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Os pastores do amanhã

Eles navegam com destreza pelas redes sociais, jogam futebol, cantam, tocam instrumentos musicais e são a grande aposta da Igreja Católica para estancar a sangria de fiéis no Rio

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h24 - Publicado em 29 ago 2012, 16h58

Como outros rapazes da sua idade, o carioca Pedro Israel Thinnes, 21 anos, gosta de futebol, praia e cinema. Aprecia, particularmente, navegar pela internet, assistir a vídeos no YouTube e curtir comentários, compartilhar links e fotos no Facebook. Apesar da paixão pelas redes sociais, no entanto, ele nunca passa mais de noventa minutos por dia em frente ao laptop, sempre da 1 e meia às 3 da tarde. O resto do tempo é destinado aos estudos. Filho de um funcionário público e uma dona de casa de Inhaúma, na Zona Norte, Thinnes decidiu tornar-se padre aos 18 anos de idade e, desde então, tem se dedicado com afinco ao seu objetivo. Ele é um dos 152 internos do Seminário Arquidiocesano de São José, no Rio Comprido, o maior e mais antigo centro de formação de sacerdotes católicos do país. Fundada em 1739, a instituição enfrenta um desafio inédito em sua história: preparar uma nova geração de religiosos capaz de cativar fiéis cada vez mais arredios às celebrações católicas tradicionais. Sob esse aspecto, Thinnes acredita ser o homem certo, no lugar certo. “As redes sociais são uma ferramenta importantíssima para o futuro da evangelização. Com elas podemos propagar a palavra de Cristo a qualquer momento do dia para qualquer pessoa”, diz.

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Noviços entusiasmados como o jovem de Inhaúma são mais do que bem-vindos aos novos quadros da arquidiocese carioca. Apenas neste ano, 32 calouros foram aceitos no tradicional seminário, sete a mais do que a média dos anos anteriores. Uma vez admitidos, são preparados por oito anos para assumir uma das 262 paróquias da cidade. Paradoxalmente, esse bom momento nas chamadas vocações religiosas coincide com uma dramática sangria no número de devotos. Não é novidade que a quantidade de católicos tem encolhido no país em geral – e no Rio em particular. É um fenômeno lento e, pelo menos até agora, sem recuperação (veja o quadro na página 25). O problema é que, segundo os dados do último censo divulgados no mês passado, pela primeira vez o rebanho encolheu em números absolutos. Isso significa que o contingente de brasileiros que reconhecem no papa Bento XVI seu líder espiritual máximo diminuiu em 1,6 milhão de almas na última década. Entre os fluminenses, a situação é ainda mais drástica. O estado passou a ter o menor número de fiéis em proporção à população (45,8%). Para fazer frente a esse cenário, a alta cúpula eclesiástica tem apostado principalmente na formação de seminaristas mais conectados e antenados com a vida moderna. “A fé é a mesma, mas a maneira como a transmitimos, como falamos com as pessoas, tem de refletir o mundo atual”, prega dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro.

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Um passeio pelo conjunto de dois prédios de três e sete andares do Seminário São José de imediato deixa claro que ali sopram outros ares. Enquanto nos anos 60 os seminaristas só vestiam batina, inclusive quando jogavam futebol, hoje circulam pelos corredores de jeans e camiseta e, nos dias de educação física, até de bermuda. O uso do celular é permitido, desde que o aparelho fique nos quartos e seja utilizado apenas para falar com a família. Nas horas vagas, os internos são autorizados a conectar seu laptop à internet, nas tomadas da sala de informática (ali não há conexão sem fio). Uma vez por semana, às tardes de segunda, todos são liberados e podem ir ao cinema, ao shopping ou à praia. A televisão continua controlada, pois é proibido assistir às novelas nas salas comunitárias. “Engana-se quem imagina que passamos os sete dias da semana ajoelhados, rezando”, conta Gabriel Coelho, 30 anos, há quatro no São José. Formado em jornalismo e fã de axé music, ele chegou a apresentar um programa de festas na Serra TV, em Petrópolis, antes de optar pela vida religiosa. “Nós nos divertimos, mas somos conscientes da nossa opção”, acrescenta ele. Abraçar o sacerdócio implica, obviamente, o celibato. Pode, porém, incluir pequenas indulgências. Em seu aniversário, Gabriel conseguiu autorização para ir a uma micareta no Riocentro. “Adorei”, lembra ele.

