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Carnaval hermano

Escolas cariocas se apresentam na Argentina numa festa com alegorias monumentais e letras adaptadas

Por Carolina Barbosa, de San Luis, Argentina
Atualizado em 5 dez 2016, 13h45 - Publicado em 2 abr 2014, 22h50

Lançado em 1982, o filme Fitzcarraldo aborda a obsessão do protagonista de erguer uma casa de ópera na Amazônia. Foi graças também a um sonho doidivanas ? no caso, de um político local ? que a cidade de San Luis tornou-se a capital argentina do Carnaval, algo tão improvável quanto uma apresentação de bel canto no meio da selva. No fim de semana passado, o pacato município, distante 800 quilômetros de Buenos Aires, realizou sua quinta edição da festa, que, guardadas as proporções, parece uma transposição da Marquês de Sapucaí. Na verdade, trata-se de uma versão compacta do desfile carioca que reúne três agremiações: uma local, batizada de Sierras del Carnaval, e duas brasileiras, cada uma delas com 750 integrantes pinçados de diversas escolas cariocas. Todas com direito a baianas, passistas, ritmistas, musas e casais de mes­tre-sala e porta-bandeira, como manda o figurino. “Nasci no país errado. Meu sonho é sair na Mangueira”, revela Camila Partenza, rainha de bateria da Sierras del Carnaval, que mostrou surpreendente requebrado para uma hermana.

O objetivo é mesmo reproduzir a maior festa brasileira o mais próximo possível do real. Em certos aspectos, a tentativa é be­m­-sucedida. Embora cada concorrente exiba apenas um carro alegórico, eles impressionam tanto pela imponência quanto pelo apuro visual. Não fariam feio no desfile do Rio. Porém, há barreiras intransponíveis nesse intuito de clonar nosso Carnaval. Para começar, o cortejo de San Luis não é competitivo e apresenta nas três noites o mesmo trio de participantes. Em vez de acontecer numa avenida, ele é realizado num trecho com ligeiro declive do Autódromo de Potrero de los Funes, que ganha o reforço de arquibancadas tubulares para a ocasião. Outra diferença básica são as baixas temperaturas. Na madrugada de sábado passado (22), o termômetro marcava 6 graus quando Viviane Araújo despontou na reta, com a habitual parcimônia na fantasia. “Congelei e quase não consegui evoluir”, confessa a musa. Diante do clima glacial, ela acompanhou as demais atrações vestida com uma camisa de manga comprida ? uma cena inédita. Outro caso à parte são os sambas-enredo, cantados em português mas com os versos adaptados para a realidade local. Assim, a canção que embalou o último título da Mangueira, em 2002, cujo enredo homenageava o Nordeste, ganhou o seguinte refrão: “Vou invadir San Luis / Sou muito feliz em Potrero / Com o meu samba rasgado / Deixo o povo encantado / Do jeitinho brasileiro”.

Organizar um espetáculo com essas peculiaridades e dessa dimensão exige uma logística complexa. Inicialmente, uma comissão seleciona uma série de fantasias do desfile da Sapucaí. A partir de então, as escolas cedem parte de suas alas para o séquito de San Luis. Desta vez, por exemplo, as baterias que se apresentaram em Potrero foram a da Mangueira e a da União da Ilha, e as baianas, da Imperatriz e da Mocidade. Todos os 1?500 escolhidos se dividiram em um comboio de quarenta ônibus e encararam 55 horas de estrada entre o Rio e aquela cidade. “É uma farra, ninguém dorme”, conta José Luiz Pereira de Sá, coordenador de bateria da Mangueira. Cada um dos foliões ganha ainda uma ajuda de custo que pode chegar a 1?500 reais. Além dessa grana extra, a viagem propicia boas oportunidades de negócio. Integrante da Caprichosos de Pilares e morador de São Gonçalo, Wellington da Silva aproveitou para vender camisas das escolas cariocas na praça central. Em dois dias esgotou o estoque e faturou 1?400 reais. Alguns foliões chegam a vender uma parte da própria fantasia antes mesmo do desfile, tamanho o assédio ? e o descaramento.

A origem do Carnaval argentino remonta a 2008, quando o governador da província Alberto Rodríguez Saá se encantou com o desfile carioca e os trabalhos sociais desenvolvidos pelas escolas. Decidiu investir pesado na festa e contratou a Gangazumba, produtora do ator Antônio Pitanga, para organizá-la. O que parecia uma ideia tresloucada acabou se mostrando uma ótima jogada promocional para San Luis, que banca toda a festa. No ano passado, o município gastou 8,3 milhões de reais com toda a organização do evento, e a estimativa é que o comércio e a rede hoteleira tenham lucrado 7 milhões de reais. Agora, houve plena ocupação dos 15?000 leitos da cidade. A verba oficial destina-se também a capacitar a mão de obra nativa, e para isso há um intenso intercâmbio com os profissionais brasileiros. Criadora de uma das alegorias que passaram pelo autódromo, a artista plástica argentina Bettina Tarquini é cria do carnavalesco Milton Cunha. Cada vez mais empolgados, nossos vizinhos planejam agora erguer algo nos moldes da Cidade do Samba. “Já nos desenvolvemos muito, mas queremos muito mais”, diz Bettina. O samba pede passagem, para bem longe.

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