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Escolas de samba buscam alternativas criativas para economizar

Com a debandada dos patrocinadores e os cofres vazios, as grandes escolas apostam na criatividade para garantir a festa na Sapucaí

Por Pedro Moraes
Atualizado em 5 dez 2016, 11h30 - Publicado em 5 fev 2016, 00h00

Um clássico, a marchinha Até Quarta-Fei­ra, composta por Humberto Silva e Paulo Sette há quase cinquenta anos, diz, logo na abertura: “Este ano não vai ser igual àquele que passou”. Apesar de se referir a uma desilusão amorosa, a letra da música se encaixa com precisão na rotina vivida por carnavalescos, artesãos e costureiras que trabalham nos barracões das escolas de samba do Grupo Especial. Quem assistir aos desfiles no domingo (7) e na segunda (8) talvez nem perceba, mas os artistas precisaram se desdobrar para garantir que as agremiações se apresentassem com o mesmo fausto e opulência dos anos anteriores. Uma combinação de recursos escassos, dificuldade para captar doações e aumento nos preços de produtos importados para as alegorias e fantasias forçou os profissionais a verdadeiros malabarismos. A boa notícia, constatada pela reportagem de VEJA RIO nos galpões da Cidade do Samba, é que o brilho da festa está garantido. Cada escola encontrou seu caminho: economizar, substituir e até reciclar para que tudo saia o mais próximo possível do planejado. As plumas, outrora tão abundantes, minguaram. A campeã Beija-Flor, por exemplo, desmontou as vestimentas do ano passado, tingiu e reutilizou as penas usadas. A Mangueira trocou o material natural por similares artificiais, de náilon, que custam um sexto dos originais. Boias em forma de bastão, usadas em aulas de natação, não vão deixar ninguém afundar na avenida. Cortadas e pintadas, vão aparecer no sambódromo em profusão. A Grande Rio, por exemplo, escolheu o material para simular o gramado de um campo de futebol em uma de suas alegorias. “Tivemos de repensar tudo, buscar novas soluções, mudar os fornecedores, mas acho que conseguimos até efeitos mais bonitos”, explica Fábio Ricardo, carnavalesco da escola de Duque de Caxias.

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A crise que aflige praticamente todos os setores da economia bateu forte no Carnaval carioca. Estimativas indicam que as doze escolas de elite da folia tiveram uma queda de pelo menos 40% em suas receitas — em 2015, um desfile de primeira linha custou entre 6 milhões e 10 milhões de reais. Basicamente, as despesas são cobertas por verbas provenientes do direito de transmissão pago pela Rede Globo, subvenções concedidas pela prefeitura e pelo governo estadual, doações, eventos organizados nas quadras e, mais recentemente, patrocínios. Foi por esse expediente que corporações como as multinacionais Nestlé e Procter & Gamble, a petroleira venezuelana PDVSA e mesmo governos estrangeiros, como a ditadura da Guiné Equatorial, custearam enredos relacionados a seus produtos e estratégias promocionais, em iniciativas cercadas de controvérsias. Neste ano, algumas escolas bem que tentaram atrair novos parceiros. A União da Ilha criou um enredo sobre os Jogos Olímpicos, de olho em potenciais patrocinadores do evento esportivo, e a Unidos da Tijuca apostou no agronegócio, em busca do apoio da cidade mato-grossense de Sorriso, polo produtor de soja. As ­duas tentativas fracassaram.

No que se refere aos cofres públicos, o baque não foi menor. Até o ano passado, cada escola do Grupo Especial recebia 1 milhão de reais da Petrobras e outros 400 000 reais do governo fluminense. Em 2016, a estatal prometeu apenas 200 000 reais por agremiação e o governo do estado não dará nada. Como compensação, a prefeitura dobrou a verba concedida e liberou 2 milhões de reais por escola. “Esta será a primeira vez que vou fechar as contas no vermelho. Cortei eventos, mas pago salários e encargos de trinta funcionários fixos. Com barracão cheio, gastamos em um mês 30 000 reais de luz e 15 000 reais de água”, afirma Fernando Horta, presidente da Unidos da Tijuca, campeã de 2010, 2012 e 2014.

