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O papa é pop

A eleição do carismático Francisco aumentou o interesse e a participação dos cariocas na Jornada Mundial da Juventude, evento que acontecerá em julho no Rio e que tem a presença confirmada do novo pontífice

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 14h07 - Publicado em 27 mar 2013, 17h55

O ano começou sob forte tensão na Arquidiocese do Rio. Até o início de fevereiro, faltando apenas cinco meses para a abertura da Jornada Mundial da Juventude, evento que deverá receber católicos de mais de 100 países para uma semana de oração na cidade, ninguém fora da Igreja parecia se importar com o assunto. Os bispos e voluntários do Comitê Organizador Local (COL) quebravam a cabeça para criar um plano de marketing que mudasse essa situação. Não foi preciso. A escolha do carismático cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio para liderar a Igreja Católica fez mais do que qualquer campanha viral na internet ou propaganda com celebridades poderia almejar. A humildade, o bom humor e, sejamos honestos, até a origem portenha do pontífice deram um ânimo à comunidade católica como fazia tempo não se via. Pois na semana passada, em uma conversa com a presidente Dilma Rousseff, o papa Francisco confirmou formalmente a presença na festa carioca, talvez sua primeira missão apostólica depois da eleição. Subitamente, não só o Rio, mas todo o planeta passou a falar sobre a Jornada, que ocorrerá entre 23 e 28 de julho. Isso fez com que a expectativa inicial de público subisse de 1,5 milhão para 2,5 milhões de fiéis. “O evento em si ganhou importância, com uma participação mais ativa de alguém que nitidamente tem mais energia e mais gosto pelo contato com o povo”, conta dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro.

foto Fernando Frazão
foto Fernando Frazão ()

É fato que a renúncia de Bento XVI e a surpreendente chegada de seu sucessor ao Vaticano funcionaram como uma descarga de eletricidade no rebanho local. Nem mesmo veteranos em recepções papais ficaram imunes ao frisson. A socialite Glória Severiano Ribeiro, famosa por organizar grupos de oração em sua casa, no Jardim Pernambuco, é um exemplo. Há 33 anos, ela cuidou do coral de crianças que cantou no Aterro do Flamengo para o papa João Paulo II, ponto alto de sua primeira vinda à cidade. Agora, como coordenadora do COL, ficou ansiosa com a eleição do cardeal Bergoglio e se empenha para que cada detalhe de sua passagem por aqui funcione com perfeição. “As coisas antes estavam mais no automático. Com seu nome, deu para notar maior empolgação de todos os envolvidos”, avalia. Companheira de Glória na militância católica, Gisela Amaral atua diretamente na operação e tem sentido sobre os próprios ombros o peso da popularidade do novo ocupante do Trono de Pedro. “Tem aumentado consideravelmente o número de padres e bispos se inscrevendo na última hora. Estou ligando para toda a minha agenda a fim de acomodar esse pessoal”, diz ela. Além de caçar camas pela cidade, na semana passada Gisela corria atrás dos amigos para conseguir helicópteros que pudessem transportar o alto clero entre os diversos eventos previstos (veja o quadro na pág. 28). A apresentadora Xuxa vai emprestar o dela.

foto Fernando Frazão
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Em um encontro com a duração e as dimensões da Jornada Mundial da Juventude, a acomodação dos peregrinos é, sem dúvida, a parte mais complicada. Até o último dia 20, o número de leitos confirmados, entre casas de família, escolas, faculdades e casas religiosas, estava em sintonia com a demanda inicialmente prevista. O comitê organizador já havia alcançado 250?000 lugares, para um número igual de inscritos até o momento. A expectativa agora é que esse contingente dobre até julho (fora o pessoal que vem, mas não se inscreve). E alojamento não pode ser como coração de mãe, em que sempre cabe mais um. O Colégio Santo Inácio, por exemplo, planejava abrigar mais de 3?500 jovens jesuítas de cinquenta países. A ideia era colocar beliches com três leitos no ginásio esportivo e ocupar as salas de aula com sacos de dormir. Não é tão simples. Uma consulta à planta da construção mostrou que a quadra não aguentaria o peso de tanta gente, e o uso de muitas salas atrapalharia a volta às aulas três dias depois do adeus aos estrangeiros. A quantidade final de leitos no prédio da Rua São Clemente acabou caindo para cerca de 2?000. “O espírito do peregrino é o da simplicidade, qualquer lugarzinho está bom para ele, mas precisamos nos preocupar em dar segurança e condições de higiene”, explica o padre Adílson da Silva, prefeito da igreja de Santo Inácio.

