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A realeza das pistas

Cinco equipes sediadas em Petrópolis fazem bonito no campeonato de Stock Car, a modalidade mais importante do automobilismo nacional

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 13h52 - Publicado em 21 ago 2013, 18h02

Nas arquibancadas, uma plateia inquieta de cerca de 45?000 pessoas aguardava o início da prova. Os ingressos se esgotaram assim que as vendas foram abertas, dez dias antes. Enquanto a largada não era dada, jovens vestidas com macacão justo carregavam guarda-sóis em meio aos carros estacionados na pista, junto de fãs em busca de autógrafos e dezenas de engenheiros e mecânicos que faziam ajustes de última hora. Todo esse povaréu sumiu como por milagre ao primeiro ronco de motor, um rugido de 140 decibéis, barulho equivalente ao de uma metralhadora. Trinta bólidos largaram, movidos por propulsores de 520 cavalos, três vezes mais potentes que um carro 2.0. Com tamanha força, cada um chegava a alcançar esticadas de até 300 quilômetros por hora, uma enormidade para as ruas acanhadas do Distrito Industrial de Ribeirão Preto, cidade do interior paulista onde foi disputada a sétima etapa da temporada 2013 da Stock Car, no domingo passado (11). Como é comum em circuitos urbanos, a prova foi um festival de batidas e nove competidores não cruzaram a linha de chegada por inutilizar seu veículo. Terminada a disputa, o boxe da equipe RBR Mattheis (também conhecida como Red Bull Racing) era só comemoração. Seu piloto principal, o carioca Cacá Bueno, acabou a prova na quarta colocação, uma à frente do ex-piloto de Fórmula 1 Rubens Barrichello. Com seus pontos, Bueno chegou à liderança do campeonato e consolidou a posição do time, baseado na cidade de Petrópolis, no topo do ranking.

Aos desavisados pode parecer surpreendente que uma cidade famosa pelos palácios do século XIX, pela sua tradição imperial, pelo clima frio, pelas cervejarias e pela vidinha sossegada de seus bucólicos arredores seja sede de uma escuderia instalada que encabeça a categoria mais importante do automobilismo brasileiro. No entanto, a supremacia petropolitana vai além e é incontestável. Das dez equipes mais bem colocadas na Stock Car, cinco têm como base o antigo refúgio de verão da destronada família real brasileira. Um em cada três carros que disputam o campeonato é montado lá. Ao todo são dez máquinas, duas por time, calibradas e ajustadas em oficinas concentradas em uma área que não ultrapassa 10 quilômetros de raio. Na última década, os pilotos de RBR Mattheis, A.Mattheis (Shell Racing), VS Racing (Voxx Racing Team), ProGP (Officer ProGP) e Vogel Motorsport dividiram entre si cinco troféus nacionais. Nenhuma outra cidade no país concentra tantos resultados. “Eu não sei qual é o segredo de Petrópolis, mas não há dúvida de que é a maior potência da modalidade, e me arrisco a dizer até que a categoria não seria viável sem o pessoal de lá”, diz Maurício Slaviero, diretor-geral da competição, ele mesmo corredor de uma equipe petropolitana na década de 90.

Há uma série de fatores que ajudam a entender como um lugar sem autódromo, com ruas de paralelepípedo e repleto de ladeiras se tornou uma potência dos esportes a motor. Ninguém, no entanto, consegue cravar com exatidão a explicação do fenômeno. É comum atribuir o pendor para a velocidade à forte presença de descendentes de alemães e italianos na área, nacionalidades com forte afinidade com o automobilismo. Outra explicação recorrente é que muitos ricaços cariocas sempre passaram os fins de semana na serra, o que ajudou a financiar o hobby dos apaixonados por carros e, mais tarde, a profissionalizar a brincadeira. “Nós somos fortes no automobilismo porque gostamos muito disso, entendemos do assunto e fazemos boas máquinas”, resume Mauro Vogel, sócio da equipe Vogel MotorSport e uma espécie de patriarca do esporte por ali.

