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Minha casa, sua casa

Fundamental para a vida da cidade, a Câmara Municipal é ignorada pelos cariocas. Isso é um grande equívoco coletivo. Os vereadores têm muito poder. Escolha bem o seu no próximo dia 7

Por Sofia Cerqueira e Caio Barretto Briso
Atualizado em 5 jun 2017, 14h23 - Publicado em 19 set 2012, 17h42

Para onde quer que se olhe, nas principais ruas e avenidas da cidade a imagem é a mesma: uma enxurrada de cavaletes e placas de candidatos a uma vaga na Câmara Municipal. No dia 7 de outubro, quando 4,7 milhões de cariocas irão às urnas, nada menos do que 1?624 postulantes, entre eles 42 dos 51 vereadores atuais, estarão disputando uma cadeira no plenário do Palácio Pedro Ernesto, o imponente salão retratado ao lado, sede do Legislativo municipal. É o maior número de candidatos entre todas as capitais do país. Essa enorme procura contrasta com o desinteresse da população pelo assunto. Uma enquete feita por VEJA RIO em parceria com a agência de pesquisas de opinião LabPop Content, do grupo Approach, demonstra que um em cada três eleitores desconhece o que fazem suas excelências. No levantamento, realizado com 600 eleitores do município na última semana de agosto, 64% dos entrevistados reconheceram não se lembrar em quem votaram na disputa anterior e 75% disseram não acompanhar o trabalho dos políticos por absoluta falta de interesse. Dos poucos que prestam atenção nas atividades dos parlamentares, 85% estão insatisfeitos com o desempenho deles. A imensa maioria (84%) também afirmou que não vai repetir o voto da última eleição. “É um erro grave os eleitores enxergarem o vereador como uma figura sem relevância”, observa o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ. “Ele tem um papel importantíssimo, pois faz parte de suas funções discutir assuntos de interesse da cidade, criar leis e fiscalizar o trabalho do prefeito”, completa.

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Com o segundo maior orçamento do país, a Câmara do Rio custa aos cofres municipais 398,6 milhões de reais por ano. Fica atrás apenas do Legislativo paulistano. É como se cada carioca pagasse, anualmente, 63 reais para manter a casa e seus 51 parlamentares. Uma soma exorbitante que, no entanto, está longe de se refletir em alta produtividade ou em decisões significativas para o cidadão. De acordo com números da ONG Transparência Brasil, 90,8% de todas as proposições feitas nesta legislatura foram de baixíssima relevância. Ou seja, nove em cada dez propostas trataram de nomeação de logradouros, datas comemorativas, concessão de medalhas e outras banalidades. O baixo aproveitamento também se observa nos projetos de lei aprovados. De 1?946 colocados em votação nos últimos quatro anos, apenas 320 (ou 16%) passaram. Muito da inoperância se deve à pouca frequência dos vereadores ao local de trabalho. Entre janeiro de 2011 e a semana retrasada, de 159 sessões abertas, 128 foram canceladas por não contar com o número mínimo de parlamentares (para um projeto ser votado, é preciso haver ao menos dezessete presentes, ou, no caso de temas mais complexos, 26). “É raríssimo o plenário estar lotado. Não me lembro de uma única vez em que estivessem todos presentes”, diz Tio Carlos (DEM), o mais assíduo.

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Embora o quórum rarefeito e o gazeteio desavergonhado deponham em contrário, as decisões chanceladas pela Câmara provocam consequências diretas na vida da população ? para melhor e, se ninguém prestar atenção, para pior. É ali que se aprova anualmente o orçamento do município, uma verba de quase 21 bilhões de reais. Uma vez escolhido pela população, o vereador pode formular leis sobre urbanismo, meio ambiente, educação, saúde, transporte, entre outros temas. A nota fiscal eletrônica, que permite ao contribuinte carioca obter descontos em tributos como o IPTU, nasceu em um de seus gabinetes (veja o quadro na pág. 23). Também é no palácio da Cinelândia que são definidos os padrões de gabarito dos prédios da sua vizinhança, por exemplo. Neste mandato que se encerra, porém, as mudanças que mais mexeram com a rotina da cidade foram propostas pelo Executivo ? todas devidamente corroboradas pela casa. Os corredores de ônibus BRTs (Transoeste, Transcarioca e Transolímpica) e as obras de revitalização da Zona Portuária, por exemplo, foram autorizados no plenário. A aprovação de projetos de tamanha importância para o Rio foi louvável. Mas há críticas à postura demasiadamente dócil em relação ao Executivo. “Com o apoio de 45 dos 51 vereadores, a prefeitura tem no Palácio Pedro Ernesto aliados suficientes para avalizar tudo o que propõe”, afirma a vereadora de oposição Andrea Gouvêa Vieira (PSDB).

