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Crônica: Boa mesa

Por Fernanda Torres
Atualizado em 5 dez 2016, 15h59 - Publicado em 6 out 2011, 20h12

Gostaria de sugerir a inclusão do item melhor comida hospitalar nas futuras edições especiais de gastronomia de VEJA RIO. Eu sei que, em um país onde a saúde não atende a população, discutir o menu degustação dos internos pode parecer um exercício fútil que beira o mau gosto. Mesmo assim, arrisco insistir no assunto.

Além do paladar, da textura e da apresentação, seriam avaliadas as propriedades terapêuticas dos cardápios. Hoje, as hortas medicinais se encontram em grandes áreas agrícolas, a quilômetros de distância dos nossos olhos. Os extratos vegetais são entregues aos laboratórios farmacêuticos e recebemos o produto envelopado, lacrado e datado com o prazo de validade.

O mesmo processo industrial acontece com os alimentos. Muito do que consumimos é pré-digerido por máquinas e parece tão distante da natureza quanto uma cartela de antibióticos. Porém, por mais branco que seja o arroz, temos certeza de que ele veio da terra.

No ambiente ascético da medicina avançada, a refeição é o que de mais quente e carnal se pode oferecer a um enfermo.

Um prato de comida que lembrasse o quintal de um monge medieval levaria meu voto. Um repasto de ervas, frutas, frutos, caldos, carnes e temperos de curar gente.

O caneco de melhor procedimento noturno iria para os que administrassem benéficas infusões relaxantes na hora do sono. Chocolate amargo, azeites finos, nada de excessos grosseiros. Alimentação frugal para os estados delicados e suculentos guisados na fase de recuperação.

A cozinha japonesa contribuiria com delicadeza e beleza visual. É preciso alimentar o espírito. Tudo tende ao cinza nas internações, as paredes, os aparelhos, a roupa de cama, até a alma perde a cor diante das graves doenças. Mais uma vez, é no vermelho-beterraba, no radiante laranja e no verde-alface que o mundo se faz presente em um quarto de hospital.

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A nutrição é uma cadeira ligada a todas as especialidades médicas. Desenvolver seriamente sua relação com as terríveis mazelas deveria ser prioritário em todo e qualquer tratamento.

Não é justo oferecer a um ser que padece uma quentinha de praça de alimentação: purê desmaiado com molho de tomate de caixinha, acompanhado de hormônio de frango e pão com brometo.

Quem sobrevive a isso?

Sei que é utopia, que o custo de um centro clínico é tão alto que impede qualquer requinte alimentar, mas é preciso sonhar com a saúde.

A merenda escolar sofre da mesma sina. Damos ração às crianças.

Longe das enfermidades, um campo infinito de experimentos se abre para o estudante. Desde o velho feijãozinho germinado até um pato dissecado. Noções de física, química e biologia, frações matemáticas, história, geografia e literatura através do que se serve no prato.

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Toda escola do ensino fundamental deveria contar com uma horta e uma generosa cozinha.

O que mais me choca nos menus infantis é a ideia de que é aceitável consumir lixo até os 18 anos.

Em recente viagem, a aeromoça me perguntou se eu gostaria de pedir o kid?s choice para meu filho menor. Essas anomalias vêm sempre em inglês… As opções dos adultos eram excelentes; mesmo assim, perguntei por curiosidade qual seria a sugestão. ?Nug­gets com batata?, respondeu-me a tripulante. Fechei no ato com a sopa de baroa, a salada de pato e o badejo com legumes dos mais velhos.

A formação do paladar está intimamente ligada ao funcionamento futuro do corpo. É comum acordar para a boca só na hora em que a carroceria dá sinais de cansaço. Um bom aprendizado à mesa aliviaria a carga da saúde pública.

Comecei sugerindo um novo quesito para o prêmio de gastronomia de VEJA RIO, concluo propondo mais um: além do de melhor comida hospitalar, o de melhor merenda escolar. Não se pode pensar no primeiro sem levar o segundo em consideração.

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