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Rio histórico com Laurentino Gomes

O jornalista, autor dos best sellers 1808 e 1822, resgata pontos históricos do Rio de dois séculos atrás e lugares que, ainda hoje, fazem lembrar a cidade daqueles tempos. No próximo título de Laurentino Gomes, ela ressurge como cenário: é aqui que se concentram os eventos que levaram à proclamação da República do Brasil, revisitados no livro 1889

Por Louise Peres
Atualizado em 5 dez 2016, 15h55 - Publicado em 9 nov 2011, 17h31

Ele já revirou a chegada da Família Real portuguesa ao Brasil e recontou os percalços até a independência do nosso país. Desta vez, Laurentino Gomes dará um salto ainda maior para resgatar os acontecimentos que levaram à proclamação da República do Brasil, ocorrida em 15 de novembro de 1889, há 122 anos. Se em 1808 e 1822, seus dois primeiros livros, o Rio ganhou destaques esparsos, no novo título a cidade reaparece como protagonista. “Para 1889, o Rio é cenário principal. Aqui se deram os principais fatos para a derrubada da monarquia brasileira”, afirma o jornalista, que já escolheu a data de lançamento da obra: setembro de 2013, na Bienal do Rio. Em seu trabalho de esmiuçar os fatos e investigar a vida de pessoas envolvidas nesses três diferentes momentos do país, o autor paranaense mergulhou fundo neste Rio histórico. E contou à VEJA RIO os lugares que ainda guardam um pouquinho do passado resgatado em seus textos.

Você acha que conhecia o Rio dos dias de hoje tanto quanto conhece agora o de 1808, 1822 e 1889?

Eu fui me apaixonando mais pelo Rio de Janeiro ao longo das minhas pesquisas para o 1808. Já conhecia a cidade, vinha sempre a trabalho como jornalista. Mas não tinha conseguido entender a alma, o DNA do Rio antes de estudar a vida da corte de Dom João. É impressionante como hoje eu vejo o Rio de uma maneira completamente diferente.

Um exemplo?

Quando vou aterrissar no Santos Dumont, lá de cima eu consigo identificar os locais onde os acontecimentos históricos ocorreram entre 1822 e 1823, por exemplo. É um exercício interessante imaginar como poderia ser naquela época. Observo a Ilha da Cobras, onde era depositado o ouro que vinha de Minas Gerais antes deste ser embarcado para Portugal, o antigo mercado de escravos do Valongo, na Gamboa… Locais muito importantes e que hoje estão esquecidos.

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E agora, estudando um novo momento histórico para o próximo livro?

Justamente. Agora, na pesquisa para 1889, o cenário volta a ser o Rio de Janeiro: desde a Ilha Fiscal, onde foi realizado o último grande baile do Império; o Palácio de São Cristóvão; o Campo de Santana, atual Praça da República; até a casa do Marechal Deodoro da Fonseca, de onde ele foi retirado, quase que à força, para liderar a proclamação, na manhã do dia 15 de novembro de 1889… Essa redescoberta do Rio pelo seu componente histórico é muito interessante. É muito bonito porque não é só observar essa paisagem de hoje. Envolve uma certa dose de imaginação. Como seria o Rio daquela época?

Que lugares do Rio mais te lembram esses períodos históricos?

Primeiro, a Biblioteca Nacional, o grande santuário dos livros no Brasil. Lá estão os 50 000 livros que vieram de Portugal logo depois da chegada da Corte. É um tesouro bibliográfico único. O Museu Histórico Nacional também vale uma visita: a praça dos canhões, as carruagens, ali há um material riquíssimo. O Paço Imperial, embora hoje não tenha um acervo interessante, foi o local onde aconteceram as coisas mais importantes deste período: Dom João se instalou na Praça XV logo na chegada ao Brasil, foi lá que ocorreu a proclamação do Dia do Fico, e ali nas proximidades está a Antiga Sé, que foi a Capela Real. Belíssima, restaurada em 2008, é onde foi aclamado e coroado D. João VI, e depois D. Pedro I. Um pouco mais distante, indico o Palácio de São Cristóvão, hoje Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista – apesar dele estar relativamente abandonado e pouca coisa lá lembrar realmente a história monárquica daquele lugar.

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Existe alguma razão para o Museu Nacional ter virado um lugar dedicado à História Natural?

Pois é, ele tem essa certa esquizofrenia porque a Princesa Leopoldina era uma apaixonada por ciências naturais. Colecionava pedras, borboletas, insetos… e o local onde ela morou acabou virando um grande museu antropológico! Por essa razão lá tem múmias e meteoritos, foi pelo fato dessa corte ter um grande interesse pelas ciências naturais. Hoje ele pertence à UFRJ, mas há um lado desse lugar que está obscurecido. Foi lá que moraram D. João VI, D. Pedro I, D. Pedro II, e ali ocorreram os fatos importantes do Primeiro e do Segundo Reinados. Você chega no Museu Nacional e não tem nada que te explique onde morava o rei, onde ele dormia, onde era a cozinha… não há um roteiro histórico naquele lugar.

E você nunca pensou em fazer algo assim, que apresente roteiros históricos desconhecidos ao público?

