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Do Rio para o mundo

O maior festival de música do país se transforma em uma poderosa marca com mais de 600 produtos licenciados e fãs por todo o planeta

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 13h50 - Publicado em 11 set 2013, 19h04

Quem depara com a imensa estrutura montada para a realização da 13ª edição do Rock in Rio, no Parque dos Atletas, nem sequer imagina as circunstâncias em que o maior festival de música do Brasil foi criado. A ideia de fazer um evento grandioso com bandas de primeiríssima linha surgiu em torno de uma mesa de jantar com tampo de vidro em um condomínio na Barra da Tijuca, numa madrugada de 1984. Acometido por uma insônia daquelas, o empresário Roberto Medina estava incomodado com os rumos da economia brasileira e a violência que assolava o Rio, pesando os prós e os contras de se mudar com a família para os Estados Unidos. O plano original era abrir uma agência de publicidade em Los Angeles, mas Medina ainda não estava convencido. Apesar do cenário ruim, havia uma perspectiva de novos tempos no país, com o fim do regime militar. Foi em meio a esse dilema que teve a ideia: lançar um projeto que ajudaria a melhorar tanto a imagem da cidade onde nasceu como a do Brasil, focado em música, com uma linguagem global e potencial para juntar 1 milhão de pessoas. Assim que começou a alinhavar o esboço, teve um lampejo do nome. Começaria com rock, que remete a irreverência e desejo de mudança. Terminaria com Rio, o lugar que tanto amava e estava em franca decadência. A junção seria feita em inglês, a língua planetária, e garantiria a aproximação com o universalmente conhecido rock?n?roll. Às 9 da manhã seguinte, munido dos papéis rabiscados na sala de sua casa, apresentou euforicamente a proposta para a equipe de criação da Artplan, sua agência de publicidade. “Acharam que eu tinha ficado louco. Mas estava convencido de que o negócio tinha chances excepcionais”, lembra.

De maluquice, a fórmula rascunhada na mesa de vidro e depois aperfeiçoada por ele não tinha nada. Tanto que na próxima sexta, 13, será aberta a quinta edição brasileira, que se junta a outras oito realizadas em Portugal e na Espanha. Daqui a alguns dias, fãs espalhados por 12?000 cidades de 200 países deverão conferir os 140 shows que serão transmitidos pela internet, em um canal do site YouTube. Com isso, o logotipo do festival, cujo nome vem escrito em letras vermelhas estilizadas sobre um globo azul, consolida-se como a marca carioca mais conhecida do mundo. Seu poder de impacto é, sem dúvida, enorme. Em uma pesquisa realizada em Portugal em 2010, o evento foi mais lembrado que a Copa do Mundo, que ocorreu naquele ano na África do Sul. Em outro levantamento de opinião, dessa vez na Espanha, que se propunha a listar os acontecimentos mais importantes daquele país nos últimos quinze anos, o Rock in Rio surgiu na frente do Grande Prêmio local de Fórmula 1, esporte adorado pelos espanhóis e que tem Fernando Alonso como um dos maiores pilotos da atualidade. “Nossa meta é nos tornarmos a maior marca ligada à música no mundo”, planeja Medina.

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Tratar o Rock in Rio apenas como um espetáculo musical não dá ao evento a dimensão que ele tem. O nome virou sinônimo de um conceito muito mais amplo. No espaço de 150?000 metros quadrados, os participantes encontrarão uma megaestrutura com cinco palcos e uma espécie de parque de diversões, com roda-gigante, montanha-russa e uma tirolesa que atravessa a plateia. Estão programados vinte shows por dia, num total de treze horas contínuas de atração. Em sete dias, mais de 160 artistas passarão pela chamada Cidade do Rock, para deleite dos 595?000 fãs que garantiram seus ingressos para essa edição. Mas o contato com esse mundo de entretenimento vai muito além dos limites da área do festival, que exigiu investimentos de 135 milhões de reais para ser realizado. A organização contabiliza 600 produtos licenciados, entre mochilas, camisetas, fones de ouvido, óculos, biquínis, relógios, pen drives e esmaltes. A lista é tão extensa que vai de chicletes a automóveis, como a série especial do Volkswagen Fox ? de 12?000 unidades ?, com o valor de 44?000 reais cada carro. Apenas em 2011, quando foram lançados 350 produtos, o impacto das vendas de artigos associados ao festival foi de 3,1 bilhões de reais. “O Rock in Rio faz um ótimo trabalho, o que lhe garante uma enorme visibilidade o tempo todo. Autêntico e inovador, tem relevância no ambiente físico e digital”, diz Daniella Bianchi, diretora da Interbrand, uma das maiores consultorias de avaliação de marcas do mundo.

