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Caçadores de obras-primas

Com a boa fase do circuito de mostras da cidade, os produtores têm trabalhado como nunca. E se estressado mais ainda com os caprichos dos donos das peças

Por Rafael Teixeira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h37 - Publicado em 9 mar 2012, 19h47

O ano se anuncia promissor para os apreciadores de artes plásticas. Museus, centros culturais e galerias da cidade iniciaram a temporada com o pé no acelerador, exibindo atrações de qualidade que contemplam um grande arco de movimentos. Numa ronda pelas mostras em cartaz, é possível ver as polêmicas fotografias de Nan Goldin, as delicadas gravuras de Fayga Ostrower e as pinturas modernistas de Tarsila do Amaral. Até o fim do ano, está prevista a chegada de uma exposição dedicada a Leonardo da Vinci no Museu Nacional de Belas Artes ? que, ressalte-se, destaca atualmente outro mestre italiano, Amedeo Modigliani. São nomes de peso, que confirmam o ótimo momento do circuito carioca. Em consequência dessa leva de boas programações, uma classe em especial tem trabalhado como nunca: os produtores. Sua tarefa, embora sempre distante dos olhos do público, é providencial para a realização de uma mostra. Tudo começa depois que é feito o contato do curador com a instituição ou a pessoa detentora das obras. É nesse ponto que eles entram em cena, para cuidar de cada detalhe – e, frequentemente, lidar com muitos aborrecimentos.

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Cabe a esses profissionais viabilizar a vinda de quadros e esculturas que chegam a valer dezenas de milhões de dólares, mediante seguros dispendiosos. Eles se desdobram para gerenciar uma série de atribuições, sendo a principal delas a de correr atrás de tesouros que podem integrar acervos de várias partes do mundo e trazê-los com total segurança ao Brasil. Além de dar conta de toda a logística, eles desenrolam a parte burocrática – algo invariavelmente penoso – e negociam todas as condições do transporte. ?O curador, geralmente, faz uma primeira sondagem com os donos das obras?, explica Cláudia Zarvos, ex-diretora da Casa França-Brasil e no ramo da produção há vinte anos. ?Mas quem põe a mão na massa para concluir a negociação e trazer telas e esculturas somos nós mesmos.?

[—FI—]

Uma das principais incumbências do produtor é cortejar o proprietário do quadro ou escultura, que pode ser o diretor de uma instituição cultural, o herdeiro do artista ou um colecionador particular. Independentemente de quem seja, é alguém zeloso de seu patrimônio. O primeiro passo, portanto, é convencê-lo a ceder a peça, com o argumento da relevância da exposição ou por meio de uma boa proposta financeira pelo empréstimo. Costuma ser uma negociação tensa. Cientes da enorme dificuldade de conseguir a liberação de telas de Tarsila do Amaral, os produtores da exposição em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil começaram ainda em 2010 as tratativas para trazer Antropofagia, quadro emblemático do modernismo. Em fevereiro do ano passado, quando tudo parecia bem encaminhado, houve uma mudança no comando da Fundação Nemirovsky, de São Paulo, detentora da obra. Pronto, pensaram eles, a tela não viria mais. Para surpresa de todos, no entanto, a nova direção manteve o acordo anterior e cedeu o trabalho. Às vezes, não há dinheiro, lábia nem sorte que deem jeito. Era também desejo dos organizadores exibir A Negra, outra pintura significativa da carreira de Tarsila, pertencente ao acervo do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. Porém, como ela está numa mostra sobre o modernismo na própria instituição, não foi possível trazê-la para o CCBB. ?Só nos restou lamentar?, conta, resignada, Edith Azevedo, da produtora Cult Arte e Cultura.

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Superada a primeira etapa, os obstáculos seguem aparecendo pelo caminho (veja o quadro na pág. 21). Uma série obrigatória de laudos – sob responsabilidade dos produtores – determina se o trabalho está em condições de ser exibido, se o espaço tem estrutura para recebê-lo, se o transporte será feito de maneira adequada e se as condições de segurança garantem sua integridade. Ainda que raras, há situações em que até uma peça de grande relevância pode apresentar um problema. Certa vez, ao recolher o material para um evento, a produtora Luiza Mello se viu numa saia justa. A tela de um conceituado artista estava com um pequeno rasgo no canto. Avisado do fato, ele constatou pessoalmente o problema, mas liberou sua exibição assim mesmo. ?Foi um stress?, diz ela. Mesmo que a obra esteja em perfeitas condições para ser colocada na parede, o desafio pode ser transportá-la até lá. Para trazer o famoso Grand Nu Allongé à exposição de Modigliani em cartaz no MNBA, o produtor Paulo Solano enfrentou uma sucessão de exigências. Para atender ao colecionador, o quadro veio separado dos demais, acondicionado numa caixa especial climatizada. A preocupação com temperatura e umidade é uma dor de cabeça constante para a turma. Quando esteve à frente da Casa França-Brasil, Cláudia Zarvos superou uma dificuldade extra para exibir as criações do casal Árpád Szenes e Vieira da Silva. Teve de mandar fazer um túnel refrigerado por onde as obras encaixotadas passaram até ser colocadas numa vitrine igualmente ultraprotegida.

Paciência para lidar com o artista (ou seu representante), persistência nas negociações arrastadas e faro aguçado para correr atrás de trabalhos em qualquer lugar do mundo são características necessárias para dar certo nessa atividade. Há casos, entretanto, em que ser apenas um caçador de obras-primas não é o bastante – é preciso ajudar a fazê-las, dando suporte para converter em realidade o que o autor imaginou. Em que pese a ideia disseminada de que a criação artística é um ato solitário, essa associação entre artistas contemporâneos e o produtor é cada vez mais comum, principalmente no que diz respeito a instalações de grande porte. Produtor de um espaço no CCBB que privilegia talentos atuais, o carioca Mauro Saraiva sabe bem o que é isso. Na exposição que atualmente pode ser vista lá, o paraibano José Rufino montou uma peça com sete barcos de verdade. Sobrou para Saraiva transportar toda a esquadra, içada através da janela do 2º andar do centro cultural, com todo o cuidado para não danificar o prédio, que é tombado. Nada que se compare, no entanto, ao desafio de viabilizar uma criação de Nuno Ramos no CCBB de Brasília em que havia três urubus vivos. Ela seria remontada com estardalhaço na Bienal de São Paulo de 2010. ?Descobri em Sergipe o único lugar que aluga essas aves no Brasil?, revela Saraiva, que ainda teve de se entender com o Ibama para levar os bichos. Para quem essa trabalheira passava despercebida, fica o lembrete: por trás de uma bela exposição há sempre um bom (e estressado) produtor.

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