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De fato, a falta de uma oposição construtiva pode empobrecer a produção de uma legislatura. Mas existem outros problemas bem mais graves. Apenas neste mandato, a instituição teve sua imagem manchada por sucessivos escândalos. Na esfera criminal, três vereadores foram presos e tiveram o diploma cassado. Fausto Alves (PTB) é suspeito de ser o mandante do assassinato de um ex-cabo eleitoral. Cristiano Girão (PMN) e Luiz André Ferreira da Silva (PR) são acusados de chefiar milícias na Zona Oeste. No capítulo generosidade com o próprio bolso, suas excelências não tiveram o menor acanhamento em aumentar em 63% os próprios vencimentos em abril de 2011, ganhando o vergonhoso título de maior salário do Poder Legislativo entre os municípios brasileiros. Como se não bastasse, a lista de benefícios inclui mordomias como os 30?000 reais do “auxílio-paletó”, um valor suficiente para comprar cinco ternos da grife Ermenegildo Zegna feitos sob medida. Com isso, seria possível imaginar que os salões do Palácio Pedro Ernesto fossem o suprassumo da elegância carioca. Não é o que se vê por ali. No dia 23 de agosto, Marcelo Piuí (PHS) participava das votações vestindo uma camisa de poliéster preta e vermelha de uma marca esportiva. Questionada sobre a indumentária do vereador, sua assessoria informou que aquela foi a primeira vez e botou a culpa em um assistente, que não apanhou o terno na lavanderia (será que ele tem apenas um?). Em meio a tanta falta de decoro, porém, há bons motivos para otimismo. Em maio de 2011, uma gigantesca onda de indignação popular abortou a compra de 51 automóveis Volkswagen Jetta, ao custo de 70?000 reais cada um. A conta até já havia sido paga, mas a grita foi tamanha que a operação foi cancelada. Ou seja: vale a pena participar.

Contam-se nos dedos os representantes do cidadão cujo maior interesse é servir à população. Não raro, o homem público costuma ter fortes e irresistíveis interesses privados. Para combater esse “impulso”, criou-se por aqui a falsa premissa de que é preciso remunerá-lo muito bem. Pois o mundo desenvolvido mostra que contracheques e regalias não são a resposta para os desvios de conduta. Em Estocolmo, a capital sueca, os parlamentares ganham um pouco menos do que os nossos vereadores, cerca de 13?000 reais, e não dispõem de assessores pessoais nem secretária. Mesmo assim, não há notícia de malfeitos por lá. Na inchada Câmara carioca, cada vereador emprega vinte pessoas, que custam ao Erário municipal até 150?000 reais mensais ? por gabinete. Com tantos cargos à disposição, o que se vê é um show de nepotismo e compadrio, com parentes e amigos pendurados na folha de pagamento da casa. É o tipo de conduta moralmente condenável que encontra guarida na falta de transparência. A Câmara do Rio não divulga nada que possa comprometer seus membros, nem mesmo o número de faltas dos parlamentares. Se alguém quiser contabilizar as ausências, precisará fazer is­so conferindo, uma a uma, as listas de presença das sessões. Em Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte, o cidadão encontra informações detalhadas, disponibilizadas na internet, sobre o uso de verbas indenizatórias e a atividade em plenário. Quando voltamos à comparação com a Suécia, o abismo torna-se ainda maior. Lá, qualquer pessoa tem acesso aos extratos bancários dos parlamentares. “Os dados sobre gastos e assiduidade são obscuros”, reconhece Teresa Bergher (PSDB), presidente da Comissão de Ética da Casa.

Com um passado riquíssimo que remonta aos períodos colonial e imperial (veja o quadro na pág. 24), a encarnação republicana do Legislativo municipal carrega desde as origens a marca da polêmica. Inaugurado em 1923, o Palácio Pedro Ernesto ganhou o apelido de gaiola de ouro por ter custado 23?000 contos de réis, mais do que o dobro do que foi gasto no vizinho Theatro Municipal. Hoje, além dos salões suntuosos, conta com um prédio anexo de dez andares, onde ficam os gabinetes, e também com salas que ocupam doze pavimentos de um edifício próximo. Por dia, circulam em suas instalações 2?800 pessoas, quase metade delas assessores parlamentares. Há ainda um grupo que regularmente vai à Cinelândia ser agraciado com a medalha que leva o nome do prédio, a mais alta condecoração da cidade. Por ano, são 255 homenageados ? em média, dois a cada dia de sessão no plenário. Embora se trate de uma grande honraria, ela tem sido concedida sem nenhum critério. Já receberam a homenagem bicheiros, policiais corruptos e até um empresário investigado por homicídio. No dia 7 de outubro, os cariocas terão mais uma oportunidade para mudar esse quadro. Ao apertar os botões da urna eletrônica, podemos varrer para longe os malfeitores e eleger apenas os que estão dispostos a atuar em defesa dos interesses do Rio. Não despreze o seu poder.

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