O apelo em torno do festival foi construído de maneira singular. Até hoje estão na cabeça das pessoas ? e nos vídeos do YouTube ? cenas emblemáticas da primeira edição, quando 250?000 pessoas entoaram Love of My Life, regidas por Freddie Mercury (1946-1991), vocalista do Queen. Esse impulso do povaréu para participar não é obra do acaso. Naquele verão, o público que dançou na lama de um vasto terreno na Barra da Tijuca foi tratado como protagonista da festa. Em uma novidade radical para a época, Medina determinou que os holofotes iluminassem a plateia, além do palco ? algo hoje corriqueiro em mega-shows. As inovações não ocorreram só diante dos espectadores. Para pôr de pé seu projeto, o empresário inaugurou um novo modelo de negócio no showbiz. Com o dólar valorizado e o poder aquisitivo em baixa, a venda de ingressos não fecharia jamais as contas. A cabeça de publicitário engendrou uma solução. Medina convenceu a direção da Brahma a bancar boa parte do evento em troca de uma grandiosa campanha de lançamento de uma nova cerveja voltada ao público jovem. A Coca-Cola, em guerra com a Pepsi, e o provedor de internet America Online (AOL), interessado em se popularizar no país, apoiaram as duas edições seguintes. Foi uma estratégia na contramão de eventos semelhantes, como o festival americano Coachella ou os concertos produzidos pela Live Nation, a maior companhia de entretenimento do mundo, em que as receitas são basicamente de bilheteria. Hoje, 55% do faturamento do Rock in Rio vem de empresas que buscam ter o nome associado à marca ? no Live Nation esse índice não ultrapassa 4%. “É inegável que o festival carrega uma série de atributos que geram, além de exposição, engajamento com o público jovem e apoio à cultura”, observa Fernando Chacon, diretor de marketing do banco Itaú, o patrocinador principal das edições 2011 e 2013.

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Na sua essência, o Rock in Rio segue fiel ao modelo idealizado há 28 anos. Isso não significa que a sequência de shows não tenha se modificado e se adaptado aos novos tempos. Nos anos 2000, montou-se o modelo internacional do festival. Cinco edições aconteceram em Portugal (a cada dois anos, de 2004 a 2012) e três na Espanha, entre 2008 e 2012. Na Europa foram desenvolvidas as inovações que marcaram a volta para casa, em 2011. Um traço manteve-se intocado e hoje é um dos grandes trunfos da marca: o nome Rio. A relutância em alterar a denominação se deve muito mais a uma birra pessoal de Medina, que permaneceu irredutível no uso de sua logomarca mesmo diante das pressões de autoridades estrangeiras pela mudança. Para ele, carregar o nome da cidade em sua bandeira induz automaticamente a uma associação com a ideia de alegria, ousadia e irreverência. Mesmo que num primeiro momento pareça canhestra, a solução de incorporar o nome do município-sede ao existente funcionou. Tanto que aos já consagrados Rock in Rio Lisboa e Rock in Rio Madrid podem se juntar em breve versões que carregam no sobrenome as grafias Lima, Berlim, Istambul, Buenos Aires e Las Vegas, onde se negocia uma edição já para 2015. “Entrar nos Estados Unidos é um passo estratégico na nossa expansão”, ressalta Roberta Medina, filha do idealizador e vice-presidente da marca.

Dois fenômenos interessantes se repetem a cada edição do Rock in Rio. Mesmo antes de as atrações serem anunciadas, uma horda de fãs compra ingressos às escuras. Foi assim em outubro passado, quando 80?000 passaportes evaporaram no site de venda na internet em 52 minutos. O restante dos 595?000 bilhetes esgotou-se, em abril, em quatro horas. O mais impressionante: 2 milhões de pessoas estavam on-line e ficaram sem tíquetes. Esse frenesi contrasta com os recentes encalhes de ingressos para shows de megaestrelas como Madonna e Lady Gaga. O valor cobrado para a Cidade do Rock (260 reais), de certo modo, é razoável e inclui um leque variado de atrações. Só para comparar, a americana Alicia Keys, que se apresenta na Cidade do Rock no dia 15, fará um show em São Paulo com entrada a partir de 300 reais. Outro dado relevante: a atual edição terá um público menor que o da anterior como forma de evitar os problemas de 2011, quando houve acúmulo de lixo, filas gigantescas nas lanchonetes e furtos nos acessos. O próprio Medina determinou a redução de 100?000 para 85?000 pessoas por dia, deixando boa parte de seus executivos contrariados com a decisão. Tal comportamento é revelador da forma obsessiva com que trata seu filhote predileto. “Ele é capaz de mandar trocar todas as flores dos canteiros só porque não gostou delas ou porque não combinam com as cores do patrocinador”, conta Rodolfo Medina, seu primogênito, responsável pela parte comercial. Daí se entende o porquê de tamanho sucesso.

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