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O valor da marca

Conhecido no mundo inteiro, o Cristo Redentor ajuda a vender de tudo, de anéis a filmes de Hollywood. Nem todos, porém, estão dispostos a pagar por isso

Por Marcelo Ambrosio
Atualizado em 5 jun 2017, 14h49 - Publicado em 4 out 2011, 13h12

O Cristo Redentor é um dos principais símbolos do Brasil. Sua imagem, facilmente reconhecida mundo afora, ajuda a vender produtos e carrega um significado que abre portas, convence patrocinadores e chama público para os mais variados eventos. Isso tudo, obviamente, leva a uma pergunta: qual é o valor dessa marca? Num exercício de imaginação extrema, quanto um bom vendedor poderia cobrar por ela? Entre os especialistas em economia, publicidade e direito, a conclusão costuma ser a mesma: é complicado estabelecer valor material para um símbolo religioso que se tornou, ao mesmo tempo, a representação mais forte de uma cidade e de um país.

O desafio de fixar um preço fica ainda mais difícil pelo fato de a Arquidiocese não cobrar pelo seu uso – são pedidas contrapartidas apenas. Mas os parâmetros existem. ?Certamente, ele vale muitos milhões de dólares?, responde Marcelo Boschi, da Escola Superior de Propaganda e Marketing. ?O Cristo é um personagem, e, como tal, há uma série de variáveis para calcular os royalties.? Em seu trabalho sobre a riqueza produzida por determinados ícones do mundo moderno, o professor compara o poder de venda da estátua ao do camundongo mais famoso da história, o Mickey. Para liberar qualquer produto licenciado, a Disney cobra 14% do faturamento bruto da empresa que deseje explorar seu símbolo. Boschi afirma que a Igreja poderia tranquilamente seguir uma porcentagem semelhante, em razão do reconhecimento que o monumento possui ao redor do planeta. ?Seriam contratos com finalidades e prazos bem definidos?, diz.

Almofada com detalhes que remetem ao Cristo Redentor
Almofada com detalhes que remetem ao Cristo Redentor ()

A realidade, porém, é bem diferente. No filme-catástrofe 2012, há uma sequência que mostra o Redentor desmoronando. A terrível imagem ajudou o longa a arrastar milhares de cinéfilos brasileiros à sala escura e, no mercado americano, a faturar 166 milhões de dólares. Itens como camisetas e cartazes com a apocalíptica cena engordaram o cofre da produção e funcionaram como merchandising da fita. É claro que se trata de um cálculo sutil, subjetivo, mas perfeitamente mensurável. Qualquer empresa, por exemplo, leva em consideração a força de venda de um ator ao contratá-lo para um comercial. ?Não há dúvida de que a imagem do Cristo ajuda a catapultar um produto, seja no cinema, seja na propaganda?, afirma André Matias, gerente de estratégia da Interbrands.

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Poucas pessoas estão dispostas a pagar por isso – e algumas exageram na falta de ética. No caso de 2012, o impacto daqueles sete segundos de destruição provocou uma notificação judicial contra a Columbia Pictures, por parte da Arquidiocese do Rio, guardiã da imagem religiosa e dos direitos da estátua. Os representantes do estúdio haviam feito uma consulta prévia e foram adiante mesmo com a negativa, pois o orçamento de produções hollywoodianas desse nível, quase sempre polpudo, já inclui verbas para indenizações. ?Disseram não ter recebido a nossa resposta, mas pelo menos se retrataram, retirando o monumento dos cartazes e da capa do DVD?, conforma-se a advogada da Arquidiocese, Claudine Milione Dutra.

Curiosamente, episódios como esse têm se repetido com maior frequência nos últimos tempos, talvez um efeito colateral da eleição da estátua como uma das sete maravilhas do mundo moderno, e da grande visibilidade do Rio. Em agosto, as gravações de um comercial para uma empresa aérea do Uruguai quase causaram um incidente diplomático. Na peça de propaganda, o jogador de futebol Loco Abreu daria um chapéu no Cristo, simulando um drible. Chegou a dar chutes em direção ao monumento, quando foi subitamente interrompido por vigias. ?Não se cobram direitos, mas tem de haver uma permanente proteção ao Santuário?, explica Claudine. O anúncio não foi ao ar, os uruguaios pediram desculpas formais e ficou por isso mesmo.

O jogador Loco Abreu deu boladas na estátua, e o comercial que fazia foi proibido
O jogador Loco Abreu deu boladas na estátua, e o comercial que fazia foi proibido ()
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As solicitações são analisadas caso a caso. Dependendo da finalidade, estipula-se uma contrapartida, a simples liberação sem nada em troca ou o veto sumário. Para o filme de animação Rio, por exemplo, não foi feito pedido algum. Por outro lado, em setembro, a Igreja Católica evitou qualquer possibilidade de entendimento com o site de relacionamentos The Ohhtel, que usou a imagem do monumento em um outdoor, erguido na Barra da Tijuca, como se o Cristo abençoasse a pulada de cerca. A empresa, que é especializada em relações extraconjugais, produziu uma publicidade que estampava o texto ?Tenha um caso agora! Arrependa-se depois?, com a foto do Redentor, comprada de uma agência, aparecendo no canto da imagem. A Arquidiocese pediu, e conseguiu, que o anúncio fosse retirado dali em menos de 24 horas. Com cerca de 250?000 internautas cadastrados, o site alegou desconhecer que houvesse necessidade de autorização, reconheceu o erro e fez uma retratação pública.

O Cristo no outdoor de um site de encontros amorosos
O Cristo no outdoor de um site de encontros amorosos ()

Certamente encrencado estará também, nos próximos dias, um restaurante de comida brasileira, em Amsterdã, na Holanda, cujo cartaz foi parar, no mês passado, na imprensa e na internet. Acima da lista de cartões aceitos pelo estabelecimento aparece uma montagem com o Cristo segurando copos de caipirinha. A casa, que oferece churrasco em sistema de rodízio e show de mulatas, parece ter ultrapassado, como sempre reforça a Arquidiocese, os limites do bom senso. Que não se saiba o valor exato da marca em reais ou dólares é até compreensível. Difícil é aceitar a falta de percepção de que ela vale muito para ser usada assim.

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