Não agora, porque eu preciso focar nas pesquisas do meu livro. Mas taí uma ideia, acho que o Rio de Janeiro deveria desenvolver isso: manter um museu de história natural mas também fazer um circuito que conte a história. As pessoas vêm de outras partes do Brasil querendo conhecer também esse aspecto do Palácio de São Cristóvão. Onde era, por exemplo, a passagem secreta que D. Pedro usava para ir visitar a Marquesa de Santos, que morava onde hoje é o Museu do Primeiro Reinado? Acho que isso daria um roteiro turístico muito interessante que enriqueceria o papel da Quinta da Boa Vista no turismo do Rio de Janeiro.

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O que havia no Rio de dois séculos atrás, que não existe mais e você gostaria que houvesse?

A candura, a beleza e a simplicidade daquela cidadezinha colonial, de 50 a 60 mil habitantes, com casinhas brancas rentes à praia, debruçadas sobre as águas da Baía da Guanabara. Uma cidade que ainda era dominada pelo Morro do Castelo, que hoje não existe mais, uma cidadezinha de cultura portuguesa mesmo. Esse Rio, infelizmente, não há possibilidade de ser recuperado. Ele virou uma metrópole muito movimentada, com uma arquitetura bastante moderna. Mas, ainda assim, existem cantinhos que permanecem como eram, lugares em que aquele Rio de Janeiro de 200 anos atrás está escondido, à espera daquele visitante que queira decifrá-lo.

Quais são eles?

Um deles e o Jardim Botânico. Claro que ele mudou muito nesses dois séculos, mas ainda é possível passear com calma, abstrair o ruído dos motores, dessa cidade que ruge de forma tão intensa lá fora, e tentar imaginar. Com um pouquinho da paisagem que sobrou, escondida atrás dos muros, e imaginação, lendo histórias, é possível recuperar esse Rio que deixou de existir. Se você for a Santa Teresa ou subir a colina do Outeiro da Glória e for atrás da igreja, observar ali aquela vegetação, as casas que ainda existem lá, pode tentar imaginar como era esse Rio de antes. Ou fazer uma visita, por exemplo, ao Convento de Santo Antônio, perto do Largo da Carioca, onde foi escrito e discutido o abaixo-assinado do Dia do Fico, em 1821. Hoje ele é aberto pelos padres para visitação.

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Comparando o Rio de dois séculos atrás e o de hoje, que diferenças mais sobressaem aos seus olhos?

Hoje o Rio de Janeiro é muito mais democrático, uma cidade muito mais aberta do que em 1808, por exemplo. Um terço da população era constituída de escravos, não-cidadãos, verdadeiras máquinas de trabalhar. Havia uma nobreza que chegava de Portugal, uma riqueza da terra, dos senhores de engenho , mas a sociedade era um poço de exclusão. É claro que no Rio hoje tem muita desigualdade, pobreza, mas eu diria que essa sociedade hoje se mistura mais do que naquela época. Aquele muro social que existia na monarquia portuguesa não existe mais. As pessoas precisavam se ajoelhar diante de Carlota Joaquina quando ela passava. Hoje o prefeito e o governador andam por aí e ninguém precisa ajoelhar na frente deles (risos). A cidade está mais aberta.

Que personagem daquela época você gostaria de ver na cidade hoje?

Tem um personagem que me encanta muito, o José Bonifácio de Andrade Silva. Curiosamente ele não era carioca, mas santista, e veio para o Rio para executar o grande papel que a história lhe reservava, de patriarca da Independência. Num momento de grande crise aqui, logo após o Dia do Fico, D. Pedro estava ainda às voltas com a rebelião das tropas portuguesas e a Independência era uma grande incerteza, ninguém sabia que rumo as coisas tomariam. Foi quando José Bonifácio começou a organizar tudo, a dar uma certa lógica a esse processo. E ele era uma pessoa muito divertida, um bom dançarino (risos), bom poeta, bom de papo, um homem muito inteligente e cosmopolita. Vê-lo em ação aqui hoje seria muito interessante.

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E o contato com o Rio de 1889, como tem sido?

O próximo livro será lançado em setembro de 2013, na próxima Bienal do Livro, aqui no Rio. Acredito que, até agora, tenha concluído cerca de 30% da pesquisa, de um total de 120 a 130 livros que tenho para ler sobre o assunto. Mas já avancei bastante, passei por toda a obra do José Murilo de Carvalho, um importante historiador mineiro que é especialista no tema. O que ainda preciso fazer é mergulhar no Rio de Janeiro republicano, ir aos locais onde os fatos se deram e ver tudo. Considero essas incursões pelos lugares e museus importantes para a minha pesquisa, e esse Rio de Janeiro republicano eu ainda não visitei com calma. Mas devo fazê-lo em breve.

Que autor você destacaria como uma boa referência sobre a cidade daqueles tempos?

A obra do Machado de Assis. É claro, existem ótimos livros de história, mas quem quiser mergulhar de fato na alma do Rio do fim do século XIX deve ler Machado de Assis. Um deles, o romance Esaú e Jacó, que é uma radiografia da proclamação da República, do Brasil que derruba a monarquia. É uma obra muito sensível e muito bonita.

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