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Pesquisa mostra que cariocas estão pessimistas com o futuro da cidade

VEJA RIO ouviu 200 formadores de opinião sobre o atual momento do Rio, os recente problemas, como o desabamento da ciclovia, e a perspectiva do legado olímpico

Por Sofia Cerqueira e Pedro Moraes
Atualizado em 2 jun 2017, 12h08 - Publicado em 29 abr 2016, 22h00

O cenário escolhido não poderia ser mais emblemático: o Centro de Operações da Prefeitura do Rio, núcleo dedicado à gestão e à prevenção de catástrofes na cidade. Foi ali que o prefeito Eduardo Paes falou pela primeira vez a respeito da queda da ciclovia da Avenida Niemeyer. Ele havia acabado de chegar da Europa, onde receberia a tocha olímpica acesa na Grécia, no mesmo dia da tragédia que matou o engenheiro Eduardo Marinho Albuquerque e o gari comunitário Ronaldo Severino da Silva. Acompanhado de cinco assessores e quatro membros de sua equipe, entre eles seu secretário de Coordenação de Governo, Pedro Paulo Carvalho, Paes subiu ao púlpito do auditório às 21h05 de sexta-feira, 22. Suas respostas às perguntas eram assertivas e firmes, e apenas o gesto insistente de apertar um botão de seu celular denotava um traço de nervosismo. O prefeito driblou com desenvoltura temas espinhosos como o eventual vínculo de seu secretário de Turismo, Antonio Pedro Figueira de Mello, com a construtora que executou a obra, até ser confrontado com uma questão sobre o prejuízo para a imagem da cidade às vésperas dos Jogos. Suas feições e o tom de sua voz deixaram claro o incômodo. “É óbvio que isso gera um clima em que aumenta o descrédito, a insatisfação. Não está simples fazer a Olimpíada no ambiente atual brasileiro, e isso era tudo que a gente não queria neste momento”, reconheceu.

QUADRO 2

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A avaliação do prefeito é precisa principalmente no que diz respeito aos próprios cariocas. O desabamento da ciclovia na Avenida Niemeyer, uma obra de 44,7 milhões de reais inaugurada em janeiro, abalou profundamente os anfitriões da Rio 2016. Entre 25 e 27 de abril, VEJA RIO ouviu 200 personalidades (confira a lista na página 22) sobre aspectos que revelam a percepção pública quanto aos preparativos, às obras e ao momento que a cidade atravessa. O resultado, condizente com o exacerbado espírito crítico e a franqueza típicos de quem vive no Rio, é duro. Oito em cada dez entrevistados responderam que não confiam na qualidade das obras que estão sendo executadas enquanto nove em cada dez acham que os processos envolvendo construções, intervenções e reformas em andamento não são suficientemente transparentes. Quando o assunto é a ciclovia da Niemeyer, 57% dos participantes da enquete declararam que não pretendem ir ao local quando for reaberto. “É revoltante o que aconteceu na ciclovia. Treinei naquela manhã e passei duas vezes correndo por ali, na última meia hora antes de ela desabar. Eu achava que ela era meio frágil, mas não imaginava que tinham gastado tanto dinheiro para fazer aquele lixo”, reclama a empresária e triatleta Renata Cordeiro Guerra, diretora do Instituto Todos com Felipe.

