicina, os testes genéticos constituem uma novidade que precisa ser encarada com cautela. Apesar de os cientistas já conhecerem muitos dos genes e mutações envolvidos nos processos que levam a doenças ou disfunções, pouco se sabe em que momento e como ocorre o gatilho para que esses males se desenvolvam. Com isso, muitas das informações de que hoje dispomos são meramente especulativas (veja o quadro na pág. 31). “Doenças como a obesidade, por exemplo, são poligênicas, o que significa que dependem da interação de vários genes entre si e deles com o meio em que a pessoa vive. E hoje ainda não conhecemos como essa relação funciona”, afirma Roberto Giugliani, fundador do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, uma das referências na América Latina sobre o assunto. Por esse motivo, os especialistas alertam que é necessário estrito acompanhamento médico na prescrição e interpretação dos exames.

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Felipe Fittipaldi
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No caso do teste da boa forma, o laboratório que representa a Pathway Genomics no Brasil, a Biogenetika, de Florianópolis, só aceita amostras encaminhadas por médicos. “Ultimamente surgiram vários laboratórios vendendo testes direto ao consumidor, com marketing agressivo demais para um produto da área da saúde. Adotamos uma visão bem mas conservadora”, conta Clara Kubelka, médica e sócia do la­boratório catarinense. Ainda assim, não são raros os especialistas que enxergam com ceticismo a eficácia dessa abordagem para efeitos de emagrecimento. “Se você cortar carboidratos e outras substâncias e ainda otimizar sua rotina de exercícios, é obvio que vai emagrecer. Ninguém precisa olhar seu DNA para dizer isso”, afirma a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo.

Polêmicas à parte, é fato que exames como os realizados pelos cariocas para alcançar a boa forma se tornarão mais frequentes entre nós. Atualmente, laboratórios de todo o mundo ? e do Brasil também ? oferecem mais de 1?500 tipos de testes genéticos para as mais diversas finalidades. A grande maioria está ligada a diagnóstico e tratamento de doenças graves, como o câncer. Mas já são bastante comuns modalidades que apontam as probabilidades de outras disfunções se desenvolverem no futuro. Quando decidiu fazer o teste para atingir a boa forma, o analista judiciário Roney Sarmento Silveira, 30 anos, aproveitou a ocasião para avaliar também outros indicadores que poderiam levar a doenças. Apesar de ele esbanjar saúde, os resultados trouxeram informações capazes de levar ao desespero pessoas mais impressionáveis. Segundo o exame, Silveira apresenta risco acima da média para desenvolver esclerose lateral amiotrófica, distúrbio grave que acomete o sistema nervoso, e também é mais propenso a desenvolver glaucoma pseudoexfoliativo. Com o laudo na mão, ele já procurou um oftalmologista, que o tranquilizou quanto ao glaucoma, uma doença que atinge basicamente pessoas em idade avançada. “Acho importante saber que nosso organismo é mais suscetível a desenvolver essa ou aquela doença e, preventivamente, procurar retardar ou afastar a sua ocorrência”, avalia. Aplicado na busca pela saúde perfeita, ele passou a ingerir farinha de semente de uva para melhorar a visão e enriqueceu seu cardápio com vitaminas A e B12 e suplemento de ácido fólico. Também baniu a cafeína de sua vida. Agora, se o esforço vai funcionar, só o tempo dirá.

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