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Fora, baixo-astral

Com uma fórmula que junta lições de autoajuda, filosofia e misticismo, um seleto time de gurus fascina os cariocas enquanto engorda a conta bancária

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 13h52 - Publicado em 28 ago 2013, 17h12

O encontro começa com uma teoria de Albert Einstein, segue por conceitos do filósofo Baruch Spinoza e logo descamba para o repugnante Félix, vilão da novela Amor à Vida. Acompanhando esse exótico raciocínio, 120 mulheres, várias delas da alta sociedade carioca, parecem hipnotizadas pelas palavras de Manoel Thomaz Carneiro, o mestre de cerimônias. Algumas anotam em caderninhos elegantes tudo o que ele diz. Ex-administrador de empresas convertido em psicanalista, Carneiro, 54 anos, faz um sucesso enorme entre as discípulas. Na etapa final do encontro, o mestre conclama as alunas para participar de um ritual que lembra um culto evangélico. Ele as convoca a um longo suspiro de alívio e em seguida ouve-se um sonoro “Aaahhhhhh…”, uníssono. Em seguida, vem o arremate, um catártico grito de “Rá!” acompanhado de um movimento enérgico dos braços. A cena se repete todas as terças e quartas-feiras, às 14h30, no auditório do edifício Leblon Corporate, na Rua Dias Ferreira. Sempre lotadas, as sessões abarcam questões existenciais, como angústia, medo e aquela inexplicável sensação de vazio que aflige o homem moderno. “Mostro que as pessoas precisam achar as cordas na vida para se segurar, ou seja, algo para amar. E elas saem apaziguadas ao perceber que seus problemas são comuns”, prega. “É a aula da felicidade. Todo mundo sai bem”, diz a socialite Gisela Amaral, que integra o grupo há dois anos.

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Carneiro é uma das estrelas de um time de gurus que faz a cabeça e o coração dos bem-nascidos. Articulados, carismáticos e com seus ecléticos ensinamentos na ponta da língua, eles impressionam pela capacidade de juntar gente esclarecida, que não se preocupa em gastar tempo nem dinheiro para ouvi-los. Em meio a discursos recheados de frases de efeito e obviedades (veja os quadros ao longo da reportagem), há sempre algo que se encaixa com perfeição na vida de quem os procura. De variadas correntes, técnicas e estilos, os mandamentos oscilam entre lições de autoajuda, conselhos psicológicos, filosofias ocidental e oriental, além de rituais místicos ? não raro tudo presente em uma miscelânea só. Eles prometem soluções-relâmpago para problemas como ansiedade, depressão e dificuldade de relacionamento. Explicar à luz do racionalismo o que eles fazem e como alcançam seus resultados é impossível. Psicólogo de formação, Paulo Montano, 49 anos, ganhou fama com uma técnica que batizou de “limpeza energética”. Em um apartamento de luxo em Copacabana impregnado do cheiro forte de incenso e onde se amontoam imagens de santos e cristais, dá dicas para combater vibrações ruins. “Exercitar a gratidão é a chave de tudo”, defende. Depois, lança mão da radiestesia para “medir” as cargas negativas do cliente e executa um ritual de orações. “Como acontece com um computador atacado por vírus, somos continuamente invadidos por energias malignas”, compara. Parece uma balela só, mas o empresário Ricardo Rique, dono de uma fortuna estimada em 50 milhões de reais, jura que dá certo: “Vou todo mês. O cara afasta o olho gordo e faz a vida melhorar 1?000%”.

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Em auditórios, consultórios ou mesmo na própria casa, os gurus cariocas costumam exibir um poderoso arsenal de recursos para arrebanhar seus seguidores. Afinal, a experiência precisa (em algum aspecto pelo menos) ser encantadora. Há até quem ataque com o irresistível apelo bucólico da Serra. Todos os meses, o psicanalista Francisco Alcover, 55 anos, reúne em seu sítio, em Itaipava, um seleto grupo que discute as aflições do espírito, em meio a um agradável almoço. Entre garfadas em um bife de filé-mignon guarnecido de risoto de pistache e bebericadas de vinho francês (bem mediano, afinal ninguém está ali para uma esbórnia etílica), dez pessoas passam o dia refletindo sobre assuntos como “onde foi que a raça humana se perdeu?” e “a complexidade do existir”. Adepto de várias correntes terapêuticas, Alcover promove exercícios que ? garante ? trazem à tona questões do inconsciente. Em um deles, os alunos vagueiam de olhos vendados pelo gramado numa analogia à forma como seguem pela vida. Os sofrimentos, sustenta, decorrem de traumas da infância e de memórias ancestrais. Para embasar suas ideias, discorre sobre o período neolítico e exalta a perfeição da natureza. Uma pessoa de coração menos puro daria gargalhadas. “Com o tempo, nós nos habituamos à desarmonia. Olhem em volta, vocês não vão ver bichos cafonas ou cabras com olheiras porque não dormiram”, dispara. Nem mesmo o nonsense da frase arrefece o entusiasmo de seus seguidores. Como lição de casa, seus alunos devem tomar copos de água morna várias vezes ao dia. “É um drinquezinho para diluir as toxinas psíquicas”, explica. Os alunos adoram. “O trabalho dele é muito diferente da psicanálise tradicional. A gente sai leve”, diz a advogada Patrícia Arrigoni. “Ele junta conhecimento com a capacidade de canalizar uma energia boa. A autoestima aumenta”, endossa a empresária Rachel Chreem.

