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Batalha no céu

Turistas, executivos e endinheirados já descobriram as delícias de cruzar o Rio por helicóptero. O problema é que nem sempre os donos e os pilotos dessas máquinas barulhentas respeitam as regras de voo ou as pessoas que vivem sob sua rota

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h35 - Publicado em 18 abr 2012, 17h21

Há duas maneiras de um visitante se deslumbrar com as belezas do Rio. A primeira é gastar algumas horas em um tour que envolve as subidas ao Corcovado e ao Pão de Açucar, uma volta pelas praias de Copacabana e Ipanema, fechando com um passeio pela orla da Lagoa Rodrigo de Freitas. A segunda é fazer o mesmo percurso de helicóptero, uma opção marcada pela velocidade e pela emoção de ver o que a cidade tem de melhor, por ângulos estonteantes. Há duas semanas, a maranhense Ana Priscila Andrade, de 31 anos, embarcou, acompanhada de duas amigas, em um passeio desses. Depois de decolar do Heliporto da Lagoa, o trio sobrevoou praticamente toda a Zona Sul. O ponto alto foi quando a aeronave deu uma volta e meia ao redor do Cristo Redentor. ?Foi inesquecível?, diz Ana Priscila, que pagou 275 reais pela excursão aérea, com duração de nove minutos. Uma peculiaridade, no entanto, chamou a atenção da visitante: a grande quantidade de máquinas voadoras fazendo esse mesmo tipo de trajeto. De fato, o céu carioca anda bem agitado. Em um recente sábado ensolarado, o administrador de empresas Jeffrey Brantly, dono de uma bela residência no Jardim Botânico, contou 122 voos em torno da estátua. ?Estimando-se que cada um deles fique em média dois minutos em volta do monumento, isso equivaleria a quatro horas ininterruptas de ruído de hélices bem em cima da minha casa?, calcula. Aos 61 anos, Brantly perdeu a paciência com a barulheira e decidiu pôr sua propriedade à venda.

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A aferição empírica feita pelo administrador de empresas que vive aos pés do Corcovado pode não ser lá muito científica, mas reflete de forma inequívoca o vigor de um ramo de atividade em plena expansão. Apesar de não divulgarem dados a respeito dos voos que realizam, as concessionárias das rotas turísticas Helisight e Helisul Táxi Aéreo, que pertencem ao mesmo grupo, estimam que a procura pelo serviço tenha aumentado 30% nos últimos anos e que deve crescer no mínimo 10% a cada doze meses até 2016, quando a cidade sediará os Jogos Olímpicos. Em dias de tempo bom, a espera para embarcar nas aeronaves que partem da Lagoa e de outros dois helipontos – no Morro da Urca e no Mirante Dona Marta – chega a quatro horas. Em datas de grande fluxo de visitantes, como réveillon e Carnaval, os helicópteros praticamente só tocam o chão para embarque e desembarque dos turistas. Dos nove roteiros oferecidos, oito incluem a volta ao Cristo. ?Nove em cada dez pessoas que nos procuram querem ver o Redentor de cima. É a nossa grande atração?, afirma Luís Carlos Munhoz da Rocha, sócio-gerente das empresas.

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A questão é que tal preferência tem provocado a fúria de quem vive ao redor do monumento. Dependendo da altitude do voo, um helicóptero pode gerar um ruído de 98 decibéis, volume muito acima dos 55 atualmente permitidos e superior até mesmo aos 86 que o ouvido humano suporta sem comprometimento da audição. Há pouco mais de um mês, moradores do entorno do Corcovado fizeram uma grande manifestação em frente ao Heliporto da Lagoa e prometem repetir o protesto em 6 de maio. Eles reivindicam seu fechamento e a proibição de voos turísticos sobre áreas residenciais. Em um abaixo-assinado com 1?800 adesões, o grupo pede ainda a fiscalização mais rígida das rotas existentes. O documento será enviado em breve ao Ministério Público Estadual. ?O céu da cidade virou uma bagunça?, lamenta a professora de ioga Deborah Weinberg, moradora do Humaitá e líder do movimento Rio Livre de Helicópteros.

