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A riqueza retorna aos cafezais

Empresários cariocas despontam como os novos barões do café ao investir em tecnologia e práticas sustentáveis para produzir grãos com sabor e aroma comparáveis aos melhores do mundo

Por Fabio Codeço
Atualizado em 5 jun 2017, 14h34 - Publicado em 25 abr 2012, 17h49

Houve um tempo em que o futuro da economia brasileira estava umbilicalmente ligado às mesinhas dos cafés às margens do Rio Sena, em Paris. Foi a partir delas que o mundo aprendeu e copiou a maneira mais charmosa de consumir o nosso principal produto de exportação. Com o passar dos anos, e o contínuo refinamento do paladar dos parisienses, as xícaras começaram a receber variedades da bebida mais saborosas, feitas com grãos originários da Colômbia, da América Central e da Ásia. Os daqui, de um paladar mais rústico e embrutecido, acabaram relegados à fabricação de pó solúvel. Desde janeiro, um seleto grupo de estabelecimentos da capital francesa voltou a ter um exemplar brasileiro em suas cartas. Trata-se do jacu bird coffee, cultivado em plantações cercadas por Mata Atlântica e estrela em ascensão em endereços como o restaurante do chef Alain Ducasse no hotel Plaza Athénée e o Le Bouquinistes, de Guy Savoy. “Já estava mais do que na hora de termos uma marca de prestígio internacional no Brasil”, diz Henrique Sloper, dono da fazenda onde o jacu bird é produzido. Descendente dos fundadores de uma das primeiras lojas de departamentos da cidade, a Casa Sloper, ele decidiu virar produtor rural depois de uma viagem pela Indonésia em 1994. Em meio a uma temporada de surfe nas paradisíacas praias daquele país, conheceu uma das variedades mais caras do mundo, o kopi luwak. Ficou encantado. De volta ao Brasil, adotou as técnicas dos asiáticos em uma propriedade de 300 hectares herdada do avô, localizada no Espírito Santo. “Nós temos potencial e experiência para competir com os melhores do planeta”, afirma o fazendeiro, que vive na Barra.

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O ex-surfista Sloper é parte de um grupo de cariocas que encarnam com perfeição o papel de senhores do café contemporâneos. Trata-se de um time de empresários que, à parte o cultivo do arbusto nativo da Etiópia, não tem nenhum traço em comum com os barões cafeicultores fluminenses do passado. O modelo predatório do século XIX, baseado na mão de obra escrava e nos volumes colossais de produção, deu lugar a um novo formato apoiado em rigorosos critérios de sustentabilidade, uso intensivo da tecnologia e cultivo de espécies nobres. As áreas produtoras, antes concentradas no Vale do Paraíba, hoje se estendem por propriedades em estados vizinhos. Com sede no município mineiro de Alfenas, a Ipanema Coffees é uma potência do agronegócio brasileiro, um complexo que reúne cinco fazendas e mais de 12 milhões de pés do tipo arábica, o melhor que existe. A colheita ali é mecanizada e a seleção dos grãos, feita com máquinas equipadas com dispositivos fotoeletrônicos em que fachos de luz identificam os frutos fora do padrão e os descartam automaticamente. “Passo a maior parte do ano viajando. Além de visitar os clientes, preciso frequentar as feiras, sempre atento às novas tecnologias que estão disponíveis. Não podemos ficar para trás”, conta o dono da fazenda, Gustavo Fernandes, de 51 anos, que mora a uma quadra da Avenida Vieira Souto.

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Engenheiro civil por formação, Fernandes carrega cafeína no código genético. A família de sua mãe, Mirian, planta café há cinco gerações. Seu pai, Luiz Cyrillo, é um dos fundadores da Gafisa, a maior incorporadora imobiliária do Brasil. Apesar da carreira de construtor, ele sempre sonhou em cultivar uma vastidão de pés de Coffea arabica seguindo os mais altos padrões internacionais. Hoje, a Ipanema Coffees é um pequeno império que faturou 150 milhões de reais em 2011, estando orgulhosamente instalado entre os cinco maiores produtores do mundo. É um negócio que já teve como sócios gente que entende muito de dinheiro, como o economista Armínio Fraga, amigo de infância de Fernandes, que investiu na empresa de 2006 a 2008. Entre a compra e a venda de sua participação, o ex-presidente do Banco Central lucrou 150% em apenas dois anos. Atualmente, os maiores parceiros da família são duas grandes multinacionais do setor: a japonesa Mitsubishi e a alemã Tchibo. Tanto interesse se justifica. Das 140?000 sacas produzidas, 112?000 foram vendidas a distribuidores de 26 países. Entre seus grandes compradores estão a americana Starbucks e a suíça Nespresso.

