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Puxadinho indecente

Prefeitura dá prazo de um mês para que o Complexo Lagoon retire os equipamentos de refrigeração que desfiguram o Estádio de Remo

Por Caio Barretto Briso
Atualizado em 5 jun 2017, 14h35 - Publicado em 4 abr 2012, 19h58
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Um dos mais belos cartões-postais cariocas, a Lagoa Rodrigo de Freitas está prestes a ampliar suas opções de lazer. Com inauguração prevista para meados de abril, os restaurantes Quadrifoglio Caffè, Gula Gula, Giuseppe Grill e Pax Delícia são a aposta do La­goon para diversificar suas atrações. Situado no Estádio de Remo, o complexo de entretenimento reúne hoje seis salas de cinema e a recém-aberta casa de shows Miranda. A notícia tinha tudo para ser muito bem recebida pelos cariocas, salvo por um senão: além de ser um atentado contra o bom-senso, a instalação do novo sistema de refrigeração deu um drible na legislação. No alto da fachada do prédio, salta aos olhos a tubulação de ar condicionado encoberta com um material semelhante a papel-alumínio, que destoa grosseiramente do conjunto. Não ficou nisso. Em uma das laterais da arquibancada foram postos dez condensadores e três exaustores de grandes dimensões, que não só enfeiam o cenário como bloqueiam a visão do espelho d?água de parte do público. Se não bastasse, as intervenções foram feitas em um local que é tombado pelo município desde 2005 e que vai receber as provas de remo e ca­noa­gem na Olimpíada de 2016.

A reação ao puxadinho foi de espanto. ?Nós ficamos surpresos. A obra foi feita sem o nosso conhecimento?, afirma Washington Fajardo, subsecretário de Patrimônio Cultural, a quem cabe autorizar qualquer tipo de reforma em bens protegidos pelo município. Como resposta, o órgão encaminhou uma notificação à Secretaria Municipal de Urbanismo, que embargou as instalações. Empresa responsável pelo Lagoon, a Glen Entertainment propôs a construção de uma cobertura em brise para esconder a tubulação da parte frontal e a colocação de uma estrutura similar nos condensadores da arquibancada. No entanto, foi aceita apenas a primeira sugestão. Quanto aos condensadores, a prefeitura estabeleceu o prazo máximo de trinta dias para que eles sejam retirados. Diz Fajardo: ?Ninguém em sã consciência vai trabalhar contra uma empreitada como esta. Mas somos uma cidade olímpica e as regras precisam ser seguidas corretamente?. Em nota, a Glen reitera que não teve a intenção de desrespeitar nenhum preceito legal e afirma que os equipamentos serão deslocados para o estacionamento em, no máximo, dois meses.

Inaugurado em dezembro de 2010, o Lagoon tem um longo histórico de brigas e reclamações. Sua construção se arrastou por mais de uma década, desde que a Glen Entertainment recebeu do estado, em 1997, a concessão para explorar aquele ponto. Durante muito tempo, placas de trânsito na região indicavam o caminho para chegar ao complexo, antes mesmo de sua conclusão. A primeira ação na Justiça contra o empreendimento foi por iniciativa do Ministério Público Estadual (MPE) e da Federação de Remo do Rio de Janeiro, que questionavam a falta de licitação para a escolha da companhia. O processo está em Brasília e aguarda apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Em 2010, uma outra ação foi movida, novamente pelo MPE, desta vez contra o governo estadual. Seu alvo é o termo aditivo no qual a empresa se viu livre de bancar a reforma do estádio para o Pan de 2007, o que acabou custando 13,2 milhões de reais aos cofres públicos. Pelo compromisso original, era atribuição da Glen a restauração do conjunto. ?A justificativa da cessão de uso, que era gerar recursos para investir nas instalações esportivas, não foi respeitada?, acusa o promotor Eduardo Carvalho.

No início dos anos 90, o Estádio de Remo da Lagoa sofria com o abandono do poder público e a falta de manutenção. Era um local subutilizado, apesar de ficar em uma das áreas mais valorizadas da cidade. A própria modalidade, capaz de atrair uma multidão a suas regatas no começo do século passado, aos poucos ficou circunscrita a um grupo de praticantes e admiradores. Imponente, a estrutura de pilares em V da arquibancada havia se tornado um esqueleto de concreto, e o belo exemplar de arquitetura moderna, construído em 1954, se viu tomado de mendigos. Não há dúvida de que o Lagoon ajudou a revitalizar aquela área com seus cinemas e, mais recentemente, casa de shows e restaurantes. Trata-se de um lugar privilegiado, com uma excepcional vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas e atrações de alto nível. Mas as novas possibilidades de lazer não podem servir de justificativa para que o bom-senso seja atropelado. Qualquer observador percebe logo que não há beleza arquitetônica que resista aos monstrengos inseridos no complexo. Retirá-los dali é uma boa forma de começar os preparativos olímpicos e de mostrar que a lei, independentemente dos méritos do empreendimento, é seguida por todos.

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