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Se no passado candidatos com conhecimentos de música sacra e erudita eram acolhidos de braços abertos no noviciado, o mesmo acontece hoje com rapazes de gogó afinado e talento para embalar os fiéis ao ritmo de baladas ou rock?n?roll. Em meio às capelas, salas de aula e áreas comuns do complexo à beira do Viaduto Paulo de Frontin, não é difícil encontrar quem se espelhe em padres-celebridades como os paulistas Fábio de Melo e Marcelo Rossi. Dono de uma voz aveludada, José Silva Júnior, 26 anos, é um dos que demonstram aptidão para seguir tal caminho. Antes de virar seminarista, em 2006, pensou em ser cantor. Seu sonho agora é ser um pop star religioso. “Sou mais útil aqui. A música é um instrumento de evangelização”, diz. Como todos os internos, tem lições de canto nas noites de terça e quinta, na chamada schola cantorum, que apesar do pomposo nome em latim envereda com frequência pelas melodias mais moderninhas. “Nosso objetivo não é formar artistas, mas ressaltar aptidões para dialogar com os fiéis”, explica o reitor Lean­dro Câmara.

Em meio ao esforço para atrair o rebanho de volta, os religiosos passaram a valorizar atividades que, até recentemente, eram desprezadas entre os padres. É o caso da prática de esportes, um eficiente mecanismo de socialização, principalmente entre os jovens. Na vasta propriedade onde funciona o seminário, os internos contam com academia de musculação, quadra poliesportiva e campo de futebol. É nesse espaço que se exercita o baiano Rafael Gonçalves, 23 anos, um craque da bola. Descoberto por olheiros do Botafogo, ele chegou ao Rio há seis anos. No ano passado, abandonou tudo para viver o que acredita ser seu verdadeiro destino. “Meu pai levou o maior susto. Ele sonhava em ter um filho jogador”, afirma. “Eu continuo sendo. Mas o gol para mim agora é outro.”

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Tantas concessões à modernidade podem levar a crer que a preparação de quem quer se dedicar à religião ficou mais relaxada. Trata-se de um equívoco. A vida no seminário continua a ser regida pelas badaladas do sino (veja o quadro na página 26). O despertar acontece às 5h50 da manhã e as primeiras orações começam às 6 e vão até as 7. Só então, depois de muita reza, é servido o café da manhã. As aulas se estendem até o almoço e reúnem disciplinas charmosas, como o estudo de novas mídias, e outras em que apenas o nome já assusta, como homilética (a arte de fazer sermões). O latim, mesmo se tratando de uma língua morta, tem grande peso no currículo. No 1º ano, os alunos frequentam aulas de religião e uma espécie de pré-vestibular. Depois, fazem um curso universitário de filosofia por três anos, seguido por outro, de teologia, por mais quatro. “É uma formação essencialmente clássica, com toques de técnicas de comunicação”, diz o padre recém-ordenado Leandro Lenin Cardoso, 29 anos.

O perfil dos jovens que sonham ser padre no Rio é homogêneo: trata-se de indivíduos de classe média, com forte formação religiosa, nascidos principalmente nas zonas Oeste e Norte da cidade. Os pré-requisitos para a admissão no seminário são idade mínima de 17 anos e conclusão do ensino médio. No entanto, um em cada três candidatos chega depois de passar por pelo menos um pe­río­do em um curso superior. Aluno brilhante, Wagner Santos, 22 anos, estava no 2º ano de física na Uerj quando decidiu ser sacerdote. Seus professores ficaram inconsoláveis. O chamado, diz o rapaz, foi mais forte. “Costuma-se dizer que ciência e religião são incompatíveis. Eu não concordo”, afirma Wagner. Há casos de internos que cursaram o mestrado, como o economista Pedro Maranhão, 37 anos. Criado em Laranjeiras, ex-aluno do Colégio São Bento, ele fez intercâmbio nos Estados Unidos e estudou na UFRJ. Nos últimos dez anos, deu expediente em uma empresa de consultoria. “Tinha namorada, ganhava bem, mas a vida patinava. Algo não se encaixava”, revela Pedro, que optou pelo noviciado há um ano.

A diminuição do rebanho católico no Brasil segue uma tendência registrada em vários países da Europa. Até em nações onde a religião é maciçamente majoritária, como a Espanha, estima-se que 90% dos jovens já não vão à missa. Por aqui, acredita-se que a realização, em julho de 2013, da Jornada Mundial da Juventude contribua para reacender o fervor juvenil. A cidade deve receber 2,5 milhões de peregrinos do mundo inteiro e a visita do próprio papa. Mas estudiosos advertem que o evento, por si só, não será suficiente. “A Igreja se acomodou em uma zona de conforto e se ausentou dos bairros mais pobres e periféricos, justamente onde os evangélicos crescem rapidamente”, aponta o cientista político Cesar Romero Jacob, autor do livro Religião e Sociedade em Capitais Brasileiras. Seminaristas como Elmo Carvalho, de 20 anos, confiam que essa realidade vai mudar. Assim que se ordenar, ele sonha em subir, com seu violão em punho, as vielas da Rocinha para realizar pregações no alto do morro. Se depender da fé (e do empenho do noviço nos ensaios), as chances de sucesso são promissoras.

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