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A indignação com a tragédia acabou por desaguar em um fenômeno mais amplo e difuso, que vem se desenhando desde o início do ano passado. Depois de surfar na pujança do início da exploração do pré-sal e com os preparativos olímpicos, o Rio começou a sofrer os efeitos da desaceleração econômica do resto do país. Os repasses da exploração do petróleo para o tesouro do estado — os chamados royalties — caíram de 8,7 bilhões de reais, em 2014, para 5,2 bilhões, em 2015, e deverão ficar em 3,8 bilhões em 2016. Tal diferença agravou consideravelmente o déficit financeiro fluminense, que bateu em 12 bilhões no ano passado e deve chegar a 19 bilhões neste ano, o maior registrado entre todas as unidades da federação. Tamanho rombo já produz efeitos nefastos na saúde pública, na educação, e resulta na falta de dinheiro para pagar despesas fixas como o salário dos servidores e a pensão dos funcionários inativos do estado. As conquistas na área de segurança pública, obtidas à custa do programa de Unidades de Polícia Pacificadora, também têm sofrido revezes. Estatísticas do último mês de março apontaram aumento de 15,3% nos casos de letalidade violenta (a soma de homicídios dolosos, latrocínios e resistência seguida de morte) e de 29% nos roubos de rua em relação a março de 2015. Não à toa, 90% dos entrevistados disseram que, hoje, percebem uma sensação de insegurança maior na cidade. “Quando vou ao Centro, deixo meu relógio e meu escapulário em casa. Levo apenas a CNH, um cartão de crédito, um de débito e escondo o celular. E tenho o número das centrais de atendimento dos cartões sempre à mão, caso precise cancelá-los. Vamos combinar, é quase um treinamento de sobrevivência”, diz o maestro Carlos Eduardo dos Prazeres, fundador da Orquestra Maré do Amanhã.

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Poucas cidades no país experimentaram um processo de transformação tão radical quanto o Rio nos últimos sete anos. A capital, que vinha de um longo passado de decadência econômica, violência urbana descontrolada e governos ineptos e ruinosos, tornou-se estrela em ascensão tanto no setor econômico, com a expansão da indústria do petróleo, quanto na revitalização urbana, com intervenções bem-sucedidas na Região Portuária e na Zona Oeste. Em março de 2010, quando esse fenômeno ainda estava em seu estágio inicial, a euforia era tamanha que uma pesquisa exclusiva conduzida por VEJA RIO mostrou que 77% dos cariocas se diziam otimistas com o futuro da cidade. Na enquete atual, para efeito de comparação, esse número fica em 46% — e 54% estão pessimistas com as perspectivas a curto e médio prazo. “Não se pode negar que o Rio passou por uma mudança na área de infraestrutura como não ocorria nos últimos cinquenta anos, mas fomos pegos no meio do caminho por uma crise sem precedentes. Crise na economia, na credibilidade. Fomos arrasados pela roubalheira e pela corrupção”, diz Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel, a maior imobiliária do Rio. “Assim, um fato isolado como a queda da ciclovia acabou por acender uma luz vermelha e pôs em xeque tudo o que está sendo feito na cidade.”

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O escritor e jornalista Ruy Castro faz parte do contingente dos que preferem ver o futuro do Rio sob a ótica do otimismo. Flamenguista e biógrafo de personalidades como Garrincha, Nelson Rodrigues e Carmen Miranda, ele é firme na convicção de que a cidade e os cariocas avançarão mais uma vez sobre os obstáculos. “Temos uma capacidade insuperável de frustrar os espíritos de porco, os que torcem contra. O Rio sempre sofre esses abalos às vésperas de algo importante e dá a volta por cima”, acredita. A Olimpíada, por exemplo, pode funcionar como uma espécie de respiro em meio a essa maré de baixo-astral. Entre os entrevistados, 77% acham que realizaremos um evento superior ou compatível com as expectativas. “Talvez por excesso de otimismo eu acredito que conseguiremos os recursos e teremos dirigentes competentes para apresentar um espetáculo digno desta cidade incrível”, diz a historiadora e curadora de arte Vanda Klabin. A mesma segurança, entretanto, não se revela quando o assunto é a herança a ser deixada pelos Jogos. A pesquisa mostra que 79% dos entrevistados consideram que, nesse quesito, os resultados serão medianos ou inexpressivos. “Somos bons de festa, não de legado”, diz Ruy Castro. Há conquistas dos últimos anos reconhecidas pelos entrevistados. Oito em cada dez destacaram os avanços na área de cultura e lazer, representado principalmente pela abertura do MAR e do Museu do Amanhã na revitalizada Praça Mauá e nos arredores da nova Orla Conde. E um em cada três apontou evolução nas áreas de transporte público e de limpeza urbana. O Rio de hoje pode não ser o que imaginávamos, mas é uma cidade melhor do que era há dez anos. E, se tem problemas graves, o papel dos cariocas é justamente cobrar para que eles recebam soluções à altura.

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