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Com o dinheiro curto, os carnavalescos abriram mão de recursos tecnológicos que se tornaram recorrentes nos últimos anos. Carros enfeitados com grandes painéis de LED serão raridade na Marquês de Sapucaí. A opulenta Beija-Flor, por exemplo, se limitará a reaproveitar algumas peças (pequenas) de desfiles anteriores em uma de suas alegorias. Mecanismos pneumáticos que deveriam movimentar esculturas, como o imenso palhaço da São Clemente, idealizado pela carnavalesca Rosa Magalhães, foram substituídos por engenhocas acionadas por correntes e cabos de aço, muito comuns nos desfiles dos bois-bumbá de Parintins, no Amazonas. A mudança, em princípio, não compromete o visual do espetáculo, mas exigiu um empenho maior nos ensaios e pode ser um risco potencial de falhas na avenida. O alívio no bolso, entretanto, foi considerável: o custo caiu de 140 000 para 10 000 reais. Outra medida de contenção foi adotar para as fantasias tecidos tingidos por um processo chamado sublimação. Graças a esse recurso, Cahê Rodrigues, carnavalesco da Imperatriz Leopoldinense, desenhou as estampas e mandou imprimi-las em malha, simplificando o processo. Com isso, reduziu-­se o custo do material de 18 para 8,50 reais o metro. Também foram banidos das fantasias artefatos importados como cristais, peças de acetato e diversos tecidos sintéticos provenientes da China, inviabilizados pela alta do dólar. “Minhas vendas caíram 50%, e o que teve saída foram basicamente os produtos nacionais”, explica Jorge Francisco, o Chiquinho do Babado, dono da rede de lojas Babado da Folia, a principal fornecedora das escolas.

Para sagrar-se campeã do Carnaval carioca, uma escola precisa enfrentar uma batalha por pontos em dez quesitos, disputados a cada décimo. Qualquer falha, ainda que pequena, pode custar o título. Em cenários de crise econômica, essa competição se torna ainda mais acirrada, uma vez que, em critérios de fantasia, adereços e alegorias, diminui a diferença entre as concorrentes. Com o orçamento apertado, grandes agremiações, habituadas a fazer desfiles caros e luxuosos, são obrigadas a descer de patamar e a aproximar-se de concorrentes menores, que nunca contaram com muito dinheiro. “Enquanto todos fazem as contas, estamos produzindo o nosso trabalho com o orçamento que sempre tivemos”, afirma Roberto Gomes, diretor de Carnaval da São Clemente, a oitava colocada no ano passado. A Estácio de Sá, que volta a se apresentar no pelotão de elite, vê na crise uma oportunidade. Com o enredo sobre São Jorge, adotou um rígido planejamento. Foi a primeira a comprar os insumos, quando os estoques dos revendedores estavam cheios, e apostou em reciclagem e adaptação. Palhas de aço foram transformadas em perucas de anjo, plásticobolha virou escama de dragão, bucha vegetal tornou-se pele de leão, e até o lixo da quadra foi parar nas fantasias. “Usamos 6 quilos de anéis de latinhas, recolhidas nos eventos, para criar os chapéus de uma ala”, conta Tarcísio Zanon, um dos carnavalescos da escola.

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Mais que um fenômeno esporádico e transitório, a incerteza econômica tem contribuído para uma discussão sobre o modelo em vigor na Marquês de Sapucaí. Assim que o reinado de Momo se encerrar, os dirigentes têm marcada uma reunião na Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, a Liesa. Na pauta, estão assuntos que vão de minúcias de regulamento a novas estratégias de captação de recursos. Hoje, por exemplo, a presença de foliões que pagam pelas fantasias é limitada para não prejudicar a avaliação no quesito harmonia, orientada por critérios como o engajamento no desenvolvimento do desfile. O gigantismo das alegorias e das dimensões das alas é outro aspecto questionado. Há ainda quem defenda um novo acordo com a Rede Globo para a transmissão do espetáculo, semelhante ao dos campeonatos esportivos, o que garantiria maior flexibilidade para angariar patrocínio. “É inegável a importância da televisão para o Carnaval. Tanto que nossa preocupação é justamente manter o telespectador interessado. Se for diferente disso, as pessoas vão desligar a TV, e aí tudo vai ficar ainda mais difícil”, diz o carnavalesco Paulo Barros, tricampeão pela Unidos da Tijuca e atualmente na Portela. Outra proposta em discussão é aumentar a participação da sociedade civil. A ideia vem do Mardi Gras, o Carnaval de Nova Or­leans, nos Estados Unidos, onde a rede hoteleira e o comércio repassam parte dos ganhos para ajudar a custear a festa. A festa brasileira, que nasceu de forma espontânea, cresceu sob a sombra do jogo do bicho e se estabilizou graças ao apoio governamental e de empresas privadas, precisa agora se reinventar mais uma vez.

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