Imagine uma receita que leva frango marinado, temperado com capim-limão e cozido em baixíssima temperatura por horas até a carne ficar no ponto ? úmida e saborosa. A seguir, adiciona-se uma colher de queijo cremoso de boa qualidade. A mistura então é envolvida em uma massa cremosa, cuja técnica francesa de preparo chama-se pâte à choux, similar à usada para fazer profiteroles. Sofisticação, certamente, é o que não falta na fórmula desenvolvida por Pedro de Artagão, do restaurante Irajá, para elaborar sua versão gourmet da boa e tradicional coxinha de galinha. “Estamos em um momento em que o chique é aquilo feito com apreço, sem ser necessariamente caro”, afirma o chef, que se valeu do teor emocional ? o quitute remete às festas da infância ? e de técnicas da cozinha moderna em sua nova criação.
Clássico dos pés-sujos, ao lado do torresmo e do ovo colorido da vitrine, a coxinha é o petisco da vez nos cardápios de bares e restaurantes. Além das versões tradicionais, o democrático salgadinho aparece com queijo brie e geleia de damasco apimentada como acompanhamento na receita pensada por Flávio Canetti, do Teto Solar. Na Academia da Cachaça, a mistura de farinha de trigo e manteiga da massa é incrementada com batata-baroa na nova sugestão da casa. Já Ronaldo Canha, do Q Gastrobar, tirou o frango do recheio e apostou no pato desfiado, arrematado por uma casquinha crocante de farinha panko, muito usada na culinária oriental. “Parece algo trivial de preparar, mas não é fácil. Meu ajudante ficou quase um mês moldando cinquenta coxinhas por dia até conseguir aquele formato tradicional”, lembra Canha.
Embora obscura, a história dá conta de que o quitute nasceu no século XIX em Limeira, no interior de São Paulo, e ganhou fama graças à aprovação da imperatriz Tereza Cristina, que o provou em uma de suas visitas à cidade. Curiosamente, a receita foi criada justamente com o objetivo bastante plebeu de fazer a carne de frango render mais, ao envolver punhados desfiados com massa à base de farinha de trigo moldada no formato de coxas da ave e posteriormente frita. A imperatriz adorou e pediu a seus cozinheiros que preparassem o bolinho na corte. Mais tarde, já no século XX, durante o período de industrialização de São Paulo, a coxinha foi resgatada para alimentar os empregados de fábricas. “Foi uma maneira de atender às necessidades de quem não tinha dinheiro”, conta Deonísio da Silva, etimologista e professor na Universidade Estácio. Com a expansão da industrialização, ela conquistou outras praças, inclusive o Rio. Agora, a ordem é sofisticar o velho e bom bolinho frito.