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E a conta bancária dos mestres também. Quem oferece luz à busca dos outros pelo autoconhecimento administra um negócio altamente rentável. Em uma única tarde, o professor Carneiro, aquele do “Rá!”, fatura 12?000 reais (cobra 100 por aula, com turmas de 120 integrantes). Tal ganho lhe permite passar três meses por ano em Paris, onde tem apartamento. O almoço terapêutico com vinhozinho fraco no frio de Itaipava de Alcover sai a 500 reais por pessoa. A sessão com Montano, no apê de Copacabana, custa 300 reais. Quem quer aprender meditação transcendental com o mais badalado especialista no assunto, Klebér Tani, 53 anos, precisa desembolsar 1?500 reais por cinco aulas. “É uma atividade que tem respaldo científico, é fácil e pode ser feita em qualquer lugar, como num táxi ou na ponte aérea”, explica. A gama de benefícios atribuídos a essa modalidade é tamanha que assombra os desavisados: combate o stress, diminui a ansiedade, aumenta a criatividade, fez regredir o envelhecimento, entre mais de vinte vantagens listadas no site de Tani. “Não há milagre no que ele ensina, é apenas uma questão de repetição. Se você torna essa prática um hábito, o seu dia muda brutalmente”, afirma a discípula e atriz Júlia Lemmertz, que diz dormir melhor e ficar mais concentrada depois que passou a seguir seus ensinamentos.

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Desde os anos dourados do movimento hippie, nas décadas de 60 e 70, uma profusão de técnicas derivadas de religiões tradicionais se tornou popular entre os que buscam o autoconhecimento e a solução para problemas pessoais. É o caso da cabala, filosofia de origem judaica que tem feito a cabeça de celebridades internacionais como a cantora Madonna e a atriz Demi Moore. No Rio, o ensinamento milenar que prega a diminuição do ego, o amor ao próximo e o desejo de compartilhar tem dois mestres ? que, curiosamente, nutrem sentimentos pouco edificantes um pelo outro. Analista de sistemas por formação, Ian Mecler, 46 anos, é judeu, atuou como médium em um centro espírita e foi astrólogo. Agora comanda o centro de estudos Portal da Cabala, criado por ele em 2005. Por seus cursos, no Rio e em São Paulo, já passaram mais de 3?000 alunos. Mecler ainda é um sucesso editorial, com mais de 100?000 livros vendidos. Seu concorrente é Shmuel Lemle, 45 anos, cujos conhecimentos no assunto foram aprofundados nos anos 90, nos Estados Unidos. Aqui, fundou e dirige a Casa da Kabbalah. Um dos pioneiros a ministrar aulas sobre o assunto, nos últimos tempos tem disputado ferrenhamente discípulos com Mecler. “Não conheço o trabalho dele, nunca li um livro que escreveu”, limita-se a dizer Lemle. “O outro professor já me criticou publicamente, contrariando a regra número 1 da cabala, que é não falar mal dos outros”, alfineta Mecler. Longe das picuinhas, a devoção dos fiéis se mantém intacta. “O Ian nos ensina a viver melhor”, derrete-se a socialite Graça de Oliveira Santos. “Até o casamento melhora”, afirma o empresário Zeca Werneck, aluno de Lemle.

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Em uma terapia de linha clássica, como a freudiana ou a lacaniana, o paciente leva anos até ter alta ? às vezes nem tem. Uma das explicações para o fascínio por esses gurus é justamente a ideia oposta. Eles prometem resultados rápidos. Alguns dizem que já na primeira consulta há avanços consideráveis, como a ex-fisioterapeuta Mônica Oliveira, 51 anos, criadora do Fogo Sagrado ? Alinhamento Energético. De acordo com suas explicações, a técnica une sensitividade, física quântica e xamanismo. Essa salada mista espiritual é oferecida em um consultório em Copacabana e impressiona pelo número de devotos. Quem quiser ser atendido pela própria Mônica, que tem catorze colaboradores, precisará esperar dois anos por uma vaga e pagar 380 reais pela consulta. Em uma hora e meia, ela faz o que chama de scanner energético. Sem que o cliente fale uma palavra, ela se diz capaz de descrever suas lembranças da infância, fatos importantes e emoções que o marcaram. Em seguida, explica, as memórias são alteradas, o que faz com que bloqueios e doenças, como síndrome do pânico e depressão, sejam superados. “O medo é transformado em autoconfiança e a tristeza se anula diante da alegria interna”, pontifica. Entre seus seguidores está a promoter Alessandra Amaral. “É incrível. Em vez de fazer anos de terapia para descobrir um trauma, ali você já o trata”, acredita ela.

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Especialistas em analisar as crenças do ponto de vista da ciência e do racionalismo dizem que é natural recorrer a mentores espirituais quando nos sentimos incapazes de compreender o mundo que nos cerca. É uma forma de dar sentido e organizar uma situação aparentemente caótica que não conseguimos controlar. Os mestres surgem como uma espécie de autoridade que nos diz o que fazer. Entusiasmadas, as pessoas acatam os ensinamentos e se valem dos colegas e de amigos que tenham passado pela mesma experiência para confirmar seu grau de sucesso, principalmente se forem celebridades ou figuras conhecidas na alta sociedade. “Quem procura esse tipo de ajuda já chega predisposto a alcançar bons resultados. Tende a valorizar a parte boa e minimizar o que é ruim”, explicou a VEJA RIO o psicólogo americano Michael Shermer, colunista da revista Scientific American e autor de quinze livros a respeito do assunto. Para Shermer, as pessoas poderiam, sozinhas, superar seus problemas sem recorrer a esse tipo de liderança e, principalmente, sem gastar uma fábula com essa busca. Mas isso está longe de ser uma preocupação para os cariocas que engordam as filas de espera das consultas, cursos e conferências ministrados pelos iluminados gurus.

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