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[—FI—]

A polêmica travada em torno do turismo aéreo é a face mais visível de um fenômeno de proporções bem maiores. Até recentemente, as aeronaves eram vistas como brinquedinhos de luxo, destinados ao lazer de endinheirados e famosos. O empresário Ricardo Rique, por exemplo, comprou seu MD 600, de 3 milhões de reais, para se deslocar com maior rapidez pelo circuito de festas em Angra dos Reis e Búzios. ?Às vezes vou com ele a Parati só para almoçar. É uma enorme sensação de liberdade?, gaba-se. Mas o perfil e as razões de quem usa o transporte estão mudando. Impulsionada pelo crescimento da cidade, cuja economia se expande a quase 10% ao ano, a frota mais que dobrou na última década, passando de 166 unidades registradas em 2001 para 375 no ano passado. Mais riqueza significa mais turistas, negócios, automóveis nas ruas, obras, gente querendo evitar o caos no trânsito – e aeronaves nos céus. Dono da Amil e um dos homens mais ricos do país, o empresário Edson de Godoy Bueno se vale de um Agusta italiano para se deslocar da Barra, onde mora, ao Centro, a Niterói e à Baixada Fluminense. E pelo menos uma vez por semana ainda vai a São Paulo para cumprir sua intensa agenda de trabalho. ?Em sessenta minutos estou na região paulistana da Avenida Faria Lima. De carro, demoro isso só para chegar ao aeroporto?, compara.

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Transformado em quartel-general das empresas que se dedicam à exploração do petróleo, o Rio tornou-se rota obrigatória entre o continente e as áreas de perfuração. Daqui partem os aparelhos que levam técnicos e operários às plataformas instaladas nos poços do pré-sal, a nova fronteira petrolífera brasileira. Em alguns horários, o Aeroporto de Jacarepaguá, que concentra a maioria dessas viagens, apresenta filas na pista. Diariamente, aterrissam ou decolam dali oitenta dessas aeronaves. Não raro, os pilotos são obrigados a esperar até meia hora para subir com suas máquinas imensas, capazes de cruzar longas distâncias mar adentro, com até 24 pessoas a bordo. ?O movimento é sempre intenso. Às vezes há sete helicópteros em solo aguardando para decolar?, diz o técnico de segurança Angélico Folle Neto, de 34 anos, funcionário de uma empresa ligada à Petrobras, que passa catorze dias por mês embarcado. E a tendência é esse vaivém explodir. As companhias especializadas em conectar o Rio ao alto-mar seguem à risca ambiciosos planos de expansão para fazer frente à demanda. A Omni Táxi Aéreo, por exemplo, opera oito equipamentos de grande porte em Jacarepaguá e investirá 100 milhões de dólares neste ano na compra de mais seis. O problema é que, quanto mais o movimento aéreo cresce, mais aumentam os protestos de quem mora nos arredores. Em uma reunião recente, a Câmara Comunitária da Barra pediu à Aeronáutica que esse tráfego aéreo seja transferido para a Base Militar de Santa Cruz.

Centros urbanos onde o uso de helicópteros é disseminado, como Tóquio e Nova York, adotam rígidas regras de controle de tráfego. Na maior metrópole americana, por exemplo, as aeronaves – inclusive as turísticas – só podem se deslocar sobre os rios Hudson e East, que cercam a Ilha de Manhattan pelo lado oeste e leste, respectivamente. Em Paris, não são permitidos passeios panorâmicos, e os aparelhos de serviço ou com executivos são obrigados a utilizar os corredores aéreos em torno da capital francesa, a uma altitude fixa de 350 metros. Em Londres também não acontecem sobrevoos. Há algumas rotas especiais em direção aos aeroportos de Heathrow e Gatwick, mas os pilotos têm de seguir sobre o Rio Tâmisa quando cruzam a cidade.

No Rio, também há regras. O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), ligado ao Ministério da Defesa, acaba de revisar o padrão de altitude para áreas habitadas, que passou de 500 pés (166 metros) para 1?000 pés (333 metros). As rotas devem seguir prioritariamente sobre avenidas e espaços abertos (como a Ayrton Senna, na Zona Oeste, e o Jardim de Alah, na Zona Sul) e acima do mar, acompanhando a linha costeira. O problema é que nem sempre tais determinações são respeitadas. ?Em vez de voarem sobre o mar, o que seria normal, muitos helicópteros passam por cima dos prédios desde o início da Barra para encurtar caminho. A barulheira começa a partir das 6 da manhã?, afirma o designer Cláudio Leal, de 41 anos, morador do Jardim Oceânico. É fato que o uso desses aparelhos começa a se incorporar definitivamente à rotina carioca – e não há como escapar dessa nova realidade. Entretanto, o respeito às regras por parte de quem pilota e usa tal transporte cairia muito bem em uma cidade que caminha rapidamente para se tornar uma metrópole desenvolvida.

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