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Cultura: empresários apontam soluções para reeguer o setor pós-pandemia

A cultura padece com o fechamento de casas de shows e espetáculos, mas os empresários são categóricos: no Rio, o setor tem grandes chances de se reerguer

Por Bernardo Araujo
Atualizado em 4 abr 2020, 16h11 - Publicado em 3 abr 2020, 12h00

Como todo mundo no meio artístico, Caetano Veloso cancelou compromissos – shows com o clarinetista Ivan Sacerdote, com quem lançou um disco em dupla em janeiro – e se enfiou em casa no isolamento imposto pela pandemia do novo coronavírus. O compositor baiano, de 77 anos, está aproveitando o confinamento para se jogar com tudo no ócio criativo: anda a todo o vapor na composição das músicas de seu próximo disco.

O sambista Moacyr Luz também se agarrou ao violão, mas lhe bateu a ansiedade que atormenta hoje tantos reclusos. “Estou aqui tentando compor e pensando: ‘Para que estou fazendo esta música?”, confessa Luz, que teve seu derradeiro baile da Ilha Fiscal na quinta-feira 12 de março, quando levou ao Circo Voador o Samba do Trabalhador (tradicional roda de samba das segundas-feiras no Clube Renascença, no Andaraí, que reúne multidões há mais de uma década). “Estou quicando dentro de casa não sei se estou ensaiando para um show, um disco. Os meninos todos que tocam comigo vivem daquilo. Quem não guardou um pouquinho de dinheiro vai emagrecer. Vai ficar difícil”, externa sua preocupação.

Moacyr Luz: preocupação com os músicos que o acompanham no Samba do Trabalhador (Marluci Martins/Divulgação)

A aflição de Moacyr Luz ecoa a de toda a classe artística: como a indústria cultural vai sobreviver a uma paralisação por tempo indeterminado, sem shows, peças, exposições, sessões de cinema? “Virei uma freira enclausurada”, diz o ator e diretor de teatro Gustavo Gasparani, sem perder o humor. “Afastei os móveis da sala para abrir espaço para as sessões de tai chi chuan que pratico pela manhã. Hoje fiz de janela aberta, para a alegria dos vizinhos”, brinca.

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Gasparani tinha uma estreia marcada para 19 de março, em São Paulo, do monólogo Cliff Precipício, baseado na vida do ator americano Montgomery Clift, mas, é claro, nem pegou a ponte aérea. Em maio, ele começaria os ensaios do novo espetáculo da Cia. dos Atores, uma adaptação de Júlio César, de Shakespeare. As promessas de boas opções para a cena teatral – e de faturamento – viraram dúvidas. E dívidas. “Estamos tentando negociar o aluguel do espaço da Companhia, na Lapa, onde acontecem os ensaios e espetáculos, mais o do galpão onde guardamos cenários, mas nem todo mundo está receptivo”, conta Gasparani.

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Apesar de a realidade pós-coronavírus ter feito vicejar uma nova (e bem-vinda) onda de shows na internet, a situação da cultura é especialmente sensível porque já o era antes da pandemia. No primeiro fim de semana da Covid-19 no Rio, contavam-se 96 espetáculos teatrais em cartaz em 53 salas na cidade – a maioria deles sem nenhum patrocínio. Em geral, cerca de 80% dos gastos são cobertos pela arrecadação na bilheteria e, agora, com as cortinas fechadas, essa receita crava zero.

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De acordo com Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio, será necessário acionar o governo para conseguir soluções para atenuar os estragos da paralisia, como a publicação de editais que permitam ao pessoal dos palcos trabalhar de casa com remuneração, já botando adiante projetos que vão florescer na cena pós-vírus. “A gente tem de preparar o estado para quando a primavera vier, porque o setor cultural é o que reúne condições de responder mais rápido. Teremos uns sessenta ou noventa dias de paralisação, e precisamos estar prontos para quando pudermos voltar à rua”, diz Roberto Medina, criador do Rock in Rio.

Roberto Medina: ‘O setor cultural tem a chance de responder rápido à crise’ (Divulgação/Divulgação)

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Um primeiro passo foi dado nesse sentido. No último dia 23, o decreto do governador Wilson Witzel proibiu cortes de luz, água e gás em caso de falta de pagamento, o que se estende a teatros, museus e casas de shows. Para Medina, é possível ir além. Ele faz contas. “A prefeitura deve 2 bilhões de reais ao BNDES. Digamos que o banco carimbe 10% desse dinheiro, ou seja, destine 200 milhões para a cultura. Desses 200 milhões, que já não são pouco, a gente consegue gerar 1 bilhão com um plano de investimento na cultura”, estima Medina, lembrando que o Rio já tem Carnaval, réveillon, Rock in Rio. É só saber organizar e planejar, enfatiza.

O empresário finca seu otimismo no poder de reação demonstrado pelo setor cultural no passado e no ressurgimento da economia brasileira depois de outras crises agudas. “Eu me lembro do confisco do governo Collor, em 1990. Eles tomaram o dinheiro de todo mundo, mas em seis meses o país estava navegando novamente”, recorda.

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De acordo com dados do Atlas Econômico da Cultura Brasileira, publicado pelo Ministério da Cultura, o setor é responsável por quase 3% do PIB e emprega cerca de 5 milhões de pessoas, o que representa 5,7% dos postos de trabalho ocupados do país. Naturalmente, esses números sofrerão um forte baque, mas a crise também é vista como janela de oportunidade para adaptações cujos efeitos se farão duradouros quando tudo passar.

No Museu de Arte Moderna, que havia recém-inaugurado uma exposição em celebração aos 35 anos da trajetória dos Irmãos Campana, processos e estratégias estão sendo revistos com a ajuda da tecnologia, que se tornou ferramenta vital para seguir em frente. “Estamos criando uma plataforma para que todos possamos trabalhar de casa. Temos de atuar mais firme ainda agora e ser criativos nas captações”, reforça o diretor Fabio Szwarcwald. “Estamos vivendo quase uma catarse coletiva”, completa. E garante: não vão parar.

Fabio Swarczwald: funcionários do MAM estão trabalhando de casa (MAM Rio/Divulgação)

Com a reviravolta provocada pelo vírus, muitos artistas se veem forçados a garimpar alternativas de trabalho on-line – este, aliás, um nicho ainda fraco por aqui. A resposta mais imediata da classe, a exemplo do que aconteceu em outros países atingidos pela pandemia, veio mesmo através das redes sociais, tomadas por shows ao vivo e peças de teatro. Essas iniciativas podem vir a deixar uma cultura (com o perdão do trocadilho) diferente, de uso mais intenso e comercial o mundo virtual.

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“O show business vai passar por uma reformulação, e acredito que a tendência é menos gente sair para ver espetáculos ao vivo, como aconteceu com o cinema depois das plataformas de streaming”, vê lá na frente o empresário e produtor Steve Altit, que precisou desmarcar a turnê do grupo progressivo Renaissance pelo Brasil e do musical Tina, da Broadway. “Estou falando com empresários estrangeiros, um deles teve 140 shows cancelados na Europa. Não vou chorar pelos meus cinco, não vou contabilizar prejuízo, agora temos de administrar a realidade e aprender com ela.” O estrago foi geral, mas, como diz aquele samba: “Nós iremos achar o tom / Um acorde com lindo som / E fazer com que fique bom / Outra vez o nosso cantar”.

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