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Polêmica no paraíso

A construção de um complexo portuário em área bem preservada do litoral fluminense opõe frequentadores e autoridades de Maricá

Por Caio Barretto Briso
Atualizado em 2 jun 2017, 13h20 - Publicado em 16 out 2013, 17h39

Uma área paradisíaca praticamente intocada de Maricá, a 60 quilômetros do Rio, está no centro de uma polêmica que envolve moradores, políticos, ambientalistas, surfistas e uma empreendedora. O pivô da discórdia é a construção de um gigantesco complexo portuário na Praia de Jaconé, que deve ter início no começo de 2014, com inauguração prevista para trinta meses depois. Batizado de Terminal Ponta Negra, ele será uma das maiores realizações do gênero no país. Ocupará quase 2 quilômetros da orla, em um terreno de 5,6 milhões de metros quadrados ? para efeito de comparação, maior que a extensão do Porto Maravilha. Além do apelo ambiental, por ser uma faixa litorânea bem preservada do atulhado litoral fluminense, trata-se de uma região de relevância histórica. Em sua expedição científica a bordo do Beagle, que seria fundamental para o desenvolvimento da teoria evolucionista, o naturalista inglês Charles Darwin visitou o lugar em 1832. Ele se encantou com a exuberância da Mata Atlântica e fez anotações sobre as formações rochosas ali existentes, conhecidas como beachrocks, destacando em seu diário “as montanhas maciças, nuas e escarpadas de granito”.

O polêmico empreendimento é igualmente monumental. Com um custo estimado em 5 bilhões de reais, ele tem relação direta com a descoberta de petróleo na camada pré-sal a 200 quilômetros da costa de Maricá. A escolha daquele ponto em Jaconé obedeceu também a outros fatores. Pesou a seu favor a localização do terreno, onde seu antigo proprietário, o empresário Roberto Marinho, mantinha um campo de golfe. Em lugar privilegiado, fica perto da capital do estado e a apenas 30 quilômetros do Comperj, complexo petroquímico da Petrobras que é erguido no município de Itaboraí. Outro aspecto positivo foi a profundidade do mar naquele canto: tem calado de 30 metros, o bastante para atracar grandes petroleiros. Dessa forma, quatro píeres foram planejados para receber navios de mais de 300 metros. O projeto está agora na etapa derradeira dos trâmites burocráticos. Falta a Câmara dos Vereadores aprovar a alteração do uso do solo de residencial para industrial e liberar 187 hectares protegidos por lei.

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A julgar pela celeridade que tem marcado o processo de licenciamento, segundo alguns críticos, os últimos passos não devem ser problema. “Causa indignação ver que os órgãos fiscalizadores estão atuando como facilitadores”, protesta a engenheira sanitarista e moradora da cidade Ana Paula Carvalho, destacando em sua reclamação tanto a Câmara local quanto o Instituto Estadual de Ambiente (Inea).

O receio de uma parcela de moradores, da qual ela faz parte, é que um complexo de tal dimensão desfigure completamente uma área ainda bem conservada da orla. “Pego onda ali desde os anos 80. Os surfistas de Niterói, Saquarema e até do Rio amam aquele lugar. Tinham de fazer um porto bem no meio daquele paraíso?”, questiona o surfista Guilherme Herdy, que já competiu na elite mundial da modalidade. Por sua vez, a empresa responsável pelo empreendimento é taxativa quanto a seus efeitos. “Não enxergamos nenhuma alteração significativa”, diz Mauro Scazufca, coordenador do estudo de impacto ambiental, revelando que no máximo 20% das rochas que fascinaram Darwin devem ser afetadas pela obra.

Se as autoridades enxergam no porto a fagulha que faltava para detonar a revitalização de um município que ficou um longo período sem perspectiva, os opositores do projeto temem que Maricá não esteja pronta para receber um empreendimento desse porte. Aliado à descoberta do pré-sal e à instalação do vizinho Comperj, o anúncio da construção do complexo contribuiu para que a população saltasse de 90?000 para cerca de 140?000 habitantes. O receio é que se repita por lá o processo de degradação urbana ocorrido em Macaé, que vem sofrendo com a favelização e o crescimento desordenado desde que se tornou uma das capitais brasileiras do petróleo em alto-mar. Tal qual aconteceu com a cidade do norte-fluminense, Maricá assiste à chegada de grandes redes de lanchonetes e lojas de departamentos. “A oferta de emprego é crescente. Muita gente já não precisa ficar indo ao Rio e voltando todos os dias para trabalhar”, destaca Alessandro Terra, secretário municipal de Meio Ambiente. Atenta a uma boa possibilidade de negócio, a advogada Regina Carandina fez o caminho contrário: mudou-se recentemente de Copacabana para o Farol de Ponta Negra, um pedaço valorizado de Maricá. Ela investiu na reforma da pousada da família, onde espera acolher, num primeiro momento, engenheiros e outros trabalhadores envolvidos na construção do porto. “Maricá é o fim do mundo. Sou totalmente a favor do projeto, pois só assim a cidade poderá se desenvolver”, diz ela. Entre o passado decadente e o futuro que periga sair do controle, Maricá busca o equilíbrio.

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