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A vez dos herdeiros

Nova geração assume a dianteira de empresas tradicionais da cidade com o desafio de adaptá-las aos novos tempos, mas sem abrir mão da identidade

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 14h43 - Publicado em 16 dez 2011, 20h12

À frente da rede de lanchonetes Geneal, um dos negócios mais tradicionais da cidade, o empresário Dimas Côrrea, 63 anos, se viu recentemente em um dilema. Apesar de já vislumbrar a perspectiva da aposentadoria, não conseguia encontrar um sucessor que pudesse assumir o comando da empresa, que tem uma rede franqueada de cinquenta pontos de venda. A filha mais velha, Fernanda, 25 anos, não conseguiu passar mais do que seis meses trabalhando com o pai. A do meio, Luciana, 23, havia enveredado pela área de design e nunca se interessou pelos cachorros-quentes que fizeram a fortuna da família. O caçula, Paulo Eduardo, ainda era muito jovem ? atualmente cursa o primeiro ano do ensino médio. Com isso, a troca de guarda veio sendo protelada até que, há pouco mais de um ano, Luciana, inesperadamente, decidiu deixar o desenho industrial de lado e se instalar no escritório paterno. Criativa, acrescentou ao cardápio salgados de apelo mais saudável, como croissants e esfihas integrais, mudou a receita do brownie, mexeu nas embalagens, deixando-as mais modernas, e contratou um especialista em marketing. “Quero mudar muita coisa, não paro de ter ideias, mas papai me segura e me ensina a fazer uma coisa de cada vez para fazer benfeito. E ele tem razão”, pondera a entusiasmada Luciana.

Assim como aconteceu na Geneal, um punhado de firmas que são verdadeiros ícones cariocas enfrenta o desafio de trocar de comando, com os herdeiros assumindo o papel dos pais. Ávidos por novidades, cabe a eles o desafio de adaptar o negócio aos novos tempos sem, no entanto, comprometer sua identidade. Em alguns casos, a transição costuma ser conduzida sem solavancos. Dono da Lidador, o português Joaquim Cabral Guedes, hoje com 87 anos, não deu chance ao azar. Criou seus dois filhos e quatro netos praticamente dentro da importadora de bebidas e alimentos na Rua da Assembleia, no Centro. A estratégia funcionou, e hoje todos trabalham na rede. “Vim de Portugal em 1942 para ajudar meu tio, que fundou o negócio em 1924 e estava sozinho depois que o sócio morreu. Como sempre me preocupei com o futuro, trazia meus filhos para brincar aqui e ir tomando gosto pelo lugar”, conta Cabral. Há cinco anos, a gestão está nas mãos de seus dois filhos, o engenheiro Vítor, 61, e o advogado Fernando, 58. Dois netos cuidam das vendas pelo site e outros dois se dividem para administrar as onze filiais ? todos com idade entre 29 e 35 anos. “Assumimos a administração, mas meu pai vem todos os dias ao escritório, dá pitaco em tudo, e não tomamos nenhuma decisão importante sem consultá-lo”, diz Vítor Cabral.

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Nem sempre a relação entre as gerações costuma ser harmoniosa à frente de uma empresa. Felipe Mossalem, 35 anos, e seu pai, Said, 65, costumam trombar com frequência quando o assunto é a administração do negócio do clã, a Casas Pedro. Responsável pela expansão da rede de duas para onze lojas, o filho admite que cada modernização é motivo de discussões. “Meu pai é cabeça-dura. Não queria informatizar o caixa, não queria abrir lojas na Zona Sul, não queria oferecer luvas para os clientes pegarem os alimentos. Ele é do tempo em que tinha pombo em cima das frutas secas e estava tudo bem”, relata Mossalem. Apesar de renitente e conservador, Said é uma fera nos números. Quando as mudanças conduzidas pelo filho aumentam as vendas, acaba cedendo. Mas isso não significa que alterações futuras serão mais fáceis. “Moramos juntos até o ano passado, e o fato de eu assumir a gestão quebrou a hierarquia patriarcal não só na loja mas também em casa, porque para o meu pai é tudo a mesma coisa. As discussões eram constantes, tanto no balcão quanto à mesa do almoço de domingo. Acho que o fato de eu ter saído de casa deixou a relação mais profissional”, acredita Felipe.

Empresas maiores e mais profissionalizadas costumam conduzir a troca de comando de forma lenta e cuidadosa, com o auxílio de especialistas no assunto. A Nova Rio, a maior companhia de limpeza do estado, com mais de 25?000 funcionários, preparava desde 2006 Carla e Flavia Ritto ? duas das cinco filhas do fundador, Nilson Ritto ? para que elas assumissem o leme a partir de janeiro. A morte do patriarca no início de 2010, aos 67 anos, obrigou as herdeiras a adiantar o processo, e Carla, hoje com 45, se tornou presidente antes do previsto. “No campo familiar, ainda não nos recuperamos da perda do meu pai, ninguém esperava por aquilo. Mas na empresa não houve sobressaltos e terminamos o ano passado com um aumento de 50% no faturamento”, diz ela. Com tantas maneiras diferentes de passar o bastão, é possível rever a velha frase com que Leon Tolstói abre seu romance Ana Karenina: todas as famílias felizes são iguais, mas as bem-sucedidas nos negócios o são cada uma à sua maneira.

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