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Profissão perigo

O acidente sofrido pelos atores Thiago Fragoso e Danielle Winits em Xanadu revela fragilidades na infraestrutura de algumas superproduções cariocas

Por Carlos Henrique Braz
Atualizado em 5 jun 2017, 14h40 - Publicado em 3 fev 2012, 11h20

A primeira sessão do musical Xanadu, na noite de sábado (28), chegava a seu ponto alto, no Teatro Oi Casa Grande, no Leblon, com 95% dos seus 926 lugares ocupados por espectadores que pagaram entre 60 e 150 reais pelo ingresso. Na cena, Thiago Fragoso, no papel de Sonny Malone, preparava-se para alçar voo com Danielle Winits, a mocinha Kira, às costas. Ao mesmo tempo, duas irmãs de Kira amaldiçoavam sua paixão pelo rapaz. Até esse momento da história, que se passa entre um grupo de patinadores, Sonny tinha se mostrado um desastre sobre rodas, mal conseguindo se equilibrar com os patins. De repente, uma surpresa. A praga das invejosas parecia ter funcionado, não para o personagem, mas para os atores: poucos segundos depois de deixarem o palco, flutuando sobre a plateia, ouviu-se um estalo seco seguido por dois palavrões cabeludíssimos disparados por Thiago. A dupla despencou de uma altura de 5 metros sobre quatro cadeiras vazias do lado par da fila F.

Surpreendidos com a queda abrupta, alguns assistentes chegaram a imaginar, por instantes, que poderia ser mais uma trapalhada do personagem Sonny. A impressão se dissipou rapidamente, assim que as atrizes que se encontravam no palco começaram a gritar por socorro, as luzes foram acesas e a equipe de segurança correu para lá. Minutos depois, com a área isolada, o ator Sidney Magal, que interpreta o empresário Danny McGuire, anunciou que a sessão estava encerrada. Com um corte na boca, Danielle foi levada para a Clínica São Vicente, na Gávea, e Thiago, com cinco costelas quebradas, para o Hospital Miguel Couto, o mesmo local onde foram atendidas três mulheres que estavam na fila E e acabaram feridas com o tombo do casal. Até quinta-feira, uma senhora de 73 anos, com fratura em uma vértebra cervical, permanecia em observação no Hospital Norte D?Or, em Cascadura, enquanto Thiago se recuperava de uma complexa cirurgia no tórax realizada na quarta-feira (1º) na Casa de Saúde São José, no Humaitá.

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Imediatamente após o acidente, peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) recolheram o equipamento utilizado no efeito especial de levitação, constituído de dois motores e oito cabos de sustentação, feitos de uma fibra sintética na Inglaterra, que, segundo o fabricante, é cinco vezes mais resistente que o aço dos cabos convencionais (veja o quadro). Do conjunto de cordas, quatro estavam rompidas no mesmo ponto. Tal constatação levou a especulações sobre uma eventual sabotagem, possibilidade considerada remota pela polícia. “Essa não é nossa principal linha de investigação. Estamos atentos a três hipóteses: mau estado de conservação do equipamento, falha na instalação ou erro na operação do aparelho”, diz o delegado responsável pelas investigações, Thales Nogueira Braga.

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Antes de Xanadu estrear, em 13 de janeiro, o mesmo sistema, pertencente à produtora Set Cavalheiro FX, havia sido utilizado entre 14 de agosto e 11 de dezembro no musical As Bruxas de Eastwick, em São Paulo, sem nenhum tipo de problema. No entanto, ao contrário do que aconteceu na capital paulista, por aqui a instalação não passou por vistoria do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea). Também não havia na produção carioca um engenheiro que se responsabilizasse pelo artefato, uma exigência legal seguida à risca pelo espetáculo paulistano. Além disso, os cabos costumavam ser montados e desmontados nos fins de semana à tarde, para que o mesmo palco pudesse receber a peça infantil A Borralheira: uma Opereta Brasileira. Pelas especificações técnicas, cada corda suporta até 500 quilos, o que dá um total de 4 toneladas para todo o equipamento. Com Thiago pesando 81 quilos e Danielle 60, apenas uma fração dessa capacidade era utilizada. “É muito estranho os quatro cabos se romperem no mesmo ponto. Uma possibilidade é terem sido danificados quando estavam nos bastidores e o problema não ter sido percebido. Talvez alguém tenha passado com algo pesado por cima deles, pois muita gente movimenta equipamentos por ali”, especula Heitor Cavalheiro, dono da Set Cavalheiro FX.

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Cada vez mais recheadas de efeitos especiais, as superproduções, principalmente de musicais, se valem de uma parafernália que exige uma preparação toda especial dos atores. O musical Spider-Man, Turn off the Dark, sobre o Homem-Aranha, deixou na Broadway, em Nova York, um rastro de quedas com dublês que atuavam em arriscados voos pelo interior do teatro (todos provocados por erros dos profissionais, diga-se, e não por falha nos equipamentos). Chama atenção no caso de Xanadu o fato de o tombo ter acontecido em um truque relativamente simples – em Um Violinista no Telhado, encenado no ano passado, três personagens voavam no mesmo Oi Casa Grande. Feridos, Thiago e Danielle passaram a engrossar a lista de acidentes de trabalho nos teatros do Rio. Em 2010, Betty Faria torceu o joelho e caiu, depois de tropeçar em um trecho mal iluminado do palco quando se preparava para a peça Shirley Valentine, o que levou ao adiamento da estreia. Em maio, a atriz Sabrina Korgut despencou no fosso do Teatro João Caetano durante o ensaio geral de Baby, um Musical, fraturou o braço e precisou pôr três pinos no cotovelo. Além de vítimas, o baque na casa de espetáculos do Leblon provocou o cancelamento de sete apresentações de Xanadu. A temporada deve ser retomada na quinta (9), sem Thiago, que não tem previsão de volta. Ele será substituído por Danilo Timm. A fatídica cena de voo também não será mais vista – pelo menos até a polícia descobrir as causas do acidente.

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