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Com muita cara de pau, e alguma mentirinha se preciso for, eles penetram em concorridas estreias de espetáculos e cumprem uma agenda cultural intensa

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 2 jun 2017, 13h06 - Publicado em 4 jun 2014, 13h29

Em um primeiro momento, a abordagem acima, feita sem rodeio, pode soar como uma cantada deslavada. Mas os objetivos são outros. A intenção, nesse caso, é apenas conseguir alguém que disponha de um ingresso sobrando para entrar em uma concorrida estreia teatral, lançamento cinematográfico, coquetel ou até em uma festa badalada. Ir na aba de um estranho, para usar uma expressão popular, é uma das táticas usadas por um grupo de pessoas que está em todas ? ou ao menos tenta estar ?, graças a seu alto teor de caradura e à boa vontade do interlocutor. São os penetras profissionais, uma turma que age na porta de cines, teatros, casas de festas e galerias, e já se tornou manjada por promoters e produtores culturais. Nesse universo em que o verbo filar é conjugado diariamente, o bibliotecário Luiz Gustavo Leite, 37 anos, se destaca pela agenda elástica. Só no ano passado calcula ter ido a 120 estreias de espetáculos, e mantém a média nesta temporada. Nos últimos dias viu o musical Crazy for You, estrelado por Claudia Raia, esteve na plateia de O Cachorro Riu Melhor, com Danielle Winits, e participou do coquetel após uma sessão de Contrações, protagonizada por Débora Falabella. “Gosto de arte e badalação”, diz. “Sou profissionalíssimo nessa área. Onde tem prosecco, estou lá.”

Felipe Fittipaldi
Felipe Fittipaldi ()

Ingressar nesse clã requer atributos. O principal deles é ter desembaraço para assediar um desconhecido num lugar cheio de gente. Outra prerrogativa é dispor de tempo. Como a maioria dos aficionados a uma boca-livre, Luiz Gustavo Leite desfruta essa facilidade. Solteiro, sem trabalho fixo e dono de um imóvel em Niterói, ele cruza a ponte diariamente de ônibus para “batalhar”, como se refere ao cotidiano de bicão. O circuito pode começar com um coffee break de um seminário num hotel, prosseguir com um almoço após uma palestra num auditório e terminar com um coquetel numa galeria ou centro cultural. Para imiscuir-se no meio dos convidados sem chamar atenção, todo penetra deve ter sempre em mente que usar o figurino adequado faz a diferença. Leite, por exemplo, possui um smoking comprado em brechó para o caso de eventos mais pomposos. Nem datas especiais, como réveillon, escapam de seu afã social. Costuma passar a noite de Ano-Novo em hotéis da orla, e, se preciso, lança mão de métodos heterodoxos para ter acesso aos salões de festa. “Tenho uma reserva técnica de pulseirinhas vips de todas as cores”, confessa.

Felipe Fittipaldi
Felipe Fittipaldi ()
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Obter um benefício sem nenhum custo, é fato, exerce atração sobre algumas pessoas, caso em que se enquadram os penetras. Na avaliação do psicanalista Francisco Daudt, vários motivos levam um indivíduo a agir assim. “Pode ser por solidão, pela simples falta do que fazer ou até pelo fascínio de poder ficar ao lado das chamadas celebridades”, afirma o doutor. “Existe ainda o estímulo da pequena transgressão.” Felícia Fiszhaut, 43 anos, é uma das integrantes mais conhecidas do grupo de entrões. Na terça-feira (20), ela abordava, sem cerimônia, os convidados de uma estreia no Teatro Poeira. Sua caradura uma vez mais funcionou: assistiu à peça Cock ? Briga de Galo na primeira fila. Formada em comunicação social, Felícia tem uma programação abrangente: frequenta também vernissages, inaugurações de lojas e noites de autógrafos. Para isso, é muito bem informada. Acompanha toda a agenda cultural carioca em jornais, revistas, colunas sociais e sites, além de bisbilhotar o Facebook de produtores.

Embora ninguém assuma, sabe-se que uma mentirinha de vez em quando faz parte do jogo, como dizer-se funcionário do Sindicato dos Artistas ou do gabinete de tal político. “O máximo que faço é falar que meu nome está na lista, e a pessoa se confunde”, conta Jorge Costa, 50 anos, gerente comercial desempregado. Desde meados dos anos 2000, ele descobriu o prazer de circular por esses eventos. Há poucos dias, emendou o coquetel de lançamento de um livro sobre Zeca Pagodinho com a pré-estreia vip do filme Os Homens São de Marte, ambos no Shopping Leblon. Quem vive nessa fronteira, porém, está sujeito a saias-justas. O massagista Georges Zouki Neto, 52 anos, já foi convidado a se retirar de uma festa na boate 00, na Gávea. “Faz parte”, resigna-se. Ele caça promoções em rádios e jornais e, quando não consegue o ingresso, aborda as pessoas na porta. Na semana passada marcou presença em um festival de cinema na Marina da Glória. “Embora a gente faça isso, ninguém gosta de ser chamado de penetra”, diz. Mas há termo melhor para definir essa turma que está por dentro de tudo?

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