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Afinados com o senso de solidariedade cristã, os católicos cariocas chamados a ajudar na preparação da festa não decepcionaram. A arquidiocese contará com mais de 60?000 voluntários, um número que não para de crescer. São principalmente jovens que, longe do estereótipo de “papa-hóstia”, estão envolvidos com uma festa destinada a fiéis com idade a partir dos 14 anos e na qual não faltam shows de música e, eventualmente, flertes. Muitos deles já estão no batente, como o físico Diego Lemelle. Professor na UFRJ, ele arranja tempo para, três vezes por semana, comparecer ao Q.G. da organização, no 6º andar de um prédio na Glória, para ajudar no setor de tecnologia da informação. “Aqui é como uma minijornada, com jovens do Brasil inteiro e de outros países se conhecendo, aprendendo juntos, num ambiente voltado para a espiritualidade”, comenta Lemelle. Quem ainda não entrou na operação oficialmente vai fazendo o que pode para contribuir. Responsável por um site destinado ao turismo, Isabella Cunha, de 27 anos, vai tirar férias durante a Jornada para poder se dedicar exclusivamente à festa católica. Suas amigas Camila Rodrigues, Luiza Portella, Gabriela Clayton, Joana Borges e Celina Bottino, que aparecem na abertura desta reportagem, farão o mesmo. As moças ainda não sabem quais serão suas funções, mas enquanto esperam a notícia já começaram a colaborar oferecendo-se para hospedar visitantes. “O papa está revolucionando a maneira como se vê a Igreja, com mais humildade, simplicidade e serviço ao próximo, e nós adotamos isso ofertando o que temos a quem vier para cá”, diz Isabella.

foto Paulo Batelli
foto Paulo Batelli ()

Realizada a cada dois anos, a Jornada Mundial da Juventude foi criada como um grande congraçamento de jovens católicos de todo o mundo. Seu ponto alto é um encontro presidido pelo próprio papa. No Rio, tal encontro acontecerá em Guaratiba, onde fica o chamado Campus Fidel ? o nome não tem nada a ver com o ditador cubano, e sim com a tradução latina (campo da Fé). Para chegar até lá, os romeiros terão de percorrer 13 quilômetros a pé, entre a entrada do Túnel da Grota Funda e o local onde ocorrerá a celebração. O grande desafio da organização, no entanto, é evitar os problemas que aconteceram há dois anos em Madri, a última cidade a sediar o evento. Apesar de ter agradado muito aos visitantes, que se divertiram a valer pelas madrugadas madrilenas, os moradores reclamaram muito do afluxo de 2 milhões de jovens à capital espanhola. As principais vias de tráfego da cidade ficaram sete dias interditadas, e o metrô acabou saturado com um volume de pessoas três vezes maior do que o normal. Restaurantes e lanchonetes tiveram dificuldade para dar vazão ao apetite da moçada em fase de crescimento, e houve relatos de confrontos com policiais. Para evitar transtornos dessa natureza, ficou decidido que os ônibus vindos de fora não poderão entrar no perímetro urbano ? ficarão em bolsões de estacionamento próximo aos acessos do Rio. Atividades culturais como apresentações musicais serão espalhadas por vários pontos da capital para evitar a concentração de grandes multidões, e o transporte público será reforçado ? principalmente para os eventos em Copacabana e Guaratiba. A segurança envolverá as Forças Armadas, a Polícia Federal e as polícias civil e militar, em esquema similar ao que será testado um mês antes, na Copa das Confederações. A alimentação acontecerá, de fato, na rede de restaurantes e lanchonetes da cidade, mas já está sendo negociado um esquema de pratos especiais para quem vier, de modo a reduzir os preços e acelerar o serviço. Além disso, kits de café da manhã e lanches serão distribuídos nas paróquias aos inscritos na jornada.

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O Rio sempre teve como traço marcante a devoção católica. O fato de o maior símbolo carioca ser justamente uma estátua de Cristo com os braços abertos, a acolher moradores e visitantes, apenas corrobora essa constatação. Em 1980, quando recebemos um papa pela primeira vez, 80% da população era composta de apostólicos romanos. Eles cantaram a plenos pulmões a música A Bênção, João de Deus e participaram de celebrações apoteóticas. Dezessete anos depois, em sua segunda visita, João Paulo II retribuiu o carinho com a frase “Se Deus é brasileiro, o papa é carioca”. O Rio que Francisco encontrará é muito diferente daquele que o antecessor de Bento XVI conheceu. Hoje, com o crescimento das igrejas evangélicas, o que se acentuou no último papado, os católicos estão reduzidos a 60% da população. Entre os jovens, o número de fiéis caiu 21% nos últimos dez anos. A expectativa em torno de Francisco, portanto, é enorme. Em seu curto período como pontífice, ele já chamou atenção com um discurso voltado para o amparo dos necessitados e medidas de forte conteúdo simbólico, como a troca do crucifixo de ouro por um similar de prata e o uso de sapatos pretos comuns no lugar dos mocassins vermelhos do antecessor. Na última terça-feira, foi acolhido com alvoroço pelos fiéis que o aguardavam na Praça de São Pedro. Sinais claros de que fortes emoções estão reservadas para os dias que passará aqui.

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