Com quase quatro décadas de experiência, Vogel talvez seja a razão mais convincente para o fenômeno. Ele é apontado por seus pares como o maior especialista em carros de corrida na região e principal fomentador da mecânica de alta performance na cidade. Aos 61 anos, é um craque no ramo e, de certa forma, o ponto de convergência entre todas as demais escuderias. Envolvido no automobilismo desde 1974, criou em 1983 a Paulo Júdice Competições, mais tarde renomeada como Equipe Petrópolis. Sob seu comando, ambas amealharam dezessete títulos nacionais nas mais diversas categorias. Entre os pilotos que passaram por seus cockpits e trouxeram troféus para o time estão Slaviero, o diretor-geral da Stock Car, e também os fundadores das outras quatro equipes petropolitanas ? Andreas Mattheis (da RBR e da A.Mattheis), Jorge de Freitas (Voxx), e Duda Pamplona (Officer ProGP). Antes de montar seus times vencedores, Mattheis seguia carreira como diretor na fábrica de parafusos da família. Foi Vogel quem o convenceu a pilotar um de seus carros e, anos depois, o estimulou a criar a própria equipe, coisa que fez também com outros pupilos. “O Vogel é o mestre de nós todos, é um chefe brilhante e um sujeito muito generoso”, conta Mattheis. “Sem ele, nada disso existiria.”

A história do automobilismo em Petrópolis é centenária. Há registros de corridas em suas ruas já em 1908, e algumas das mais importantes provas do esporte no Brasil aconteceram lá, com público de até 50?000 pessoas. A última competição, a Três Horas de Petrópolis, ocorreu em julho de 1968, quando dois pilotos morreram e as autoridades baniram o esporte do município (veja o quadro na pág. 36). Como não há pista alguma por lá ? as mais próximas são os kartódromos de Guapimirim e de Volta Redonda ?, os pilotos pouco vão à cidade. Quem vive nela são os quase 100 mecânicos, engenheiros, pintores, serralheiros, torneiros mecânicos e fibreiros que montam e desmontam os carros a cada corrida, além de consertar, refazer peças, equalizar e realizar todos os ajustes de motores determinados pelo chefe da equipe. Ganham entre 3?000 e 5?000 reais por mês para trabalhar horas a fio, enfrentar longas viagens de ônibus até o local de provas no interior do país e passar às vezes semanas longe de casa. “Não é trabalho fácil, mas todos os que atuam aqui são viciados em automobilismo”, diz Duda Pamplona, da equipe Officer ProGP.

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A realidade das escuderias instaladas no município, evidentemente, é bastante diversa. Com um orçamento anual de quase 9 milhões de reais, a RBR e a A.Mattheis lideram o pelotão, ocupando um galpão de 1?500 metros quadrados limpíssimo (esqueça a graxa, o chão é branco), com ar-condicionado e computadores por todos os lados. Mais modesta, a Vogel Motorsport está instalada nos fundos de um posto de gasolina sem bandeira em uma oficina de 150 metros quadrados, que se divide em espaços conectados por rampas. O salário dos pilotos também reflete essa realidade: enquanto os mais desconhecidos correm por 10?000 reais mensais, grandes nomes como Cacá Bueno faturam dez vezes esse valor. “A remuneração e o patrocínio estão diretamente ligados à performance. Quem fica mais alto no ranking leva mais, quem fica por baixo leva menos”, explica Jorge de Freitas, que no ano passado vendeu sua equipe, a atual Voxx, justamente por enfrentar dificuldades para conseguir verbas publicitárias.

Embora menos conhecidas do que outras atividades na região, as oficinas de carros de alta performance são tão importantes para Petrópolis que a prefeitura concede benefícios fiscais ao setor, cobrando apenas 2% de ISS, ante os 5% recolhidos de outras empresas. É uma vantagem, mas o estímulo acaba diluído quando se levam em conta os altos custos de manutenção dos carros, de transporte de funcionários e equipamentos para o local da prova ? dos doze, apenas quatro são em capitais. Mas, mesmo sem pista por perto, com despesas altas e um tipo de trabalho que exige dedicação quase infinita, poucos pensam em desistir ou mudar de cidade. Se depender desses entusiastas, o cetro do automobilismo nacional continuará em Petrópolis por muitos e muitos anos.

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