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[—FI—]

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Símbolo da opulência cafeeira durante o século XIX, o interior fluminense costuma ser encarado como uma espécie de museu a céu aberto sobre a ascensão e a queda da aristocracia rural brasileira. Nos últimos anos, algumas propriedades ressurgiram das cinzas, escoradas em um novo perfil de produção. Nelas privilegia-se o cuidado artesanal no cultivo, na colheita e processamento dos frutos e na secagem e torra dos grãos. Com relevo acidentado, essas terras conseguem sutis variações de sabor, explorando características que dificultam a produção em larga escala. “Se por um lado a topografia inviabiliza a mecanização do processo, por outro oferece condições para o bom crescimento da planta. O vento e as diferenças de luz na colina são responsáveis por uma bebida cheia de personalidade”, explica Paulo Tassinari, da Fazenda São Francisco, em São José do Vale do Rio Preto, de onde saem módicas 5?000 sacas anuais. O raciocínio de Tassinari faz todo o sentido. É só pensar no conceito do terroir, muito usado no mundo dos vinhos: as condições naturais, que incluem o tipo de solo e de clima, influenciam o sabor do fruto e, consequentemente, a bebida que dele resulta. “Ainda assim, há sempre um concorrente de outro estado que gosta de fazer uma piadinha: ?E aí, carioca, veio mostrar o café Rio???”, diz Tassinari, explicando em seguida que a denominação Rio, segundo a tabela de classificação para exportação, é usada para o café de pior qualidade, uma herança do produto com gosto de palha queimada do passado.

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Quando postos à prova de verdade, os grãos produzidos por Tassinari e outros cafeicultores fluminenses acumulam uma extensa lista de prêmios – e levam os maldosos paulistas e mineiros a morder a língua ferina. Em mais uma constatação de que as áreas em que a cafeicultura brasileira nasceu, há mais de 200 anos, não merecem a fama injusta que carregam, produtores como Daniel Bastos e Monica Monnerat, da Fazenda São Luiz, em Cordeiro, começam a desenvolver combinações exclusivas dos chamados café de origem. É o caso do serrana, no qual o produtor controla um rigoroso padrão de elaboração e processamento, do plantio ao empacotamento. Tais cuidados põem o grão produzido dessa forma no topo da hierarquia do setor, organizada a partir de notas atribuídas a cada categoria, começando pelas tradicionais (de 4,5 a 5,9, como é o caso do Pilão), superiores (entre 6 e 7,2) e gourmets (acima de 7,3).

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O empenho dos novos senhores do café em criar produtos cada vez mais sofisticados acompanha uma crescente evolução nos hábitos dos cariocas. Em 2011, o consumo de variedades de primeira linha no Rio subiu 21,3%, média semelhante à do mercado paulista, bem mais evoluído que o nosso. “Tal desempenho obedece à mesma lógica da lei da oferta e da procura. Quando o consumidor encontra rótulos melhores, isso aumenta seu interesse por variedades mais elaboradas, desencadeando assim o consumo de exemplares com qualidade superior”, afirma Efigênio Nioac de Salles, presidente da Associação dos Cafeicultores do Estado do Rio de Janeiro e proprietário da Fazenda do Cedro, em Bom Jardim. As sacas produzidas em sua propriedade, por exemplo, são destinadas à italiana Illy, uma das maiores e mais refinadas torrefadoras do mundo, famosa pelo rigor com que escolhe seus fornecedores. Esse é um sinal de que, em um futuro próximo, o termo “carioca”, usado para qualificar um expresso mais fraco, tem chance de significar muito mais que a adição de água quente à mistura.

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